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Infinity Ward - a abóbada da Activision que ruiu

Respawn Entertainment em resposta.

Há várias formas de construção de um tecto, uma cobertura, um telhado ou um alpendre. Como finalidade, trata-se de uma série de projectos erigidos para proteger, garantir estabilidade e salvaguardar quem debaixo do tecto se instale ou mesmo para abrigar objectos das intempéries, dos efeitos exteriores climáticos agressivos e até de ataques de predadores. Ter um tecto é como ter um lar, uma porção de sossego e tranquilidade. Previne a chuva no Inverno e dá uma óptima sombra no Verão, mas quando desaba, tudo fica perdido. Bem, na verdade quase tudo se perde. Volta ao princípio; arrumar o entulho, desobstruir e varrer bem o chão antes de erguer uma estrutura de andaimes e reunir todos os materiais indispensáveis para a obra. Entre os processos de construção nutro entusiasmo pelo levantamento de uma abóbada, por culminar numa técnica de construção especial. Quem observa uma abóbada admira a profundidade e encaixe cuidado das pedras. Há vários tipos de abóbadas, mas a que agora refiro define-se da seguinte forma. É uma estrutura levantada em arco ou sobre linhas curvas, cujas extremidades são perpendiculares ao solo. É também composta por pedras em forma de cunha, que se sustentam mutuamente. A primeira pedra das perpendiculares chama-se "pé direito" da abóbada, mas há uma sem a qual o apoio da estrutura seria impossível, que é a "pedra chave", situada ao meio e que sustém todas as outras. É a chave da abóbada. Sem esse apoio a abóbada cai.

Durante bastante tempo a Infinity Ward foi a abóbada mais vistosa da Activision. Não só foi uma abóbada como se virmos mais de perto também podemos descobrir como esse estúdio foi pedra integrante da abóbada. Quem via aquela cobertura encontrava uma estrutura digna de respeito. A Infinity e a Activision eram unha e carne, viviam, comiam bem e dormiam juntas. À luz do exterior tinham encontrado a receita para o sucesso. Vendiam jogos como se fossem gotas de chuva. Era dinheiro em caixa, sobretudo desde que Modern Warfare em finais de 2007 (a Infinity sempre quis reservar alguma distância da série Call of Duty, embora Modern Warfare seja sinónimo de Call of Duty como sempre quis a Activision) houvera redefinido os “first person shooters”. O segredo para o sucesso era tal que para a sequela anunciada para o começo da vaga natalícia de 2009 originou uma debanda generalizada de títulos geralmente acumulados nessa época. Por isso estes meses de Fevereiro, Março e Abril têm sido tão fortes, neles figurando lançamentos sonantes, tudo por causa de Modern Warfare 2, cuja marcha ainda não abrandou agora que os conteúdos suplementares podem ser adquiridos.

Mas o risco da abóbada ruir, que nestes últimos anos sempre pareceu impossível, aconteceu a partir do momento em que dois destacados elementos da Infinity (Jason West e Vince Zampella), a braços com sérias divergências para com os chefes da Activision, entraram em confronto com a editora, ou seja, por um lado os produtores pretendiam que lhes fossem pagas determinadas quantias em dívida, por outro lado a Activision acusava-os de serem eles os principais responsáveis pelo mal estar, minando a própria empresa e o bem estar financeiro da respectiva Infinity. A Activision partiu para a guerra e demitiu-os. Conscientemente abriu flanco para uma divisão dentro da bateria de trabalhadores da Infinity e uma das pedras da abóbada, a pedra chave, deslocou-se e caiu.

Até que ponto qual das duas forças em desacordo estaria com razão e moral para fazer valer a sua posição até ao ponto de não retorno ainda é uma parte do “problema” por apurar. De todo o modo a intransigência dos visados deixava antever que o mais forte ficaria por cima, nomeadamente quem assume os ditames do poder e das principais regalias inerentes à distribuição e recolha dos proveitos causados pela franquia Modern Warfare. Decapitando a liderança da Infinity, a Activision deu uma machadada irrecuperável na organização e estrutura do estúdio. Livres e descomprometidos os dois produtores não puderam encontrar outra alternativa senão fundar o seu próprio estúdio, a Respawn Entertainment, ao mesmo tempo que “em surdina” não deixavam de aliciar muitos dos colegas que ficaram na Infinity, ganhando “momentum” com o clima agreste que deflagrou, ao mesmo tempo que a Infinity esvaziava.

Em pouco tempo abriu-se um corredor para o novo estúdio e prosseguiu a debanda de outros produtores da equipa. A Infinity tentou suster o êxodo admitindo o pagamento de quantias que os elementos do estúdio reivindicaram. No entanto, a tentativa de estancar as saídas, incorporando no grupo pessoas de outros estúdios a fim de não interromper o processo de produção de Modern Warfare 3, não é suficiente para minorar os efeitos de uma decisão que poderá, no futuro, implicar a perda de uns largos milhões de dólares.

Com um volume de receitas absolutamente copioso provocado por Modern Warfare, o matrimónio perfeito entre Infinity e Activision tinha margem de progressão por mais uns anos, numa colaboração profícua para ambos. E sabendo-se como aquela alinhava a produção, cuidando dos gostos e correspondendo às máximas expectativas dos jogadores, dificilmente a Activision encontrará a mão de obra certa no estúdio certo para assegurar a continuação brilhante da série. Desde logo terá um novo concorrente à perna, a Respawn Entertainment, que não fará por menos em responder no mercado à investida da Activision. A intransigência da Activision e manifesta dificuldade em negociar e corresponder às exigências da Infinity trará pesadas consequências, ainda que a rebate de tropas a empresa aponte para a qualidade, determinação e empenho no projecto dos elementos que aceitaram permanecer, num estúdio já muito desfigurado. Em boa margem resta à Activision manter vivo o nome Modern Warfare, mas a abóbada que era a mais imponente e colossal da cidade, a primeira a erguer-se na claridade provocada pelos primeiros rasgos da manhã, ruiu. Há lixo e entulho para remover antes de voltar a montar os andaimes e fazer tudo outra vez.

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