GTA 6: Entre a revolução e a desilusão
Será possível superar as elevadas expectativas?
Não gostaria de estar no papel da Rockstar Games. A companhia tem uma das histórias de maior sucesso na história dos videojogos graças à ascenção e sucesso explosivo de Grand Theft Auto, mas está numa encruzilhada com o próximo jogo: ou Grand Theft Auto 6 é uma revolução ou é uma desilusão.
Não sou adepto de extremismos, o problema é que para GTA ser um bom jogo não basta. As expectativas não podiam estar mais altas e só vão continuar a aumentar nos próximos tempos, à medida que o período de desenvolvimento se prolongar.
Desde o lançamento do primeiro jogo - Grand Theft Auto em 1997 - que nunca houve um intervalo tão grande entre novos jogos. Só para contextualizar: as versões originais de GTA 5 foram lançadas a 17 de Setembro de 2013. No próximo ano, vamos atingir um intervalo de 10 anos sem um novo GTA. Pela primeira vez na história da série, passámos uma geração inteira de consolas sem um novo jogo.
A Rockstar Games não esteve parada durante este tempo. Alimentou (e bem, diga-se) GTA Online com novos conteúdos e ainda hoje tem uma população considerável de jogadores, lançou novas versões de GTA 5 para PC e consolas de próxima geração, e deu-nos Red Dead Redemption 2. No entanto, como todos sabemos, os videojogos são um meio que regista consideráveis evoluções em curtos espaços de tempo. Quanto mais tempo a Rockstar Games demora, mais tem que correr atrás do prejuízo.
Para um jogo da envergadura de GTA é difícil projectar algo para ser actual. A actualidade move-se hoje com tremenda agilidade. O fluxo de informação é ininterrupto, as tendências nascem e morrem como borboletas, a vida das redes sociais quase substituiu a realidade, e tudo parece trivial. Como se as dificuldades socioculturais de contextualizar um GTA para a actualidade não fossem suficientes, existe ainda a questão da saturação do seu género.
GTA continua a ser a referência para jogos em mundo aberto. Quando GTA III foi lançado, a dimensão e detalhe do seu mundo 3D foi suficiente para ser uma revolução. Hoje já não basta. Os jogos em mundo aberto tornaram-se banais. Enquanto "líder", não se espera menos de GTA 6 do que uma revolução para o género.
As primeiras informações que nos chegam através de rumores trazem bons presságios. O novo jogo terá a maior quantidade de locais interiores na série, o que é preferível à táctica habitual de simplesmente aumentar o tamanho do mapa sem prestar atenção aos pormenores e à imersão. Mas isto por si só não bastará para ser uma revolução, é preciso mais... muito mais.
A nova Vice City terá que ser dinâmica e viva
Uma das informações dos rumores mais recentes é que GTA 6 decorre numa cidade inspirada em Miami, ou seja, provavelmente regressaremos a Vice City. A nova versão da cidade não terá que ser apenas realista e mais impressionante, a Rockstar Games tem que a tornar dinâmica e viva, ao ponto que faça os jogadores sentir que as suas acções têm impacto na vida da cidade.
Há múltiplas formas possíveis de alcançar este resultado. A Rockstar tem que olhar para as raízes da série e também ir buscar a inspiração a outros géneros. O sistema de respeito de San Andreas pode ser transformado em algo mais substancial, fazendo com que as pessoas de Vice City nos temam com base nas nossas acções e reputação. De igual modo, seria bem-vindo um sistema para subornar polícias, políticos e outros agentes governamentais.
Para mim, a série GTA está assente em dois pilares fundamentais: o primeiro é a grande liberdade que sempre deu aos jogadores; o segundo é a sua representação sem filtros do mundo criminoso. Para se superar, GTA 6 tem turbinar estes dois motores que funcionam em sintonia. É necessária mais liberdade e novas formas de cometer actos criminosos.
Roubar carros já não basta
Quando conheci a saga Grand Theft Auto (por volta da altura em que o GTA 3 estava para ser lançado), o epítome da saga é que podias roubar qualquer carro no meio da rua, desatar aos tiros e assassinar brutalmente os peões, apitar no carro para chamar prostitutas para fazer sexo com elas (ainda que as animações não correspondessem). Era o sonho rebelde de qualquer adolescente daquela época.
Cerca de 20 anos mais tarde, creio que chegou o momento para uma melhor representação do mundo criminoso. Não é que as coisas acima descritas não aconteçam no mundo do crime... enquanto fã de longa data quero poder ir mais além. Não quero apenas chamar uma prostituta (ou prostituto, já agora), quero ter liberdade de abrir um bordel ou gerir um negócio nessa área. Não quero só comprar armas, quero tornar-me no traficante de armas.
Algumas destas possibilidades já existem actualmente em GTA Online (o DLC Gunrunning introduziu o tráfico de armas, entre outras coisas), e apesar do excelente suporte que a Rockstar deu (e continua a dar) ao jogo, sinto que a implementação tem sido plana. Há potencial para criar várias camadas de profundidade e acho que é isso que os jogadores querem. Basta olhar para a ascensão dos servidores de RolePlay, com as suas próprias regras e mecânicas.
Independentemente do resto, terá que haver uma narrativa forte
GTA V tentou distinguir-se dos restantes jogos ao introduzir três protagonistas jogáveis, com uma mecânica que permitia aos jogadores trocar a qualquer momento para uma delas. Na prática, foi uma ideia que não resultou muito bem. Nenhuma das personagens conseguiu destacar-se e a dinâmica entre elas era estranha.
Mas o pior problema foi a falta de direcção da narrativa. Qualquer outro GTA (pelo menos, desde GTA 3) tem uma história e personagens mais apelativas. À primeira vista, a dinâmica estilo Bonnie e Clyde de GTA 6 parece ser mais interessante. É uma personagem a menos do que GTA V, sobrando espaço para que cada uma se consiga destacar melhor.
Resta agora saber se a Rockstar Games consegue entregar tudo isto num jogo. Em termos de recursos, se há estúdio que tem capacidade financeira para arriscar e fazer coisas megalomanas é este mesmo. Quase 10 anos depois do lançamento, GTA V continua a gerar mais dinheiro do que a maioria dos novos lançamentos. Não há desculpas para não entregar o jogo em mundo aberto mais ambicioso e revolucionário de sempre.