Gran Turismo: das pistas virtuais para a sala de cinema
Argumento cinematográfico de primeira linha.
A tecnologia dita um papel central na evolução e materialização de determinados conceitos, ao ponto de proporcionar a cada avanço tecnológico uma série de melhorias que assentam nas bases do passado e abrem novas fronteiras em busca de resultados mais eficientes. É assim desde os primeiros tempos da indústria dos videojogos. Os primeiros jogos de automóveis, sejam eles de monolugares desportivos ou de viaturas de estrada de uso quotidiano, apresentam uma composição elementar e menos apetrechada, fruto da tecnologia de então.
Tanto para as consolas como para os sistemas arcade, os jogos passaram pela evolução do 2D para o 3D. Yu Suzuki é um dos criadores pioneiros da competição automóvel em 3D, com Virtua Racing em destaque. Os departamentos de produção da Sega para as arcadas alargaram as fronteiras, trazendo as corridas de Daytona e os troços inspirados no mundial de ralis em Sega Rally, com os emblemáticos Toyota Celica e Lancia Delta.
É num tempo de acelerado desenvolvimento dos jogos de corridas em 3D, sobretudo nas arcades, que a Sony PlayStation leva até casa dos jogadores as primeiras e importantes produções em 3D. Estreia uma versão doméstica bastante competente de Ridge Racer e fomenta as corridas à margem da lei em Need For Speed, um título apimentado ao gosto da audiência ocidental, no qual construtoras consagradas como a Ferrari marcam a presença em carros de luxo.
Gran Turismo, um novo pilar entre os colossos arcade
Prevalecendo os jogos de corridas 3D arcade, com os seus gráficos fabulosos, altamente coloridos, numa cadência de fotogramas vertiginosa, há todavia uma persistente luta conta o crono. Mete-se uma moeda para experimentar mais uma pista ou um circuito diferente de um punhado deles, alinhados pelo grau de dificuldade. É um tempo marcado pelo domínio e prevalência dos jogos de corridas arcade, para mais com um volante e pedais à disposição diante de um generoso ecrã.
Em 1997, a Sony quer alterar o prisma das corridas virtuais e lança Gran Turismo, uma produção da Polyphony Digital. O jogo demarca-se dos jogos de corrida assentes em “time trials”. Existem licenças cuja aquisição é indispensável à prática das corridas, enquanto que estas decorrem em circuito fechado numa competição contra vários adversários controlados pela inteligência artificial. Existe uma grande variedade de carros, desde utilitários, passando pelos desportivos e veículos de competição. Há uma particular incidência em marcas japonesas. Os circuitos, maioritariamente originais, proporcionam um desafio de condução muito consistente. Ainda na PlayStation é lançado Gran Turismo 2, uma evolução e consolidação do original.
A criação da academia de Gran Turismo
Para a PlayStation 2, Gran Turismo 3 começa a impressionar pelos “trailers”. Depois de chegar às lojas cimenta uma posição difícil de igualar por muitos dos competidores que tentam uma experiência similar. Sega GT, por exemplo, não passou dessa ambição. Com o passar dos anos e trabalhando em consolas mais evoluídas, a Polyphony Digital é sobretudo uma produtora dotada dos meios e recursos necessários ao desenvolvimento da série, ao ponto de a tornar emblemática e praticamente sinónimo de consola PlayStation. Gran Turismo é mais e melhor em Gran Turismo 4, que sucede a uma entusiasmante versão Prologue. O novo hardware PS3 permite gráficos ainda mais fabulosos e realistas, acompanhados por uma sensação de condução próxima da simulação. Gran Turismo 5 e 6 reproduzem ambientes originais e outros mais próximos da verdadeira competição desportiva.
Em 2008 arranca o inovador programa GT Academy, com o qual os jogadores virtuais podem almejar uma posição de piloto real, numa competição de resistência, com passagem pelas míticas 24 horas de Le Mans. O programa permanece em actividade até 2016, ano da publicação de Gran Turismo Sport e da entrada da série nos e-Sports. Em quase dez anos o programa deu a possibilidade de pilotar carros verdadeiros, em ambiente de competição com profissionais, a jovens que começaram por jogar Gran Turismo. A expressão máxima dessa evolução será exibida nas salas de cinema com o filme Gran Turismo, com argumento inspirado na proeza do britânico Jann Mardenbourough, que se sagrou vencedor da edição 2011 de GT Academy. Mas também podia ser o argumento de Miguel Faísca, que dois anos depois levou a bandeira de Portugal ao lugar mais alto da competição. O sonho de competição real de muitos jogadores tornou-se possível graças a esse programa. O filme dará uma perspectiva insider e muito fiel do que é passar a conduzir carros reais em ambiente de competição.
