Grid Legends Review - À procura da glória
O drama da competição automóvel.
Os últimos tempos foram pródigos em jogos dedicados ao automóvel e à sua condução dentro ou fora de pistas. Entre produções de dimensão arcade e outras orientadas para a simulação, não faltam opções para os fãs das quatro rodas. Em 2021 as comunidades rejubilaram com um novo Forza Horizon, já na quinta edição, ao mesmo tempo que se preparavam para receber, no inverno, Gran Turismo 7, Assetto Corsa Competizione (na versão consolas PS5 e Xbox Series S/X) e Grid Legends, a derradeira evolução da série Grid pela mão da veterana Codemasters.
Embora englobando uma vasta gama de competições e provas do desporto automóvel, Grid Legends gravita sobretudo no campo da experiência arcade, na qual o espectáculo, as velocidades estonteantes, os embates, as chapas amolgadas e os danos se perfilam como obstáculos para quem pretenda cruzar a bandeira de xadrez, importunado no primeiro lugar. Valendo-se de um grande historial, dos primeiros jogos da série TOCA (os carros de turismo britânicos), Grid penetrou no género arcade e agora, em Legends, promove uma narrativa (Drive to Glory), com personagens reais, na evolução de um piloto e dos seus rivais, ao longo de dezenas e dezenas de provas. É claramente o efeito da entrada para o patamar da Electronic Arts a vingar. Embora estejamos diante de um jogo de condução cuidado e bem conseguido, dentro daquilo a que a Codemasters nos habituou, é no enquadramento narrativo e nessa cavalgada cinematográfica, que a experiência tende a afrouxar.
Por esse prisma não é um jogo tão surpreendente, ainda que o pretenda. Uma coisa é ter um campeonato de Fórmula 1 como o da temporada passada, que culminou com aquela última volta fulminante entre dois fenomenais pilotos. Mas aqui estamos perante um quadro de personagens que conhecemos, com o factor aliciente, porque ao longo daquela corrida muitos resultados eram possíveis. Veremos de que forma a Codemasters tirará proveito disso na próxima edição de F1, mas em Legends são os clichés que abundam, é a ausência de muitas licenças e equipas oficiais que torna o factor mais humano e menos conhecido. Porém, quando a exposição ao cliché comanda a experiência, as corridas transformam-se apenas num pretexto para a próxima cena cinematográfica, ainda que o "documentário" esteja bem apresentado.
Um "racer" multidisciplinar e cinematográfico
Em menos de um ano, Grid Legends é o terceiro jogo da Codemasters, depois de F1 2021 e Dirt 5, em 2021. Bem sei que são experiências diferentes, mas o que poderia ser tempo dedicado a melhor desenvolver cada um dos jogos, ou reforçá-los para o futuro, transforma-se em fase de desenvolvimento de um outro, e no final o que sobra é a sensação de que algo mais poderia ter-se melhorado, ou acrescentado. Não estou de forma alguma a dizer que Grid Legends é um jogo aquém do que a Codemasters nos habituou. Muito pode ser aqui aproveitado por qualquer fã, que de imediato será recompensado por um bom desafio e "feedback" ao volante.
Para começar, Grid Legends destaca-se pela grande variedade de provas e competições. Dos turismos, aos fórmulas, passando por veículos destapados e cobertos - camiões incluídos - é numerosa a lista. Isto é agradável, mas ao mesmo tempo deixa-nos perante a facilidade de transição, a nota tónica do registo arcade. Aliviado o peso da repetição, permite que possamos passar para outras provas e conhecer corridas mundiais em profundidade, com diferentes contornos e umas mais interessantes do que outras. De realçar que o conteúdo é significativo, não apenas nas provas e carros disponíveis, assim como nas localizações, com destaque para Londres, Dubai, Moscovo e a estrada alpina.
Mas a principal novidade é a introdução de uma narrativa através de uma série de episódios ao longo das 36 provas que compõem a primeira temporada, na qual vemos a nossa personagem chegar e vencer, depois de um aceso confronto com vários rivais. A Codemasters optou por gravações realistas, com personagens de carne e osso, ao estilo documentário, algo profissional e com nomes das séries e do cinema. Num tempo de sucesso de Drive to Survive, os efeitos depressa chegam à indústria dos videojogos. Há esmero e desenvolvimento nesta produção cinematográfica. Os ângulos são bons, ocorrem entrevistas e os típicos "chega para lá", mas depressa revelam o lado mais cliché destas abordagens, por vezes sem uma directa correspondência com os resultados, como seja vencendo sucessivas corridas, ao mesmo tempo que a equipa do nosso piloto permanece mergulhada em dificuldades. É como um guião que se desenrola qualquer que seja o resultado.
