Inside - Análise
Inesquecível.
Se quisermos, podemos resumir Inside a um raro momento. Ou melhor, a segunda obra do estúdio dinamarquês Playdead - que há uns anos nos brindou com o brilhante e inesquecível Limbo - é mais outro jogo raro, assinado pelos mesmos artistas com a qualidade que lhes é reconhecida, recheada de criatividade e mecânicas apuradas. Sem diálogos por que temos de passar premindo sucessivas vezes o mesmo botão, sem carregamentos de cenas cinematográficas e sem opção para um segundo jogador, Inside é uma experiência genuinamente solitária e um permanente exercício de interactividade, aprendizagem, adaptação a diferentes circunstâncias e toda uma componente sonora e artística que nos envolve num mundo misterioso e científico.
Como sucedeu com Limbo, Inside leva o jogador a protagonizar mais uma fuga, assente num plano horizontal, sobre a mesma perspectiva bidimensional, embora com cenários e personagens tridimensionais. De certa maneira, há um risco moderado nesta aposta da Playdead. O estúdio indie escandinavo, consciente de que o sucesso de Limbo lhes daria retorno numa produção trabalhada sobre os mesmos moldes, avançou para uma espécie de sequela espiritual. Mas nem por isso revelou falta de ambição nesse ensejo. Claro que seria interessante ver o estúdio abraçar um género diferente, tentar pela sua mão criativa uma abordagem diferente, mas quando o que faz patenteia a qualidade de Limbo, um novo jogo ancorado num conceito algo similar tem tudo para ser igualmente bem sucedido.
Na verdade, Inside é uma valiosa razão para se jogar. Pese embora a escassa longevidade (não existe um cronómetro a assinalar o tempo gasto), fiquei com a sensação de não ter levado mais de duas horas para o terminar. A escolha é vossa no que toca à gestão do tempo. Pessoalmente prefiro dedicar o meu tempo a jogos como este em porções de 15 a 25 minutos em vez de o levar de uma ponta de forma corrida. Optei por saborear aquele mundo misterioso, onde as sombras jogam com a nossa passagem, os sons ganham eco com propriedade e corremos sempre na direcção de algo diverso. A dada altura emaranhamo-nos nos puzzles, no esforço para remover aquele obstáculo e contrariar a tendência de ficarmos entalados nalgum lado, sobre as mais terríveis circunstâncias, em condições por vezes mórbidas (malditos cães. Desta vez em lugar da aranha gigante meteram cães esfomeados).
A nossa identidade é uma incógnita e em todo o périplo não existe uma palavra. É um jogo com um menu simples, que grava automaticamente a posição e pouco mais, como a explicação dos comandos (um botão para saltar e outro para interagir. Inside podia ser jogado numa NES). Os cenários falam por si: estamos perante um argumento visual. Cedo na aventura encontramos pessoas (nunca falam e se nos descobrem é para capturar) ligadas a um plano secreto que terá que ver com experiências laboratoriais. Há uma atmosfera permanentemente nocturna, composta maioritariamente por brancos, cinzentos e escuros. É um jogo de luz bem mais desenvolvido e modelado que o anterior. Os espaços apresentam-se com mais texturas, mais trabalhados e com uma composição mais realista, mas sempre, sempre, misteriosos e aptos a criar um efeito surpresa perante novo avanço. O jogo começa num bosque frio e escuro, numa zona aparentemente sossegada, na qual vemos a nossa personagem descer por uma parte rochosa. A nossa acção é natural e muitos jogos já ofereceram contextos similares: basta pensarmos no começo do último Batman, quando activamos as chamas de modo a incinerar Joker ou quando controlamos Nathan Drake nas profundas areias do deserto, em Uncharted 3, depois do avião se despenhar. São contextos como estes que nos conectam de imediato e, de repente, Inside mais parece uma corrida com obstáculos.
Existem inúmeras secções: montanhas, campos, telhados, fábricas abandonadas, zonas de forte controlo de segurança, laboratórios, tanques, reservatórios de água e muitos outros. A entrada numa nova área, sugerindo um novo esquema de puzzles, implica normalmente uma mudança na luminosidade, no contexto visual e na banda sonora e música. Notável a transição suave, sem que haja uma quebra abrupta. Tudo está interligado de forma absolutamente magistral. O jogo transmite imagens e sons em detrimento das palavras, oferecendo pistas, como numa secção onde a carga proporcionada pelo que parece ser uma série de explosões, liberta um estrondo e uma barreira de energia capaz de desfazer qualquer objecto que não esteja sob protecção. Mas os processos interactivos cedo ficam interessantes, logo após sermos convidados e manipular objectos, empurrando caixas e activando uma série de mecanismos como alavancas ou roldanas de forma a manobrar algum aparelho, seja para alcançar uma plataforma elevada, neutralizar um inimigo ou descer às profundezas. Neste caso, poderemos explorar os enormes reservatórios de água usando um mini submarino. As secções dentro da água tendem a ser mais complexas. A nossa personagem não é capaz de permanecer no interior de um tanque por muito tempo e terá que decidir com urgência a maior parte das acções. Mas também aí seremos surpreendidos.
