Hironobu Sakaguchi o "roleplaying man"
De Final Fantasy a The Last Story.
Hironobu Sakaguchi contribuiu decisivamente para o crescimento dos jogos de role play japoneses. É o "pai" da série Final Fantasy, ficou associado ao seu desenvolvimento, produziu imensos jogos para a Square e detém à custa disso uma grande confiança dos fãs, o que lhe confere um estatuto especial, bem assinalado cada vez que apresenta um novo jogo.
Curiosamente quem despertou no Japão o interesse pelos jogos de role play não foi Sakaguchi. Foi um estrangeiro chamado Henk Rogers. Este emigrante holandês decidiu em meados dos anos setenta sair dos Estados Unidos e estabelecer-se no país do sol nascente para dominar a língua e criar o seu primeiro jogo de role-play por turnos, Black Onyx, inspirado no livro Senhor dos Anéis de J.R.Tolkien. Apresentado a uma revista da especialidade, Black Onyx conheceu um êxito moderado, mas serviu de rampa de lançamento para outros projetos baseados em modelos de jogo mais ou menos similares.
Pode-se dizer, com toda a confiança, que Henk Rogers lançou a primeira pedra, mas foram os japoneses que moldaram à sua maneira um género que viria a ser recebido no ocidente como uma especialidade. Ainda hoje os europeus e americanos sentem um particular entusiasmo por tudo o que seja jrpg's. Nesse périplo que se estende por mais de vinte e cinco anos, acabam invariavelmente por encontrar muitos jogos sobre os quais Sakaguchi, atualmente a residir em Honolulu, no Havai, exerceu um importante papel de desenvolvimento. De produção, de direção, ou supervisão, ele disse "presente" a uma boa porção dos jogos editados pela Square.
Para compreendermos melhor a importância de Hironobu Sakaguchi temos de recuar a meados dos anos oitenta e perceber o enquadramento da indústria. Nessa altura a Nintendo Famicom relançava a indústria dos jogos após o crash provocado pela Atari. No Japão a consola era um fenómeno. Vendia de forma galopante, ao ponto de num determinado ano a Nintendo ter superado a Toyota na disputa pelo troféu de empresa melhor sucedida. A Nintendo adotou, contudo, uma política agressiva quanto às third partys, requerendo o imediato licenciamento dos jogos (que significava que os jogos lançados nas suas consolas não podiam sair para outras plataformas). Mas as editoras tiravam grandes lucros e sentiam que os proveitos da Nintendo permitiam financiar novos projetos e lucrar com eles.
Sakaguchi que era então um jovem estudante universitário, abandonava a faculdade para se tornar num empregado da Square. Começou por exercer as funções de programador em 1983, participando em diversas experiências, todas relacionadas com jogos. A derradeira, que lhe valeu uma espécie de tudo ou nada nesse seu estatuto de semi-profissional, partiu de uma ideia para um novo jogo. Dizem que ele terá confessado aos seus colegas o seguinte; se o jogo vender bem prosseguimos, caso contrário, desisto e regresso à faculdade. Estamos a falar de Final Fantasy. Para esse projeto a Square proporcionou abundantes meios e permitiu a Sakaguchi rodear-se de mais programadores. Ele foi o principal obreiro do jogo e perante a necessidade de chefiar uma equipa orientada para o seu projeto ficou com a destacada posição de diretor.
Em 1987 Final Fantasy estreou na Nintendo Famicom. Foi um sucesso imediato. Sakaguchi recebeu então luz verde para mais projetos. As razões que ajudam a explicar esta boa aceitação pela audiência japonesa, ainda hoje ele as revela; um equilíbrio entre os diversos elementos que formam a experiência. Final Fantasy foi um produto dotado de uma boa apresentação gráfica, uma boa narrativa, sistema de combate e composição sonora. Do outro lado, Dragon Quest, por exemplo, emprestava uma alternativa a um género que mergulhava cada vez mais no abecedário videojogável dos jogadores japoneses.
Perante tão notável êxito, a Square concedeu a Sakaguchi e seus elementos todos os meios para fabricar mais episódios. No papel de diretor, Sakaguchi permaneceu até ao quinto jogo da série, experimentando cada vez mais soluções e ideias à medida que o hardware foi substituído por aparelhos mais poderosos. A Super Famicom possibilitou novos desenvolvimentos e grandes mudanças no sistema de jogo. Em 1992 os jogos de Sakaguchi viajaram até aos Estados Unidos e logo aí conheceram o mesmo sucesso que anos antes se verificara no Japão.
Final Fantasy V foi o último jogo produzido pela Square Co. no qual Sakaguchi foi diretor. O êxito dos seus jogos foi o resultado de um equilíbrio dos diversos elementos, dos quais se destaca a narrativa. E é nesse ponto que nos aproximamos do seu aspeto marcante. Sakaguchi é sobretudo um contador de estórias. Reunindo os responsáveis pelo trabalho artístico, musical e do sistema de jogo, todos desenvolveram sobre a sua supervisão, o trabalho de mesa como ele faz questão de sublinhar na entrevista que nos concedeu. Mas a narrativa sempre foi a sua área favorita.
