flOwer - Análise
PlayStation 4 recebe arte e cor.
Flutuar como uma pétala ao sabor da brisa, gentilmente voando pelos céus como uma espiral de cores que rompe pelo monótono cinza que preenche a triste paisagem. Por momentos sentimos que estamos perdidos mas uma rápida vontade de mudar o que nos rodeia surge fulgurante para flor a flor consagrar com esplendor um verde prado que outrora era tão triste quanto uma chuvosa tarde de Outono. Como se de magia se tratasse, o nosso coração sente conforto e até sentimos que ficamos mais quentes no interior, afinal de contas, ver uma bela paisagem ganhar vida, deixando para trás o triste monocromático, é tão fascinante quanto suavizante. Se alguma vez existiu terapia para a alma em forma de videojogo, flOwer certamente poderia enquadrar-se nesse quadrante.
Quantos de nós já pensaram como seria flutuar como uma pétala ao vento? Como seria ser livre para voar pelos céus tal como um pássaro e fugir à implacável rotina do dia-a-dia? Fugir ao imparável olhar da sociedade que tão apressadamente julga os outros e troca a simplicidade pela complicação. Para muitos a vida é um quadro a preto e branco, rotineiro, sem ponta de cor sendo constante a procura por uma chama de paixão e novidade.Frequentemente se debate se os videojogos podem ser arte e que este meio, talvez mais do que qualquer outro, pode permitir viver e sentir experiências que mais nenhum outro pode. Esse é o papel de jogos como este flOwer que parece ter amadurecido muito bem e agora chega à PlayStation 4.
Quando flOwer foi lançado em Fevereiro de 2009, a revolução dos indies ainda não havia sido levada a cabo, ainda estava a dar os primeiros passos em direção ao fascínio mundial. A Sony apostava em pequenas experiências que complementavam os AAA que iam sendo lançados a ritmo frenético e esta proposta de poema videojogável do estúdio que nos viria a dar o fenomenal Journey, assumiu-se como algo singular e único. Difícil de catalogar, flOwer foi simplesmente flOwer. Para muitos uma mera demonstração interactiva, para outros tantos arte em forma de videojogo, este produto do thatgamecompany representa bem o porquê de haverem defensores dos videojogos como algo bem mais do que entretenimento.
flOwer do thatgamecompany pode ser descrito como poesia em movimento. Um poema sobre cor, sobre transformação, sobre causa e consequência. Também pode ser um poema sobre os tons escuros da solidão que no lado oposto encontra a claridade de um festival de luz que representa o libertar do espírito humano da rotina do dia-a-dia. flOwer não é propriamente um exercício sobre como a cidade torna os humanos menos humanos e mais robotizados em contraste com a vida no campo, flOwer é um poema interativo na forma de uma experiência áudio-visual que nos lembra como a simplicidade pode ser o maior trunfo da vida, como todos nós precisamos de um escape, de colorir a nossa vida e que todos nós, à nossa maneira, temos problemas tão distintos e singulares mas que afinal de contas é isso que nos torna tão idênticos.
A simplicidade e a arte presente em flOwer foram os seus principais alicerces em 2009 e quando foi anunciado que seria lançado para a PlayStation 4 agora em 2013, senti que não poderia perder esta oportunidade para revisitar o produto. Para muitos, que tal como eu recebem gratuitamente a versão PS4, e para outros tantos que não o compraram na PlayStation 3, este é um produto que se encaixa na perfeição na vossa consola pois não existe nada como ele e o vosso DualShock 4 é usado de forma criativa e interessate.
O maior gosto que tive ao jogar a versão PlayStation 4 de flOwer foi poder constatar que o jogo envelheceu muito bem, fruto do seu visual centrado na criatividade artística e na forma como a gameplay está moldada em sintonia com os visuais. As melhorias levadas a cabo pelo Bluepoint Games em tudo glorificam a obra de Jenova Chen sem a momento algum ousar deturpar seja qual aspeto for. A intenção foi converter o jogo para a PS4 tentando melhorar onde possível e tentando usar as capacidades únicas do DualShock 4 mas no final temos o mesmo produto que vimos em 2009.
Um campo vazio surge à nossa vista, após o barulho citadino. O silêncio do campo acompanhado por uma única pétala em cor num mundo cinzento é a nossa referência enquanto gentis toques na guitarra acústica nos começam a emocionar e ficamos curiosos. Já anteriormente havia sido explicado que aqui temos que movimentar o comando para que a ação decorra. Somos como um maestro que ao invés de comandar a sua orquestra terá que orientar uma orquestra de flores que ao invés de sons nos dá uma explosão de cor.