Por outro lado os inimigos podem surgir sobre as mais variadas formas. Curiosamente as aranhas temíveis de Limbo foram deixadas de parte e em seu lugar temos novas ameaças. Os humanos, sempre atentos ao ambiente que os rodeia são implacáveis. Um barulho provocado por um descuido nosso é suficiente para captar a sua atenção, que rapidamente correm na nossa direcção e nos aprisionam. Sob focos luminosos somos imediatamente alvejados por uma espécie de tranquilizante ou veneno letal. Apenas tombamos e acabou-se. Mas as coisas ficam piores quando cães esfomeados correm no nosso encalço. A forma como somos mordidos por estas criaturas desejosas de afundarem as mandíbulas em carne fresca é aterradora. Morrer em Inside chega a ser de uma crueldade gritante, por vezes com sangue espalhado, escutando-se os ossos quebrarem após um salto mal calculado, esmagados nalguma estrutura metálica, ou desfeitos em bocadinhos de carne e sangue após o encontro com uma dessas barreiras provocada pela deflagração de alguma bomba de ensaio.
Inside é particularmente engenhoso na exibição dos movimentos da personagem, mais graciosos e realistas, no som que emana dos movimentos e nas estruturas automáticas. Tudo está concebido com particular rigor, parecendo que nada escapou ao olhar e ouvido atento dos produtores na tentativa de criar uma experiência mais orgânica. Aliás, a física é um dos pontos em destaque, particularmente quando, através de um capacete, somos chamados a controlar pessoas que mais parecem humanos clonados, sem grande cérebro, confiando em nós como seu líder. Com o capacete colado à nossa cabeça, os comandos de movimento transmitem-se para essas criaturas, pondo-as em movimento mesmo estando longe. Isto abre uma série de novas opções e puzzles, especialmente quando estes seres correm na nossa direcção e nos projectam no ar, de forma a alcançar uma plataforma ou um interruptor mais elevado.
Os puzzles são constantes. Nunca damos um passo sem passar primeiro por um desafio, seja ele mais simples ou complexo. Felizmente, Inside não é tão diabólico nos puzzles como outros jogos e aqui penso em The Witness, que atenta a sua abertura e dimensão, pode por vezes deixar-nos desorientados e abandonados. Aqui a solução não está tão longe, nem que para isso tenhamos que tentar e fracassar algumas vezes, pagando caro com uma morte horrível de se ver, antes de seguirmos em frente. Nesta corrida (maratona) para a liberdade, são poucos os momentos frustrantes, embora esteja longe de se concluir facilmente. Mas no seu percurso não encontramos momentos que nos deixem à beira da desistência. Voltando ao puzzle mais tarde, descobrimos que a solução afinal não era muito complexa e que uma determinada conjugação de objectos é suficiente para nos deixar sair daquele bloqueio.
"Parece-me que o mais seguro elogio que se pode fazer a Inside é registar a ausência de momentos mortos."
Parece-me que o mais seguro elogio que se pode fazer a Inside é registar a ausência de momentos mortos. Não encontramos quebras ou passagens monótonas. Assim que entramos no jogo, só a dificuldade na resolução do puzzle pode deixar a nossa mente aturdida, mas nunca nos sentimos desconectados ou aborrecidos com aquele mundo. É um jogo que oferece um enorme prazer desde o primeiro segundo. Um jogo que nos intriga, que nos deixa a fazer perguntas e a tentar pensar em tantas coisas ao mesmo tempo, para logo de seguida nos surpreender pela dimensão e design da nova área e sobre o que nela podemos fazer. A aventura tem as suas fases inquietantes, impulsionadas pela gravidade da música e efeitos de luz (assentes no binómio luz e trevas), mas ao mesmo tempo temos uma hipótese de fuga.
Sendo Inside um jogo totalmente focado na jogabilidade, sem momentos mortos, duas a três horas poderá parecer pouco. Mais tempo conduziria a uma eventual repetição de mecanismos e saturação dos mesmos, o que não acontece (os puzzles são muito diversificados) pelo que esta será a medida certa, isto se não contarmos com as rondas suplementares para descobrirmos outro final e todos os segredos. No entanto, é um jogo que se faz com base no conceito de Limbo, pelo que a bandeira já lá está. Sim, Inside é diferente, embora nos deixe com a curiosidade em êxtase, sendo isso que nos motiva a correr e seguir numa só direcção, sem nunca olharmos para trás. Mérito seja dado à Playdead, que não se coibiu de fazer mais por Limbo e dar outro salto que seguramente continuará a ser lembrado daqui por muito tempo.