Após Final Fantasy V, Sakaguchi deixou de exercer as funções de diretor, ficando ligado a outros projetos da Square como produtor, produtor executivo ou assistente. Em meados dos anos noventa o género dos role play japoneses consolidava-se como um fenómeno mundial. Plataformas avançadas tecnologicamente como a Playstation vieram conferir um novo estatuto aos JRPG, sobretudo pelo acrescento de cenas cinematográficas, um patamar até então impossível de explorar por via da limitação dos sistemas.
"Sakaguchi entrou no mundo do horror com Parasite Eve."
Essa transformação permitiu à Square não só reforçar os seus cofres com mais receitas provenientes do sucesso das suas franquias a ocidente e no Japão como também melhorar as equipas de produção. Por outro lado consagraram-se programadores, designers e criadores de bandas sonoras. Entre eles estão Yoshitaka Amano, Tetsuya Nomura, Yoshinori Kitase, Nobuo Uematsu, Tetsuya Takahashi, na sua maioria jovens programadores no final dos anos oitenta. Foram decisivos juntamente com Sakaguchi para o crescimento de séries propriedade da Square, como Final Fantasy, que haveria manter níveis de adesão mesmo para lá da viragem do milénio. Outras séries conheceram a luz do dia sob a sua supervisão como Vagrant Story, Parasite Eve, Kingdom Hearts, Xenogears e por aí fora.
No final dos anos noventa Sakaguchi foi nomeado para o cargo de presidente da Square para os Estados Unidos, conseguindo entrar para o Hall of Fame da Academia das artes interativas e ciências dado o seu rol extenso de produções. No começo do novo milénio os jrpg's tinham uma elevada profusão e Final Fantasy continuava a alimentar as preferências dos fãs. Nesta onda de notável crescimento Sakaguchi era cada vez mais uma referência, mesmo se não estava tão envolvido nos jogos como dantes. Desse distanciamento até à tentação pela conquista do cinema foi um passo curto e previsível, mas Final Fantasy: The Spirits Within revelou-se um desastre financeiramente, apesar dos resultados satisfatórios enquanto produto ligado à animação. Não foi suficiente, contudo, para livrar a Square dos prejuízos, conduzindo ao encerramento da Square Pictures. Se uma conclusão teria de ser obtida é que jogos e cinema nem sempre resultam.
Os primeiros anos do novo milénio ditaram também um afastamento de Sakaguchi de outras produções da Square. A atual direção de Final Fantasy distanciava-se das suas ideias e o próprio, em divergência com a condução da Square, abandonou voluntariamente a posição que ocupava, deixando igualmente para trás o seu primeiro e até então único estúdio que conhecera e para o qual trabalhara toda a vida.
Em 2004, convencido que ainda tem mais histórias para contar, começa a desenvolver para a Mistwalker Studios, o estúdio que tinha fundado tempos antes, e para o qual fora decisivo o apoio da Microsoft para dois importantes jogos para a Xbox 360. Blue Dragon e Lost Odyssey foram os dois jogos que dirigiu como produtor em exclusivo para a Xbox 360. Depois, Sakaguchi aproximou-se da Nintendo, ocupando o seu tempo com novos produtos para a DS ao mesmo tempo que pensou num importante projecto para a Nintendo Wii. No encontro que manteve com Iwata, o diretor da Nintendo deu-lhe coragem para arriscar nesse novo projeto chamado The Last Story.
Enquanto que Blue Dragon foi mais tradicional que Lost Odyssey, já The Last Story contém uma firme intenção de mudança. Ainda mantém todos os predicados que fazem dos jrpg's um género especial, mas conta com novos elementos que o diferem imediatamente dos jogos anteriores. Consciente do momento algo complicado que atravessam os jrpg's (perdendo cada vez mais popularidade para os jogos de role play ocidentais), Sakaguchi chamou a si, após vinte anos, a direção de um jogo. A narrativa é sua e a envolvência dele resultante não será algo de inédito para os fãs dos seus trabalhos.
Sakaguchi não espera transformar o género com The Last Story. Talvez seja a humildade e o tom sereno e pausado das suas palavras a moldar o seu discurso. Porque no ecrã, os fãs irão perceber que The Last Story possui novas mecânicas habilitadas a inovar uma experiência tradicional. Instrumentos para que os jogadores se divirtam, encontrem um genuíno prazer e que no final do jogo, à semelhança de outros tantos, possam partilhar emoções e sentimentos positivos, como o fizeram há vinte, dez e há quatro anos. Sakaguchi é um bom contador de histórias, provavelmente o "roleplaying man" e The Last Story é mais uma obra com a sua assinatura e a mais pessoal como não víamos há muito tempo.