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Ghost in the Shell - Uma homenagem ao original

Animação Japonesa em versão Hollywood.

Em 1989, Masamune Shirow apresentou uma manga que viria a ser adaptada para um filme de animação em 1995 por Mamoru Oshii e certamente estaria longe do seu pensamento que a sua obra se tornaria numa das mais marcantes da animação Japonesa. Ghost in the Shell é o nome dessa animação que arrebentou por completo o cérebro de um adolescente que até aquele momento pensava que a animação era apenas os simples e banais desenhos animados de sábado de manhã da Disney ou da Nickelodeon. Na verdade, Ghost in the Shell despertou em mim uma completa devoção pela cultura Japonesa, suscitando uma intensa febre que resultou na procura de propostas similares. Especialmente séries ou filmes de animação igualmente sérios e profundos, sem medo de arriscar temas filosóficos, existenciais, em que a humanidade é debatida lado a lado com a tecnologia. Ghost in the Shell marcou toda uma geração e é sem qualquer dúvida um dos mais importantes trabalhos da animação Japonesa, figurando como uma referência para uma geração.

Foram precisos mais de 20 anos para Hollywood pegar na obra de Shirow, imortalizada na animação Japonesa por Oshii e glorificada ao som de Kenji Kawaii, mas o certo é que temos finalmente Ghost in the Shell - Agente do Futuro nos cinemas. Rupert Sanders lidera um filme protagonizado pela bela Scarlett Johansson, que de tudo fez para honrar a Major Motoko Kusanagi (até hoje uma das mais memoráveis personagens femininas da animação Japonesa) acima de qualquer controvérsia sobre a sua escolha para interpretar a personagem. A chegada do filme é sem dúvida um momento marcante, a ansiedade para ver como Hollywood tratou esta obra visionária era muita, mas ao mesmo tempo porque permite relembrar o original e perceber o quão vanguardista foi. Uma coisa posso desde já dizer, gostes ou não da adaptação live-action, uma coisa Sanders consegue: relembrar o poder do original

Ghost in the Shell decorre num futuro próximo, em que a tecnologia avançou de tal forma que permite ao ser humano substituir partes do seu corpo por equivalentes cibernéticos. Numa cidade Japonesa pós-Terceira Guerra Mundial, o ambiente pós-cyberpunk transporta-nos para uma sociedade que brilha de esplendor quando temos perspectivas panorâmicas, mas que não consegue esconder a sujidade quando se atreve a descer até às ruas. Neste futuro alternativo em que os humanos pagam para substituir partes do seu corpo e ficarem "melhorados", enquanto alguns substituem o seu fígado para beber até cair, outros substituem braços para trabalhar melhor, pernas para compensar deficiências e outros até conseguem receber corpos completos para albergar o seu cérebro. Este é o caso de Motoko Kusanagi, ou simplesmente Major no caso da versão Live-Action interpretada por Johansson.

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Como seria de esperar num futuro tão controverso em que a tecnologia pode expor tanto o melhor como o pior da humanidade, a normalidade na substituição de membros por componentes cibernéticos, até ligações directas ao cérebro para comunicação mental e instantânea, deixam o ser humano perto de se tornar numa máquina, susceptível a pirataria informática. É precisamente para combater o tipo de crime e terrorismo que pode surgir através da melhoria cibernética que existe a Public Security Section 9, cuja principal figura é a Major e liderada por Aramaki. Nesta versão Live-Action é interpretado pelo sensacional Takeshi Kitano que consegue duas das melhores cenas neste Ghost in the Shell - Agente do Futuro.

No meio de toda a prosperidade, a humanidade não parece escapar à sensação de decadência e um passo em frente nem sempre significa progresso, pelo menos não em pleno ou de forma tão transparente. Este debate filosófico sobre o que nos torna humanos, até que ponto vamos perdendo a nossa humanidade com cada melhoria cibernética e o que significa realmente existir, foram temáticas poderosas do original que estão fielmente retratadas neste live-action. Mesmo no meio das várias cenas de acção exigidas a um blockbuster de Hollywood (as principais vindas directamente do original de 1995 e impossíveis de perder) a sensação de deslocamento da Major é uma constante, tal como a procura por respostas. O mais intrigante deste filme é que se inspira no original e não o segue à letra, o que é interessante mas igualmente perigoso.

