Game Boy Advance: mais do que uma Super Nintendo de bolso
Portátil 32 bit capaz de impressionantes jogos em 2D.
No final da década de 1990 a Nintendo vivia o sonho de uma qualquer fabricante de consolas. Mais de 100 milhões de portáteis vendidas com a inscrição Game Boy. Por todo o mundo era o sistema portátil dominante. Num tempo em que os telemóveis passaram a ser acessíveis, ainda que limitados em termos de processamento e com reduzidas possibilidades de exploração, a Nintendo tinha no mercado uma consola acessível, eficiente em consumos energéticos e com um line up vasto e surpreendente, com muitos jogos impressionantes para uma 8 bit que não chegou a ser a mais avançada da sua geração mas uma máquina com a qual muitos produtores se deram bem, aproveitando cada nesga. Por mais potentes que fossem as outras consolas portáteis, nenhuma conseguiu chegar perto das vendas alcançadas pelo nome Game Boy.
No entanto e na viragem do milénio, a Nintendo confrontou-se com a necessidade de fazer um "upgrade" ao seu sistema, fruto precisamente da evolução dos sistemas portáteis, entre os quais os telemóveis, um mercado em crescimento galopante. Com uma Game Boy Color encostada aos arames e incapaz de proporcionar outro alcance aos utilizadores, a Nintendo começou a pensar no sistema seguinte. É a partir da metade da década de 1990 que surgem os primeiros rumores de uma nova máquina, mas só junto à viragem do milénio é que a Nintendo tornou claros os planos da sua nova consola portátil, que seria uma 32-bit. Não uma revisão da antiga Game Boy, mas um sistema melhorado, um sinal de que a Nintendo não estava acomodada ao sucesso, antes sim disposta a proporcionar uma nova geração de entretenimento em forma de portátil.
Para uma marca que tinha vendido milhões, a Nintendo optou por uma gestão prudente e eficaz quanto ao potencial e imagem da sua nova consola. A Game Boy Advance saiu em 2001, apresentada pela Nintendo em termos de marketing como uma portátil 32-bit, reclamando uma transição portátil que em nome a aproximava dessa geração de consolas domésticas, da qual faziam parte a PlayStation e a Sega Saturn. Na verdade é uma portátil 32-bit. O seu processador CPU 16.8MHz 32-bit ARM7TDMI opera nos 32-bit mas é uma versão mais limitada que os processadores das outras consolas, daí a dificuldade, por exemplo, em proporcionar jogos em três dimensões. Diga-se que a Game Boy Advance nunca foi muito feliz em jogos 3D.
A grande vantagem deste processador traduziu-se na produção de jogos em duas dimensões, tendo a GBA pegado destaque por aí, conseguindo jogos 2D não ao nível de uma Saturn ou PlayStation, mas um tanto superiores a jogos editados para a Super Nintendo ou Mega Drive. Basta recuperar séries como Castlevania, com três excelentes produções, Final Fantasy Tactis, Fire Emblem, a saga Advance Wars, o segmento Super Mario Advance e até os Sonic Advance pela mão da Sega, para se encontrar uma vasta gama de produções exclusivas da portátil.
Não é por acaso que entre os entusiastas da portátil, muitos a apelidem de Super Nintendo ou Mega Drive de bolso, precisamente por proporcionar um prolongamento desse filão de jogos 2D, quase como um sistema intermédio entre as antigas 16 e as 32 bit. Castlevania: Symphony of the Night é um dos expoentes 2D da PlayStation (e Saturn), embora Castlevania: Aria of Sorrow não fique muito atrás. Claro que a resolução de 240 x 160 do ecrã TFT 2.9 não permite grandes veleidades, sendo manifesta essa diferença quando um jogo corre a partir da GBA player na GameCube (o acessório que permitia jogar os jogos da GBA no ecrã do televisor - Nintendo Switch?). Porém, quando comparadas com as produções da SNES, muitos jogos desenvolvidos exclusivamente para a portátil parecem resultar um tanto melhor, sobretudo com mais elementos renderizados e uma fluidez incrível: basta jogar um Metroid Fusion para dissipar quaisquer dúvidas.
A grande entrave do primeiro modelo GBA era a ausência de iluminação interna do ecrã, o que impossibilitava qualquer tentativa de jogo sem uma fonte de iluminação exterior, embora nem todas as opções fossem a melhor. A luz solar directa quase que ofuscava o ecrã. A melhor opção era muitas vezes a iluminação indirecta, até para evitar que o nosso rosto ficasse visível através do efeito espelho e perturbasse a percepção visual. Havia no entanto uma vantagem, que era o baixo consumo das baterias. 2 pilhas eram capazes de proporcionar 15 horas de jogo, só que os jogos não eram apreciados na sua plenitude. Muitos detalhes de Castlevania Circle of the Moon, por exemplo, são quase imperceptíveis se não observados a partir de um ecrã com luz interna. O melhor ecrã para se jogar os jogos da GBA ainda é o da Nintendo DS Lite (contém retro compatibilidade). As cores revelam-se brilhantes e todos os pormenores ressaltam com uma clareza notável.
