Ghost of Tsushima é poesia visual e uma aula sobre imersão
Minimalista e inspirador.
Pela altura em que estiveres a ler isto, Ghost of Tsushima da Sucker Punch já chegou às lojas, mas quando iniciei este texto, motivado pelo constante estado de maravilha no qual me dou imerso, ainda estou a jogá-lo e a terminar a sua análise. Apesar de já ter terminado a história principal, ainda continuo a lutar para libertar Tsushima e há algo de apaixonante neste jogo do qual te quero falar. A paixão pelos samurais e o desejo de obter um épico de acção e aventura em mundo aberto foi finalmente satisfeito, mas de uma forma e expressão que jamais me atreveria a imaginar, com uma metodologia que realmente evidencia a enorme paixão que esta equipa sente pela mesma temática que tanto adoro.
Isto para dizer que jogar Ghost of Tsushima é realmente uma experiência na qual estarás constantemente apaixonado pelos cenários que surgem à tua frente, especialmente porque a equipa trabalhou com especialistas em diversos campos. Isto permitiu-lhes almejar algo maior, algo mais poético, algo influenciado por mestres do cinema, como Akira Kurosawa, o que por sua vez permitiu a Ghost of Tsushima adoptar a forma e uma espécie de poesia visual interactiva. Poderá parecer exagerado dizer isto, mas raramente senti por um jogo o encanto que senti ao desfrutar dos visuais deste jogo. Ghost of Tsushima é verdadeiramente uma aula, não apenas sobre imersão, mas como o equilíbrio comanda a vida.
Ghost of Tsushima é ainda a prova que a estética visual não se resume apenas a impressionantes texturas, existe todo um envelope artístico através do qual este envolvente mundo feudal é entregue. A Sucker Punch consegue este efeito, que acredito estará já a surpreender muitos, através do sistema dinâmico de clima e hora do dia, mas também com o glorioso sistema de iluminação e, talvez mais importante que tudo o resto, através da sua filosofia minimalista.
"A iluminação transforma de formas inspiradoras o mundo que te rodeia."
Recentemente, diversos jogos de grande gabarito mostraram a importância de remover alguns dos traços que evidencia esse projecto como videojogo, de forma a aumentar a imersão. Seja através da remoção de ruído visual, como indicadores de objectivos ou um HUD intrusivo, actualmente os estúdios esforçam-se para criar HUDs dinâmicos e interfaces que cumpram um propósito acima dos outros. Esse propósito, acredito eu, é engrandecer o envolvimento cinematográfico e consequentemente, aumentar a imersão para um patamar que de outra forma não seria possível.
Parece fácil pensar que basta retirar elementos à interface e está feito, mas não imagino que seja assim tão fácil. Pelo contrário, na minha conversa com Brian Fleming, produtor na Sucker Punch, ficou evidente que a equipa passou anos a tentar encontrar o ponto perfeito entre preservar a ambição minimalista com a entrega de informação necessária ao jogador. A meu ver, isto é uma arte e além do factor dinâmico do HUD, exige uma cuidadosa reflexão sobre o que é importante mostrar ao jogador e quando. Mais ainda, é preciso pensar nisto de uma forma estrutural pois o jogo está constantemente a ensinar-te as suas mecânicas e pistas visuais para que se torne fluído absorvê-las e interpretá-las.
Existem jogos cuja interface tolerei, outras foram indiferentes e uma ou outra que considerei inteligentes. Pelo outro lado, existem jogos cuja imersão foi totalmente arruinada por uma má interface e um HUD intrusivo. A interface minimalista em Ghost of Tsushima não é um capricho, é um componente fundamental de uma experiência em mundo aberto que quer, por um lado, surpreender-te com um tom cinematográfico e épico, mas pelo outro deseja fazê-lo de forma o mais natural possível.
"Existem imensas cenas carregadas de intensidade cinematográfica."
Assim que começas a jogar Ghost of Tsushima, passarás cerca de uma hora na intro, uma sucessão de eventos pré-definidos através dos quais aprendes o básico do jogo. Após a primeira hora, a Sucker Punch deixa-te ir para qualquer lugar da metade inferior da ilha de Tsushima, sem qualquer restrição. Não és obrigado a realizar missões de história ou opcionais, tens toda a liberdade para ir para onde quiseres. Podes abrir o mapa e escolher 1 de 3 ícones visíveis, mas podes simplesmente seguir para qualquer lugar. Sem restrições.
Ao escolher um local no mapa, sais do menu e continuas sem qualquer indicador da direcção. Aqui, terás de deslizar o dedo para cima no painel táctil do Dualshock 4 para invocar uma rajada de evento. O vento soprará na direcção do objectivo e até as flores ou árvores oscilam nessa direcção. Desta forma incrivelmente dinâmica, que passados minutos se torna intuitiva, darás por ti a contemplar todo o ecrã, sem a necessidade de de focar o olhar numa parte específica da imagem para te guiares, sem setas ou indicadores exteriores ao mundo de jogo. Poderá parecer banal, mas não é e a verdade é que muitos jogos revelam dificuldades em gerir o HUD como veículo de informação e o quão intrusivo pode ser para a imersão.
Esta refrescante abordagem é simplesmente fascinante pois de forma progressiva e natural, comecei a invocar o vento e a olhar para todo o ecrã. Dei por mim a pensar que, por mais bem que sejam implementados os HUDs dinâmicos noutros jogos, nunca tinha visto algo tão natural. Existem jogos que permitem minimizar o HUD e os indicadores, mas apresentam-no como opção, enquanto Ghost of Tsushima apresenta-o como parte da sua filosofia de design.
