Gears of War Remaster - A remaster que faz sentido
Entretenimento é a palavra de ordem.
A 17 de Novembro de 2006, uma equipa da Epic Games liderada por Cliff Bleszinski e Rod Fergusson deram ao mundo aquilo que consideraria uma obra-prima no entretenimento interactivo. Para os que se esquecem que videojogos são produtos para nos divertirmos, Gears of War conquistou o mundo de forma gloriosa. Agora, em 2015, existem rumores e conversas que a série poderá aderir à moda e ser a nova Remaster da Microsoft para a Xbox One, o que eu sinto ser completamente obrigatório. Gears of War faz parte da história desta indústria e apesar de vários erros e problemas, contém muitas lições sobre como criar diversão em formato de videojogo que consegue impressionar e viciar. Numa geração que está a ser marcada por remasterizações, cuja sobre-exposição e marketing mal concebido estão a saturar os consumidores (pudera, vender duas vezes o mesmo jogo e pedir €70 é dose), um pacote com os três jogos principais e quem sabe até Judgment seria simplesmente maravilhoso.
Este third-person shooter com câmara por cima do ombro do personagem (tornada famosa em Resident Evil 4) transportava-nos para Sera, planeta devastado por várias guerras mas que finalmente tombou sem qualquer hipótese de retorno quando os Locust invadiram a superfície. Estes monstros viviam há imensos anos debaixo do solo mas por algum motivo decidiram finalmente invadir o mundo dos homens. Ainda assim, no dia mais negro da humanidade foram os próprios homens que mais dano causaram a si próprios. Recorrendo a armas de destruição em massa, na forma do Hammer of Dawn (feixe de emulsão enviado via satélite), despoletaram explosões que varreram várias cidades de todo o mundo e acabaram por dizimar a população humana.
Estava dado o pontapé de partida para a jornada de Marcus Michael Fenix e do seu Delta Squad. Marcus era dono de um currículo invejável mas quando desobedeceu a uma ordem, para tentar salvar o seu pai Adam Fenix, foi preso e deixado para morrer. Dominic Santiago, seu amigo de infância, não o abandonou. Perante os jogos burocráticos e hipócritas do ser humano que teimam em persistir mesmo quando está a enfrentar a aniquilação, a amizade prevaleceu e a fuga da prisão era o tutorial que serviria para aprendermos as mecânicas base e iniciar o ritmo implacável de confrontos sucessivos. Gears assumiu-se desde logo como um jogo sem tempo para brincadeiras, focado no gameplay simples e directo mas com mecânicas e regras a ter em conta.
Ganhou fama e notoriedade especialmente porque Gears of War assenta em duas bases principais: o sistema de cover que nos obriga a proteger atrás de um ponto para ficarmos abrigados dos tiros dos Locust e dos ataques dos Lambent (todo o tipo de seres vivos infectados pelo principal combustível de Sera), e no cenário de ficção científica militar. O primeiro é um elemento de jogo no qual todo o gameplay está assente e uma das principais características de Gears. O segundo é um dos principais componentes em torno da história (rica em termos de conteúdos e universo mas muito má na forma como é contada nos jogos pela Epic) e tudo o que é orquestrado em termos artísticos e visuais. Sempre que encontramos resistência, procurar pontos de cobertura para lentamente progredir pelo cenário, evitando dano e flanqueando os adversários, é a melhor estratégia em Gears of War.
Um gameplay rápido e veloz, torna-se muito mais divertido graças a controlos precisos e a armas que dão imenso prazer usar. Existe todo o conhecimento na arte de delinear causa e consequência no manusear das armas que nasceu em Unreal Tournament, que brilha aqui graças também aos inimigos e aos seus comportamentos. Nem sempre no seu melhor, mas desenhados para disfarçarem o melhor possível e tornarem os combates dinâmicos e envolventes. A fluidez das animações e movimento rápido dos personagens, os inimigos de maior porte como os Boomers ou as Berserkers, os grandes esquadrões de inimigos, o dano gradual e possibilidade de reerguer camaradas, a possibilidade de "serrar" inimigos ou ainda de aplicar execuções (no original limitadas ao calcar do crânio), tudo isto se tornou em parte da essência de Gears of War e elementos que o definem.
Não me posso esquecer da forma engenhosa como a Epic tornou actos tão básicos como recarregar a arma em elementos preciosos da experiência de jogo. Rapidamente os jogadores ficaram obcecados com o "Active Reload que nos pedia para pressionar no botão respectivo no momento correcto para o carregador ficar com balas que tiravam mais dano. Especialmente importante para os modos competitivos online. Nas suas campanhas, Gears alternava entre a exposição do mundo de jogo e personagens com cenários bélicos pós-apocalípticos que impressionavam. Tudo para dar sempre grande ritmo ao jogador e o manter agarrado. Apesar de muito tempo se passar no online competitivo, os fãs de Gears começavam sempre pela campanha como sinal de respeito.
Visualmente, Gears of War foi em 2006 um estrondo. Desde os modelos dos personagens, os cenários devastados de Sera, os Locusts mais estranhos e os abundantes efeitos que preenchiam o ecrã quando as serras começavam a funcionar, este era um espectáculo de violência brutal e extrema que poderia chocar alguns. Em 2008, a segunda jornada do Delta Squad foi ainda mais espectacular. Quem não se lembra daquela frase de Cliff quando descreveu a sequela como "Bigger, better and more badass"? O "badass" está lá por alguma coisa! Em termos visuais ficamos perante uma nova referência na anterior geração e por alguma coisa o motor de jogo foi altamente utilizado na anterior geração.
