Geração micro transacção
Preparem as vossas carteiras.
Esta semana queria continuar com um artigo de retrospectiva da geração que diz adeus mas achei por bem fazer uma pausa para tocar no assunto do dia: micro transacções. Habituem-se a ouvir o termo porque, a julgar pela primeira vaga de jogos da Xbox One, vamos conviver com ele durante os próximos 7 ou 8 anos.
As micro transacções não são uma novidade da nova geração. Oblivion, um dos primeiros jogos da XBox 360, já as tinha mas após a explosão do mercado mobile têm surgido cada vez mais títulos que recorrem a elas, apesar das muitas críticas que têm levantado.
Pagar pouco para receber algo num jogo é o padrão no mobile ou F2P e a única forma de a editora fazer algum dinheiro quando oferece o seu produto ou disponibiliza-o a um preço tão reduzido que não cobre as despesas.
É um modelo de negócio completamente legítimo: em vez de pagarmos €15, €30 ou €60 por um jogo, pagamos apenas aquilo que precisarmos. Angry Birds é um bom exemplo de como este modelo pode ser implementado. O jogo é grátis(ou muito barato no lançamento) e só pagamos para ter acesso a power-ups que nos facilitam a vida. É provável que a maioria dos jogadores passa a vida sem fazer uma micro transacção no jogo mas existem alguns que o fazem e é aí que a Rovio se vai financiar.
Tekken e Dead or Alive, duas das maiores séries de luta em 3D, também já abraçou este modelo, cobrando cerca de €4 por cada personagem em vez de €60 pelo jogo todo. Também Killer Instinct, um dos títulos de lançamento da Xbox One, adoptou uma via parecida. No entanto, o seu modelo de negócio parece ser demasiado complicado para algum dia o voltarmos a ver noutro jogo.
Todos estes títulos são grátis ou muito baratos por isso a existência de micro transacções não faz confusão alguma. O problema surge quando se levanta a questão:
Quão legítimas são as micro transacções em jogos de €60?
O bom, o mau e o feio
Em média, um jogo que é lançado a €60 custa bem mais a produzir que um mobile(num F2P tal já não é necessariamente verdade) mas o lucro também é bastante superior. Neste tipo de jogo, as micro transacções servem para alargar a vida financeira do jogo muito para além das primeiras semanas após o lançamento(o período em que a esmagadora maioria dos jogos faz mais dinheiro).
Como as coisas não são preto no branco, vou dar um exemplo onde acho que as micro transacções fazem sentido, outro onde as considero completamente despropositadas e um terceiro onde são, simplesmente, ofensivas.
Vamos começar com Grand Theft Auto V.
Este é o video jogo mais caro de sempre($265M) mas também o produto de entretenimento mais rapidamente vendido de sempre($1.000M em apenas 3 dias). O investimento foi rapidamente recuperado mas, graças a micro transacções no modo online, a Rockstar consegue criar uma economia dentro do próprio jogo que lhe estende a vida financeira muito para além do período de lançamento.
O modo online de Grand Theft Auto IV continuou popular no Xbox Live e PSN anos após o lançamento do mesmo por isso não é de estranhar que a Rockstar tenha aproveitado a oportunidade para fazer dinheiro com ele. Acho que, neste tipo de jogo, a existência de micro transacções não só não ofende como faz sentido.
O jogo vai ser jogado por milhares, talvez milhões, de pessoas anos após o lançamento e vai ter updates frequentes e custos de manutenção. As micro transacções permitem que esses custos sejam cobertos enquanto a editora se concentra noutros projectos por isso até as considero bem-vindas.
O revés da medalha, o das micro transacções sem sentido, acontece com Dead Space 3.
Aqui, temos um jogo single player(ou co-op) com objectos virtuais propositadamente bloqueados e apenas acessíveis mediante o pagamento de uma quantia além dos €60 que o consumidor já pagou. Aqui, sou totalmente contra a inclusão de micro transacções.