Talvez procurando afastar-se de algumas temáticas mais arrojadas ou talvez mais sensíveis segundo os padrões de Hollywood, Rupert Sanders e a sua equipa fizeram de tudo para honrar o original, e nisso merecem aplausos, mas tomaram liberdades criativas no guião que podem facilmente deixar muitos fãs a torcer o nariz. Sem revelar spoilers da história, Sanders combinou as cenas icónicas do filme de 1995 mas moldou o guião para construir uma narrativa mais Hollywood. O próprio passado da Major, a origem de algumas personagens na Section 9, como Batou (interpretado por Pilou Asbæk que não consegue o mesmo carisma do personagem original) e até o próprio Puppet Master, ou melhor dizendo Kuze, foram moldados para uma narrativa que procura cumprir com requisitos esperados da nova audiência para a qual o filme se apresenta.

Muitos dos grandes momentos do filme de Oshii surgem no Live-Action mas num contexto diferente, a sua ordem não é a mesma, e o historial de alguns personagens foi manipulado para construir um argumento com princípio, meio e fim, que precisa de evidenciar o vilão, o pária, o debate filosófico e moral em que Major se transforma, e até toda a postura da Hanka. Adaptada para se enquadrar mais de perto com a forma como Hollywood apresenta as corporações que trabalham em tecnologia bélica. Ghost in the Shell - Agente do Futuro afasta-se da forma mais excêntrica e profunda com que foram feitos os debates filosóficos e os controversos mas pertinentes temas de Shirow, explorados sabiamente por Oshii, trocando a invisível guerra de palavras e ideias por confrontos físicos que procuram entregar com firmeza uma narrativa ao espectador, sem o deixar a divagar.

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Como referido anteriormente, um dos maiores sucessos deste live-action é a forma como nos relembra o quão marcante e espantosamente actual permanece o outrora futurista Ghost in the Shell. É certo que 20 anos depois muitas das tecnologias presentes no filme ainda não existem, mas as principais temáticas são agora mais válidas do que nunca, especialmente na forma como a tecnologia assume um papel crescentemente preponderante na nossa sociedade. No entanto, é na forma como presta homenagem ao trabalho aclamado e premiado dos criadores originais que este Ghost in the Shell - Agente do Futuro mais brilha. Um desses exemplos é a banda sonora, a cargo de Clint Mansell e Lorne Balfe, que respeita o legado incrível de Kenji Kawaii, combinado com o tom sci-fi apropriado, e se forma como uma das mais agradáveis facetas do filme que estreou agora nos cinemas.

Ghost in the Shell - Agente do Futuro não é propriamente uma recriação directa do icónico filme que deslumbrou uma geração de adolescentes e despertou as suas mentes para temáticas profundas e uma arte expressa de formas irreverentes. Na verdade poderia ser melhor descrito como uma interpretação, um remake se preferires, e talvez seja esse o ponto que mais facilmente dividirá as opiniões a seu respeito. Para muitos será uma honrosa homenagem que tomou algumas liberdades, para outros será mais um exemplo de como Hollywood pode comprometer certos trabalhos ao forçar uma adaptação aos seus valores. Quando saí da sala de cinema a minha grande dúvida era apenas e somente essa, "será que as adaptações à lá Hollywood eram necessárias"?

Para as audiências que não conhece o filme original, talvez faça todo o sentido. Aproxima o filme dos padrões que Hollywood exige dos seus blockbusters e talvez se tenha tornado mais politicamente correcto. Os momentos mais marcantes da obra de 1995 estão aqui mas moldados e adaptados para uma narrativa que tomou algumas liberdades que podem não cair bem perante os mais fervorosos adeptos de Ghost in the Shell. De qualquer das formas, Rupert Sanders conseguiu um bom filme, protagonizado por uma Scarlett Johansson que dá o seu melhor e mostra que um filme a solo da Black Widow tem todas as condições para acontecer. O mais importante é que uma nova geração e ainda mais pessoas vão ficar com uma ideia do esplendoroso Ghost in the Shell que transformou toda a minha forma de consumir entretenimento.

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