Gran Turismo como o simulador, a escola de aprendizagem
O sucesso em qualquer actividade, seja enquanto piloto ou alfaiate, está na aquisição de experiência, na obtenção de bases que permitem construir mais estruturas de desenvolvimento. Sem uma boa base não se consegue uma boa casa. Num evento em Paris, na casa da cultura japonesa, Kazunori Yamauchi, o criador da série Gran Turismo, referiu que quando Gran Turismo nasceu, a equipa atribuiu o nome de código “Sim Racing” à sua produção. “Foi por volta de 1992, e era apenas um pequeno projecto no papel. Durante dois anos trabalhei neste projecto, e foi em 1994 que cheguei ao nome Gran Turismo.”
Aos 55 anos, este produtor japonês nascido em Chiba, Japão, para além das funções de director da série Gran Turismo, é também um condutor profissional, tendo passado entre 2010 e 2016 pelas 24 horas de Nurburgring, famosa prova de resistência. Na prova conduziu três carros, com destaque para o Nissan GT-R e o BMW M6 GT3. Chefiando uma Polyphony Digital tão empenhada em absorver a cultura automóvel e proporcionar uma condução capaz de simular vários carros, é normal que muitos dos conhecimentos obtidos em pista se traduzam num ganho no simulador. Gran Turismo nasceu dessa capacidade de encontrar a melhor afinação do carro para a pista, pintar o veículo, equipá-lo com melhor equipamento através de kits de performance, entre outros aspectos que poucos jogos desenvolviam.
Além disso, Gran Turismo começou por promover boas sensações de condução. Não só um jogo desafiante nas lutas contra os rivais controlados pelo computador. Boa sensação de velocidade e bom tratamento visual são alguns dos destaques. A evolução da série trouxe mais melhorias, tanto na simulação e condução dos veículos, como no reforço dos visuais realistas e de ambientes propícios, com diferentes condições climatéricas e corridas noturnas. Kazunori Yamauchi é figura central na criação de uma das referências virtuais da cultura automóvel, consolidada enquanto experiência capaz de gerar passos de crescimento entre os jogadores. Descrever trajectórias, acertar no apex da curva, manter bons tempos por longos períodos, saber afinar um carro, são algumas coisas que se podem aprender nas pistas virtuais e usar na realiadde. A condução na pista é mais dura, sem mínima margem para erro. Os pilotos levados às finais de GT Academy foram postos à prova nas condições mais exigentes e postos a competir diante de pilotos profissionais. Tudo para um bom argumento cinematográfico.
Gran Turismo 7, lançado o ano passado em simultâneo nas consolas PlayStation 4 e PlayStation 5 é o pináculo de anos de esforço na série pela Polyphony Digital. 25 anos depois do título original, a sétima edição é um autêntico tributo da cultura automóvel, a partilha de uma paixão comum entre jogadores e criadores. É também o reflexo da visão do criador, ao reforçar a componente de simulação através de procedimentos de aceleração e travagem eficazes, tanto ao comando como ao volante. E mesmo com a sofisticada condução, cheia de parâmetros personalizáveis e uma série de opções que percorrem pontos altos do desporto automóvel, como um autêntico compêndio virtual, permanece acessível e desafiante.
Nos Cinemas a 10 de agosto
A chegada ao cinema do filme Gran Turismo é um passo natural da medição entre filmes e jogos, levando à sétima arte um nome que também ganhou crédito pela representação e captação cinematográfica. Os carros de Gran Turismo são recreados ao mais ínfimo detalhe, nas cores e nos interiores ao mais pequeno pormenor. Mas Gran Turismo é feito também dessas histórias de sonho, de jogadores que aceitaram o desafio e deram o salto do sofá para a backet de condução, largaram o comando quando começaram a pisar o acelerador a fundo de um Nissan GT-R GT3. Pegando na história de Jann Mardenbourough, vencedor da GT Academy europeia de 2011, o filme aborda essa evolução, das corridas em consola até às provas a sério, nas quais o mínimo erro é fatal. Adivinha-se por isso um dos momentos cinematográficos do ano, a justificar uma incursão às salas de cinema.