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Flatout 4: Total Insanity - Análise

Pedal a meio gás.

Preservada a identidade dos originais e robusto em conteúdos, Flatout 4 não foge a uma execução com problemas, em especial na jogabilidade.

Flatout detém já alguma tradição no segmento dos jogos de corridas arcade, marcadas por acentuada destruição, velocidades alucinantes e provas de duplo. Infelizmente, o último registo da série, "Chaos and Destruction" (2011) esbarrou-se num caos profundo, engolindo quase a própria série num monte de chapa amolgada e borracha queimada. Desde Destruction Derby, passando por Motorstorm da ex-Evolution Studios, e Burnout, encontramos nestes jogos algumas influências, pese embora a identidade da série que o estúdio BugBear se esforçou por construir. Com este regresso espera-se nada mais que uma reposição do padrão da série marcado nos primeiros títulos.

Em Flatout 4 operaram-se algumas mexidas: a editora é a BigBen Interactive e o desenvolvimento ficou a cargo do Kylotonn, um relativo desconhecido estúdio francês que recentemente lidou com a série WRC, tendo deixado até algumas impressões positivas. Não é difícil pensar no risco da produção quando há uma nova produtora em desenvolvimento. Porém, os franceses deram seguimento à imagem dos primeiros Flatout, com alguns toques de Mad Max: Fury Road, nas estradas abertas e poeirentas.

A estrutura das corridas foi igualmente preservada, dando sequência a destemidos despiques pelas posições cimeiras, sem qualquer parcimónia para com os adversários. O caos e a destruição instalam-se a partir do momento que se quebram barreiras e toda a área adjacente ao circuito pode ser arrasada como se os veículos se transformassem em ventos ciclónicos, projectando objectos, destruindo habitações e arrancando toda a vegetação. Só a pedra e o aço permanecem intactos, absorvendo o impacto dos carros e infligindo feridas fundas nos bólides.

Grande parte dos elementos que compõem o cenário podem ser destruídos mas tenham atenção ao betão e aço.

Os carros resistem aos embates mais dramáticos, retomam a posição na pista após uma pressão sobre o botão triângulo, embora seja nessa altura já evidente o atraso para os demais adversários. Enceta-se por isso uma nova recuperação, aproveitando cada "boost" de velocidade extra, mas a barra de resistência do veículo aos danos diminui sempre que há nova batida, quando o risco de premir o pedal do acelerador a fundo aumenta. Uma vez esgotada a marcha do veículo é trocada por uma explosão. Em Motorstorm era muitas vezes a manutenção do acelerador do limite que causava o acidente; aqui é a barra de resistência que acaba com as chances de chegar em primeiro.

Flatout 4 consegue incorporar muitos dos elementos de Burnout e Motorstorm. Enquando jogava acabei por cruzar memórias com essas produções, cuja presença ainda se faz sentir. Mas no meio desse misto de influências e enquadramento tipicamente Flatout, mora uma jogabilidade algo ineficiente, incapaz de produzir as melhores sensações, com uma física algo pobre. Para piorar, acresce uma inteligência artificial algo irritante, na qual somos constantemente forçados a fazer pião à custa de embates e colagens que atrasam o avanço. Isto é constante, e todas as corridas são afectadas pelos mesmos problemas. O que é uma chatice depressa se torna numa parte do jogo que temos de transportar às costas sempre que avançamos. Como se isto não bastasse, o jogo sofre de significativas quebras de frame rate, logo na partida, quando os carros estão muito juntos, mas mais adiante, quando a concentração de veículos é maior e todos se envolvem num vendaval de coisas pelo ar, sucede o mesmo.

O design das pistas é interessante. Mesmo não sendo das mais bonitas ou espectaculares, proporcionam imensos percursos alternativos e estão compostas, com ambientes credíveis e bastante realistas. Da selva aos espaços industriais, passando por zonas urbanas, valem pelo seu colorido e luminosidade, em condições por vezes extremas. Algumas secções são altamente técnicas e requerem mais esforço em termos de condução, através de cotovelos e curvas apertadas. Nestas zonas encontramos indicadores e setas que nos orientam na direcção adequada, sob pena de nos afastarmos da direcção da corrida, com assinaláveis prejuízos para a classificação final.