Uma triste e solitária pétala rapidamente o deixa de ser. Voando com a ajuda do vento e tornando-se bem mais do que jamais o jogador poderia acreditar, ela vai tocando nas flores que desabrocham à sua frente e lhe dão mais pétalas para a acompanhar. Rapidamente temos grupos de flores com várias cores e cada uma acrescente mais uma pétala e vamos ficando com um conjunto cada vez maior, cada vez mais belo. Pelo caminho, antes de chegarmos a novas áreas, o mundo vai ele próprio desabrochando e conquista cor e vida.
A gameplay é tão simples quanto isto. Movimentamos as pétalas, desabrochamos as flores e elas modificam por completo o cenário que as rodeia. Por vezes flOwer mais parece uma tela que o jogador vai pintando com os movimentos do seu comando. É reconfortante ver o mundo modificar debaixo dos nossos gestos e apesar de ser altamente direto e simples, o que interessa é que resulta. O jogador nada mais faz do que movimentar o comando mas quando sente que está a cumprir algo enquanto se envolve com a experiência, não evita sentir que está a ser tocado por algo que o faz sentir a pureza de uma criança.
flOwer é simplesmente lindo de ver e ouvir. Arrebatador emocionalmente e digno dos melhores elogios. Desde logo quero elogiar a fenomenal banda sonora de Vincent Diamante, que a Sony nos dá a oportunidade de comprar em separado, como um dos principais responsáveis por conferir a flOwer o tom emocional e envolvente que consegue. Lembro-me de um slogan da própria Sony Music que nos dizia que existe uma música para qualquer momento e podem ter a certeza que esta experiência jamais seria a mesma, jamais teria a qualidade que tem, se não fosse a música que Vincent criou propositadamente e inspirada nesta obra.
Obra essa que nos agarra com a força de um furacão e nos tranquiliza com toda a gentileza de uma leve brisa numa quente tarde Primaveril. Quase que sentimos o cheiro dos prados, das pétalas e das flores e quase sentimos a carícia de cada pétala, de cada fio de relva que dão forma a estes níveis que vemos aqui. Diz que flOwer é um poema e uma jornada artística em termos visuais é principalmente graças à sua componente visual que combina um brilhante jogo de cores com uma realização de consequências em torno dos atos do jogador.
As pétalas vão voando pelos campos abrindo um mar de cor que vai preenchendo o que outrora era triste e escuro. Na PlayStation 4 temos toda a confirmação que é a veia artística de flOwer que triunfa e não o aspeto técnico. 1080p nativa acompanhada de 60fps tornam a experiência visualmente mais rica e mais fluída. Os comandos respondem melhor e podemos ver como os visuais mais nítidos e limpos reforçam o pacote visual mas na sua essência, toda esta riqueza técnica extra apenas serve para demonstrar que flOwer sempre foi uma experiência arrebatadora de ver e que o artístico triunfa sobre o técnico.
Tal como na análise original, a sensação que flOwer deixa é a de uma poderosa experiência emocional que consegue ser muito mais do que um videojogo mas estando inserido no meio em que está, perde em alguns pontos pois estamos forçosamente obrigados a procurar pontos comparativos com os produtos da indústria. Existe um preço a justificar, sensação de recompensa e valorização a preencher e toda uma validação enquanto produto interativo. flOwer consegue tudo isso mas pelo que é e não pela duração. No entanto, pela segunda vez, não evito sentir que poderia durar mais, ter mais níveis e dar mais ao jogador do que dá.
Por outro lado, apesar de realizar em pleno tudo aquilo a que se propõe, toda a simplicidade de flOwer deixa o jogador sem qualquer sensação de desafio, mesmo que isso não seja o pretendido. No entanto, existem momentos em que o jogador é desafiado com todo um engenho e arte que torna as restantes secções pálidas em comparação. A conjunção de momentos visualmente arrebatadores dentro desta inspirada obra artística com uma gameplay ligeiramente mais desafiante seria o ponto perfeito na balança.
flOwer encaixou na perfeição na minha PlayStation 3 e na minha vida enquanto jogador em 2009. Motivou toda uma procura por experiências similares que iria levar ao inspirador Journey. Agora, em 2013 temos a versão PlayStation 4 que por todos os seus méritos consegue apresentar o jogo quase como se fosse lançado hoje pela primeira vez. Para os que deixaram os anos passar e deixaram flOwer esquecido na sua PS3, este é um prémio gratuito que merecem dar vocês mesmos e ao jogo, enquanto para quem só agora o vai conhecer, é mais do que obrigatório. Chamar-lhe jogo parece que o estamos a inferiorizar pois é muito mais do que isso.