A parte melhor da temporada inaugural é que nos leva a participar em diferentes provas. Há uma grande variedade de viaturas e circuitos. Desde pistas reais a citadinas, ao bom estilo de Grid. Confesso que os carros de turismo são alguns dos quais sinto mais prazer na condução, dada a sua extrema capacidade de aceleração e travagem, o que permite passar por curvas médias e rápidas a grande velocidade. Depois há as categorias norte-americanas, com os "muscle cars" e os todo-o-terreno, óptimos para conduções mais agressivas. Os mais estonteantes são os monolugares, com os F1 à cabeça
A segunda engrenagem na narrativa e uma experiência mais visceral
Percorrida a primeira fase do modo história, na qual vamos conhecendo os nossos rivais através de uma competição acesa em pista, reveladora de uma inteligência artificial capaz de mexer com as nossas emoções - deliberadamente -, chegamos à segunda parte da campanha, que nos leva por um périplo através de provas integradas em diferentes categorias, um pouco à semelhança de Grid. É nessa longa viagem que iremos aceder a diferentes e múltiplos veículos presentes no jogo, bem como passar por cidades emblemáticas, nomeadamente Paris, Chicago, Londres e Moscovo, as duas últimas como novidades e as outras reformuladas. A evolução dentro do jogo opera através de um especial sistema de pontos chamado "racecraft", que se adquire com base nas trajectórias, manobras limpas, travagens sem colisões, aproximações, cones de ar, etc. Estão assinalados e a obtenção destes pontos é imprescindível para subir de nível e enfrentar os rivais. Por outro lado, o sistema de créditos permanece implementado e até mesmo as conduções mais agressivas perante o rival são recompensadas. Os créditos permitem a aquisição de melhores veículos e com os quais podem participar em mais provas.
Quem apreciou a experiência de condução em Grid é normal que volte a encontrar empatia com grande parte dos carros de Legends. Bastante longe da simulação, não deixa no entanto de proporcionar boas sensações de velocidade. Mas é na física e na abordagem às curvas, em média ou muita aceleração, que sentimos o pulsar das máquinas, seja em pista tradicional ou no formato citadino onde a margem de erro é menor. A quantidade de carros presentes é significativa. Os turismos continuam a dominar, especialmente nas versões desportivas e de corrida, mas quando comparado com outros jogos de condução, deixa a desejar, até porque muitos carros regressam de Grid. A variante da Formula E constitui uma adição interessante, especialmente pelas magníficas acelerações, enquanto que os eventos dos Monster Trucks nos estádios são um desafio à condução em pistas apertadas.
Há um misto de desapontamento e fascínio nos automóveis presentes. Se a grande maioria proporciona divertimento e uma sensação desafiante ao tentar sacar o melhor tempo em pista, nem todos se prestam ao mesmo desiderato, pelo que algumas provas imprescindíveis à progressão da carreira são cumpridas por necessidade. As provas também tendem a divergir em termos de ambientes. Muitas corridas em circuitos tradicionais parecem mais despidas, se pensarmos em circuitos meticulosos como Sepang. A sensação que tenho é que os circuitos citadinos oferecem mais irregularidade no asfalto e aquele efeito das curvas em apoio, com mais ambiente e um preenchimento cénico polvilhado de referências, tornam a condução mais desafiante.
Não obstante e apesar do bom compromisso entre desafio, colorido pelas luzes das cidades e ambiente denso, Legends ainda é um jogo muito próximo dessa experiência de 2019. Transporta grande parte do seu ADN e em muitos aspectos é um jogo que vem limar arestas, embora sem ofuscar, sobretudo quando posto em comparação com outros competidores, nomeadamente Forza Horizon 5 e Gran Turismo 7. Na prática parece brotar dessa experiência pretérita. As ligações umbilicais são fortes e só o modo história, no seu molde cinematográfico, de actores reais e direcção do tipo documentário, se oferece como relevante diferencial. Mas nem essa produção mais cuidada se afasta dos clichés e algumas incoerências face aos resultados.
Diria que a Codemasters acaba a capitalizar Grid e a reformular esse mesmo jogo que funcionou como um recomeço. Grid Legends podia bem operar enquanto expansão que daí não resultaria grande onda de choque, ainda que seja um jogo com bastante conteúdo e por isso acabe a justificar a sua autonomia e destaque no legado da série. Legado esse que volta a espraiar no formato arcade, no qual as corridas são mais espectaculares, disputadas ao palmo, roda a roda, e a seriedade da simulação é destituída e atirada para trás das costas, seja no modo história ou através do tradicional modo carreira.
Prós: | Contras: |
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