As provas stunt conseguem ser mais divertidas, mas a sua extensão não é muito grande.

"ainda que as pistas se encontrem bem construídas e minimamente cativantes, a pobre física dos veículos é como que uma oportunidade perdida, não permitindo que o seu aproveitamento seja total"

Porém, ainda que as pistas se encontrem bem construídas e minimamente cativantes, a pobre física dos veículos é como que uma oportunidade perdida, não permitindo que o seu aproveitamento seja total. A condução é aceitável, embora seja ao começo uma sensação um bocado estranha. Os drifts não são prolongados e parece que não se adaptam às condições do terreno. Independentemente do carro escolhido, a condução e sobretudo a sensação mantém-se, seja com um carro pesado ou leve, supostamente melhor para derrapar. A sensação de velocidade também está longe de ser eficaz. Exceptuando o nitro que proporciona alguns instantes de velocidade extra, a sensação que fica é que o carro move-se a pouco mais do que aquilo que pode dar. Mesmo depois de melhorado e equipado com novos sistemas no motor, a suposta melhoria de performance não dá grandes resultados palpáveis.

Podem acabar mais corridas em primeiro, com as duas últimas voltas efectuadas sem nenhum adversário por perto, mas as condições e sensação de condução pouco mudam. Pena que a Kylotonn não tenha cuidado melhor da física num jogo que apela tanto à condução arcade e que justifica plenamente aquelas manobras exageradas por contraposição ao realismo dos simuladores.

Já no que respeita aos modos de jogo, a produtora incluiu alguma variedade. O modo carreira é a espinha dorsal, formada por múltiplas provas de diferentes categorias de veículos, que nos levam a formar uma competição ao longo de duas ou mais corridas, de três voltas cada uma. No final, se sairmos vencedores desbloqueámos uma nova competição e ganhamos um prémio monetário, indispensável para melhorar o actual veículo ou comprar outro.

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Se o modo carreira constitui uma componente primária, é na parte dos desafios, compostos por um grande conjunto de provas que mais parecem ter sido criadas para um duplo, como um Joe Danger, que Flatout 4 fica um pouco mais interessante. Aqui a imaginação parece não ter tantos limites e por isso é que encontramos desafios como saltos que projectam o condutor para uns copos gigantes. Se aterrar no interior o jogador ganha pontuação. Se, noutros jogos, destruir parte do cenário, é premiado por isso. Depois existem as arenas, uma espécie de chamada de atenção a Destruction Derby, nas quais o objectivo passa por detonar os rivais, até corridas com "power ups", no estilo de Mario Kart.

Infelizmente, nem todos os desafios funcionam bem. As corridas tipo Mario Kart funcionam no papel mas na prática a sua execução é algo pobre, afectada desde logo por vários "bugs" e uma distribuição dos "power ups" algo desequilibrada, sem a fluidez necessária que um desafio destes requer. É mais o caos do que a certeza de se estar a sentir uma progressão. Outros desafios carecem de instruções para se perceber os seus moldes, pelo que só com tentativa e erro é que vamos percebendo o seu funcionamento. O jogo contempla ainda uma funcionalidade multiplayer online, que abarca todos os desafios da componente individual, mas em termos de experiência pouco modifica.

Flatout 4 podia ser um jogo do género arcade bem mais entusiasmante se fosse capaz de proporcionar um verdadeiro prazer em termos de condução. Com uma física algo pobre e um desempenho pouco mais que aceitável, ainda por cima afectado com quebras de frame rate, torna-se rapidamente numa desilusão e poucos motivos nos dá para prosseguir, excepto as provas de duplo, que evitam grande parte desses problemas. A produção das pistas e seu design é satisfatório mas não chegam quando o essencial reside na condução. É um daqueles jogos passageiros, jogável até, mas que não nos deixa com um sorriso.

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