Poderia surpreender mas tudo foi melhorado em termos gráficos sobre o original e os saltos qualitativos pareciam enormes. Em 2011 tivemos provavelmente o expoente máximo da série pois além de fechar a história de Marcus e do Delta Squad, Gears of War 3 aumentou a escala dos cenários, melhorou a qualidade dos inimigos e introduziu melhorias gráficas que ainda hoje o deixam na memória dos seus fãs. Fantásticos produtos nas suas respectivas alturas. Acreditando que a Microsoft poderá eventualmente lançar uma Marcus Fenix Trilogy, deixando Judgment para mais tarde, não posso deixar de mencionar o jogo do People Can Fly de Bulletstorm. Em termos visuais poderá ser mesmo o expoente máximo da série.
Claro que quando digo a alguém que passei quase 4 anos a jogar todas as noites Gears of War, tenho que explicar que o modo multi-jogador foi o principal responsável. Apesar de somente na sequela o modo cooperativo ter ganho maior vigor, atingindo logo em Gears of War 3 o seu ponto mais aclamado graças à combinação de um modo Horde melhorado e um competitivo mais ao encontro dos desejos dos dedicados fãs, esta controversa componente da série desde o original que deu cartas. Equipas de quatro travavam lutas entre Locust e Humanos para desfechos de alta violência. Nem sempre tão directos quanto se poderia supor, frequentemente o jogo do gato e do rato acontecia no ecrã e não fosse aquela latência horrível e artimanhas atrozes nas ligações, a comunidade teria suportado mais tempo os produtos.
Frequentes ajustes nas armas, danos e outros parâmetros de jogo, mudavam a perspectiva das comunidades sobre os parâmetros desta componente e recordo que o competitivo de Gears 2 foi abandonado com alguma rapidez. Muitos voltaram ao original que sendo mais simples na altura ainda continuava a ser mais firme e satisfatório. Acreditem que correr atrás de um infeliz com duas serras era para deixar toda a sala a rir. Grandes gargalhadas partilhei com esta série e sinto que naqueles dias tudo era mais divertido e menos focado nas jogadas de marketing e em como os consumidores se tornaram membros dos departamentos de relações públicas sem se aperceberem. Gerou-se uma dedicação autêntica à série e os jogadores sentiam com enorme peso todos os pequenos ajustes e retrocessos dados pela Epic pós-lançamento.
A dança das caçadeiras, as serras a limpar tudo contra latência ou todas as probabilidades, as granadas que se "colavam" às paredes, os visuais sumptuosos, o aprofundar das mecânicas de jogo e estratégia com prós e contras no crescente arsenal, a cada novo Gears era feito muito para que brilhasse. A sua essência sustentou-se muito em Unreal Tournament e a Epic não deixava créditos por mãos alheias. Estabeleceu a sua própria identidade e rapidamente se distinguiu entre a multidão. Gears tornou-se num ponto de encontro, o seu multi-jogador numa referência e a Xbox 360 ganhou uma face na sua personalidade.
Quero ainda deixar mais uma referências às novelas escritas de Karen Traviss, que já havia trabalhado em novelas escritas de franquias como Star Wars, Halo ou G.I. Joe, Estas colmatavam os períodos entre os lançamentos e aprofundavam estas guerras devastadoras. Desde Fenix com 10 anos, passando por Dom e Carlos em Aspho Fields, o aprofundar do passado de Adam Fenix e outras personagens como Mataki apenas davam mais valor ao universo. Especialmente importante pois para muitos Mataki entrou de para-quedas em Gears of War 3, apenas um exemplo da capacidade inacreditável da Epic para lixar um argumento e o deixar a nadar em pontas soltas, enquanto os leitores dos livros a conheciam há já muito tempo. Os livros ajudavam imenso a dar ordem e sentido às coisas. Esqueceram-se foi de avisar que não é opcional mas sim imperativo ler as novelas para desfrutarem em pleno do drama que o universo pretende transmitir.
Olhando para os deliciosos anos passados em torno de Gears of War, altura em que qualquer jogo era secundário e servia para matar o tempo para não estar sempre no mesmo, apenas me consigo lembrar de uma palavra: diversão. Aqueles jogos são mesmo espectaculares e não tinham quaisquer complexos de grandiosidade. Certo que a Epic os usava para demonstrar o poderio das ferramentas Unreal Engine 3 e vender o motor a outras companhias mas todo o aparato visual era usado de forma altamente competente em sintonia com uma criatividade artística jamais vista naquela companhia. O mundo pós-apocalíptico de Sera ainda hoje deixa saudades e este é daqueles jogos que voltar a meter o disco na Xbox 360 não é o mesmo. Precisa de uma comunidade vibrante em seu redor e tem todo o direito e espaço para regressar.
Para o futuro, sabemos que o estreante Black Tusk Studios está a trabalhar num novo jogo na série. Liderado por Rod Fergusson, altamente importante, a série deverá conseguir regressar numa forma que satisfaça os fãs mas ainda assim, aquela concentração de talento e suporte dos fãs com a trilogia original deverá ser muito difícil de igualar. O que torna os três jogos originais ainda mais especiais é saber que foram feitos por uma equipa obcecada em apresentar qualidade e diversão em escala mundial, tendo toda a capacidade para o concretizar. Muitos dos responsáveis por estes produtos não vão trabalhar no novo jogo por isso esperamos que esteja entregue a mãos capazes.