"Em alguns momentos, Tushima mais parece um belo quadro, do qual não consegues tirar os olhos."
Ghost of Tsushima relembra-te do valor de explorar visualmente os cenários a todo o tempo, de te colocar no mundo de jogo e fazer a sua parte para que não saias de lá. A abordagem minimalista faz com que te atrevas a explorar a ilha com os teus próprios olhos, ajudando Jin Sakai a descobrir novos pontos de interesse e a criares a tua própria jornada. Relembrando o que a Nintendo decidiu fazer com The Legend of Zelda: Breath of the Wild, a Sucker Punch esforçou-se para tornar tudo mais dinâmico, mais orgânico, mais natural da forma como o jogador flui de um ponto para o outro. Ensina-te a estar mais atento ao que te rodeia e a recompensa é um esplendor visual.
Acredito que a grande maioria dos que já estão a jogar Ghost of Tsushima, estão já perdidos no constante dilema de 'deixo seguir a acção ou paro para activar o modo foto?' Existem imensos momentos em que me tornei numa espécie de realizar de cinema samurai, a movimentar a câmara a meio de um duelo a tentar perceber se a cena seria digna de registo. O sistema de clima, hora do dia e a iluminação cumprem um trabalho espectacular para aumentar a sensação de imersão que a interface minimalista evidencia. A dada altura, podes estar a cavalgar por um campo de flores ao por do sol e quando dás por ti, estás a escalar umas rochas à noite, pronto para entrar numas termas. De igual forma, quando percebes que o dia está quase a nascer, rodas a câmara constantemente à procura da forma como os primeiros raios criam um espectáculo de luz e sombra.
Em Ghost of Tsushima, dou por mim entusiasmado à procura daquele momento perfeito em que a luz torna uma paisagem mais deslumbrante e quero capturá-lo. Isto é resultado de imenso esforço da equipa e acredita que se tornará numa das principais facetas porque o jogo te ensina, desde os primeiros minutos, a olhar para todo o ecrã e não apenas para o que o HUD te diz. Além disso, é uma espécie de jogo ainda maior para os fãs de Onimusha, que desde a PS2 sonham com um novo jogo de tamanho envolvimento cinematográfico.
Tal como eu, já deves ter dado por ti a sentir que, passadas algumas horas, estavas a jogar o HUD de um jogo de acção em mundo aberto e não o jogo em si. Não estavas a assimilar nada dos cenários ou das belas paisagens, estavas apenas a olhar para as setas no chão ou para o mapa. Poderá parecer trivial, mas senti que está a ser arrebatador e um dos maiores trunfos em Ghost of Tsushima.
Além disso, esta homenagem ao cinema samurai significa constantes duelos e todos eles parecem ter sido planeados com um enquadramento digno de uma película. Existem imensos duelos que vão muito além do aço a embater no aço, são manifestações físicas dos dilemas filosóficos em que o percurso de cada uma das personagens as colocou. Combater um temível adversário num campo de flores ao por do sol significa muito mais do que um deslumbrante e cativante jogo de cores, é uma forma de incentivar-te a acreditar que estás a jogar cenas como as que viste nos filmes samurai.
"Frequentemente, cenas violentas e tensas conquistam um tom diferente devido ao enquadramento visual."
Cavalgar em direcção ao horizonte, como sol poente à nossa frente, sempre obcecado em não perder uma possível memória é apenas um exemplo do que me está a acontecer neste meu percurso por Tsushima. Tudo isto graças à interface minimalista e esse desejo de mergulhar-te no jogo sem incómodos exteriores e que até à data eram considerados essenciais num videojogo.
Tenho ainda de referir um fascinante desenrolar que me aconteceu. Se inicialmente olhava para os cenários porque a experiência assim o incentiva com naturalidade assinalável, dou agora por mim a procurar de forma orgânica pistas nas florestas ou vales de Tsushima. A qualquer momento, poderei passar por um pássaro que chilreia para que eu saiba que está ali, para me levar a um local de interesse. Também poderei avistar uma raposa e sei de imediato que é um ponto de interesse. Além disso, avistei lá ao longe uma coluna de fumo e sei que algo me aguarda nesse local. Tudo isto acontece porque, mais uma vez o digo, os meus olhos estão a explorar o cenário e a ver o jogo, não o HUD.
"Cavalgar com um samurai em direcção ao sol poente, um sonho para qualquer fã de Onimusha desde os tempos da PS2."
Ao eliminar, com toda esta naturalidade diga-se, a necessidade de um HUD e ao apostar num tom minimalista, não como alternativa, mas sim como parte dos alicerces sobre os quais Ghost of Tsushima é construído, a Sucker Punch deu-me uma experiência memorável. É o que considero até como uma série de lições sobre imersão e envolvimento com o mundo de jogo. A forma como descobres momentos poéticos prontos para serem capturados com o modo foto é apenas uma das formas através das quais dou por mim apaixonado por este jogo.
Para terminar, já me alonguei demasiado, deixo ainda uma foto sobre um elemento que também me surpreendeu, o efeito visual na progressão das armaduras. É um elemento ínfimo ao qual muitos poderão nem prestar valor, mas ao contrário da grande maioria dos jogos, em Ghost of Tsushima as tuas armaduras transformam-se visualmente quando sobes o seu nível. É mais um pequeno detalhe e mais uma forma de honrar os samurais e mais uma peça deste puzzle em forma de poesia visual interactiva.