Sim, bem sei que “só paga quem quer” e que os itens virtuais não afectam muito a experiência de jogo mas acho que €60 é um valor que não precisa de ser complementado com mais uns Euros, por muito poucos que sejam.
A situação mais grave acontece quando a experiência de jogo é pior porque o consumidor não está disposto a pagar mais do que o valor que já deu pelo jogo. Exemplo disso é Final Fantasy XIII-2, um jogo(já de si bastante mau) onde, além dos itens como os que encontramos no DLC de Dead Space 3, partes da história(incluindo o final!) foram deliberadamente deixadas de fora do produto final para depois serem vendidas aos jogadores.
Feitas as contas, além dos €60 que damos pelo jogo, a Square Enix também preparou um “pacote especial” de micro transacções que custam no total €38.85, subindo o preço final do jogo para €98.95. Não preciso de explicar porque é que este modelo de negócio me repulsa visceralmente, pois não?
Se não os podes vencer...
...vota com a tua carteira se te juntares a eles.
O sucesso financeiro das micro transacções vai depender da adesão dos jogadores mas temo que isso não seja suficiente para as afastar completamente dos video jogos domésticos. Esta primeira vaga pode provar que o público hardcore não tem interesse nelas mas cheira-me que tal vai acabar por ser justificado com o facto do mercado ainda ser muito reduzido e não permitir retirar uma amostra real do potencial das micro transacções.
A existirem, os jogos com micro transacções devem cumprir estas regras para não afectarem a experiência daqueles que não querem dar mais do que os €60 que já pagaram pelo jogo:
1- Objectos virtuais que podem ser comprados devem ser igualmente alcançáveis por esforço(mas não demasiado esforço): os mesmos objectos, dentro de um jogo que custou o mesmo a toda a gente, não devem ter uma pay wall só levantada para aqueles com maior poder de compra. Bem sei que este ponto é discutível(tudo na vida é menos acessível àqueles que menos têm) mas se já pagamos tanto por um jogo, não me parece justo que os objectos que o compõem estejam dependentes da elasticidade da nossa carteira. Podem vender-nos um carro novo do Gran Turismo 6 ou Forza 5 por€1 ou fazer-nos correr algumas corridas para o obter. Não vamos tornar esse carro exclusivo de quem quiser abdicar de €1, pode ser?
2- Não colocar numa situação de vantagem quem está disposto a pagar: Isto é especialmente grave em FPSs e jogos de corridas porque o free to play passa rapidamente a pay to win. Se este modelo já arruina boa parte dos F2P que por aí andam(como World of Tanks), imagino os estragos que causaria num jogo que, à partida, já custou algumas dezenas de Euros. Armas novas e carros novos, sim; armas mais fortes ou carros melhores, não. As micro transacções devem ser maioritariamente alterações cosméticas e não formas de dar mais poder a quem tem mais dinheiro. League of Legends e Team Fortress 2 são exemplos paradigmáticos de como este modelo funciona sem estragar o jogo.
3- Não destruir completamente o jogo para o tornar grátis: Se já nos vão obrigar a pagar €60 pelo vosso jogo, por favor não nos obriguem a pagar sempre que disparamos uma bala ou começamos uma corrida. Não comecem a lançar Gran Turismo com apenas 50 carros e bloquear os outros 1150 com uma pay wall. Não lancem Forza com apenas 14 pistas e bloqueiem as restantes(oops, tarde demais para pedir isto). The Sims Social é o exemplo mais claro daquilo que considero um jogo que podia ser bom mas que acaba sendo péssimo por causa de micro transacções.
Praticamente tudo o que fazemos no jogo é taxado com uma micro transacção, incluindo o passar do tempo. Leram bem, o passar do tempo. O jogo é em tempo real, tornando-se, literalmente, numa segunda vida que decorre ao mesmo ritmo da primeira. É grátis mas o tempo que perderam a experimenta-lo até perceberem aquilo que têm nas mãos ninguém vos devolve.