O primeiro modelo GBA apresenta uma composição horizontal, demarcando-se dos sistemas prévios Game Boy, cuja estrutura vertical causava algumas dificuldades a quem tivesse as mãos grandes. No entanto era um modelo muito ergonómico e desejável de ter em mãos, com bons apoios nas costas para os dedos, dois "triggers" R e L muito bem colocados e o ecrã ao meio. Uma disposição que lembra imediatamente a Switch ou o GamePad da Wii U.
A Nintendo optou e bem por não esquecer os utilizadores das anteriores consolas, ao permitir retro compatibilidade com os cartuchos Game Boy e Game Boy Color, uma extensa biblioteca que continuava assim à disposição dos novos utilizadores, enquanto que os anteriores podiam trocar o seu velho sistema pelo novo, mantendo os jogos, uma decisão que se revelou acertada. Outra decisão louvável foi a ausência de protecções ao nível da região, o que tornava possível jogar jogos japoneses numa GBA europeia ou americana. Para os amantes da importação foi uma oportunidade para experimentar primeiro.
Em 2003 e consciente da necessidade de oferecer uma consola capaz de suprir as lacunas do primeiro modelo GBA, a Nintendo lançou a GBA SP, uma consola com design algo "retro", inspirado nas antigas Game & Watch, com um sistema de molas que permitia rebater o ecrã e fechá-la quando não lhe era dado uso. A alteração mais saliente neste modelo de revisão foi a implementação da tão desejada luz interna, através da qual era possível jogar no escuro e até debaixo da luz do dia. Além disso, a consola foi apresentada com uma bateria interna e carregador, uma opção que evitava a compra de pilhas, com uma duração estimada em 10 horas. O único senão foi a eliminação da entrada para auscultadores, que os engenheiros da Nintendo alegam ter removido por não disporem de espaço. Curiosamente, a Nintendo lançou um modelo GBA denominado AGS 101, com um ecrã mais luminoso, especialmente procurado pelos fãs.
Lançando a consola em várias cores e com um grande conjunto de acessórios, a Nintendo surpreendeu o mundo com o lançamento da Game Boy Micro em 2005, até hoje a consola mais pequena fabricada pela Nintendo, com um ecrã muito luminoso mas cuja escassa dimensão (ecrã de 2 polegadas) foi para muitos uma entrave. É uma pequena grande maravilha, embora seja algo limitada pelo seu tamanho, especialmente pelo reduzido ecrã. Contudo, oferece uma entrada para auscultadores, mas não é retro compatível com os antigos cartuchos Game Boy e Game Boy Color. Nas mãos a máquina é uma pequena delícia, afundando-se facilmente no bolso do casaco ou das calças, lá permanecendo, quase imperceptível.
Todavia, a Game Boy micro não conheceu o mesmo sucesso das prévias iterações. Apesar da Nintendo a anunciar como o expoente máximo da portabilidade, para muitos o seu tamanho micro foi a principal entrave, ainda que a um preço mais em conta. Mas em 2005, quando foi lançada, já a Nintendo DS (lançada em 2004) estava no mercado, contrariando por completo as expectativas daqueles que achavam que seria um tiro no escuro e uma consola sem interesse. A pujança da Nintendo DS abriu caminho ao modelo DS Lite, uma revisão que ajudou a Nintendo a cimentar as vendas da nova portátil.
Com a introdução da Nintendo DS, a companhia esperava ter uma consola portátil alternativa ao modelo Game Boy, que pudesse coexistir, mas isso não aconteceu. Os utilizadores aderiram em massa à Nintendo DS e essa tornou-se na consola portátil da Nintendo mais vendida de sempre (152 milhões no combinado dos diversos modelos). É revelador disso a entrada em cena da Nintendo DS, em 2004, cerca de três anos depois do lançamento da GBA. Apesar da transição muito grande para a DS, em termos de produções e lançamentos, o legado GBA ainda perdurou imenso tempo, tendo a Nintendo vendido com os diversos modelos cerca de 81 milhões de consolas, números avassaladores para os tempos que correm. O que também ajuda a explicar isso é a ausência de uma verdadeira consola portátil concorrente à altura da GBA e o facto dos telemóveis não estarem muito avançados, nem existirem ecrãs tácteis ou tablets como temos hoje. Com a introdução da DS e do seu segundo ecrã táctil, a Nintendo deu uma valente sacudidela na forma dos utilizadores interagirem com os jogos, o que também ajuda a explicar esses mais de 150 milhões de DS vendidas, uma fasquia muito elevada para uma portátil, que dificilmente será quebrada.
A GBA foi uma consola excelente no seu tempo, mas ainda hoje reluz particularmente, graças a um impressionante catálogo que ajuda a comprovar porque se tornou num sucesso esmagador. Foi uma pequena grande portátil, capaz de proporcionar um bom nível de entretenimento através de produções até então quase impossíveis numa consola de pequenas dimensões. A Nintendo teve mérito na forma como aproveitou a oportunidade para criar grandes receitas e ao mesmo tempo congregar produções exclusivas dos melhores estúdios japoneses (Konami, Capcom, Sega), jogos que ainda hoje são notáveis exemplos de produções 2D. A Game Boy Micro foi a última evolução da dinastia Game Boy, uma consola simbólica, expoente desse encanto pela Nintendo no fabrico de portáteis e um nome que ficou marcado em várias gerações de jogadores.