Just Cause 3 - Análise
Zip. Bang. Boom!
Quando Just Cause se estreou, há quase dez anos, fiquei fascinado com Rico Rodriguez. Como se fosse um cruzamento entre Antonio Banderas com Sylvester Stallone, com um toque de Arnold Schwarzeneger, Rico foi para San Esperito a mando da Agência para libertar aquele paraíso tropical das mãos de um tirano. O gameplay "Zip. Bang. Boom!" desde logo marcou por singular. Subir ao cimo de uma montanha, saltar de lá e planar até encontrar um avião e em pleno voo entrar nele, disparar para todo o lado com armas tão poderosas que parecemos aquela figura invencível dos filmes de acção que víamos em criança ou assistir a tantas explosões que mais parece uma nova versão de FantaVision. O sentir da adrenalina subir quando roubamos um helicóptero e disparamos até à gloriosa explosão. Isto é Just Cause, acção sem sentido meramente porque sim e porque em nome da diversão vale tudo.
Ao contrário de Grand Theft Auto que procura espantar com uma incrível fidelidade, aquela sensação de estarmos mesmo no local para o qual somos transportados, sem ascender ao patamar de Saints Row, que mais parece um comic com tanta palhaçada a decorrer, Just Cause colocou-se ali no meio. Com um argumento a lembrar um filme série-B dos anos 80 ou 90, no qual tudo é uma mera desculpa para permitir um espectáculo de explosões, sincronizadas com acrobacias tão irreais que não deixamos de ficar fascinados, combinado com um terreno enorme à disposição para ser o nosso recreio, Just Cause tem tudo para funcionar. É fácil entender como um jogo que quebrou tantas regras conquistou a curiosidade dos adeptos de jogos em mundo aberto.
Depois da sequela em 2010, estamos agora perante Just Cause 3, o novo esforço do estúdio Avalanche que nos prepara para mais uma incursão de Rico Rodriguez. Just Cause sempre foi uma espécie de sátira aos argumentos de vários filmes de acção e sempre colocou o seu foco na liberdade permitida na exploração do seu mundo aberto. Desde o início do jogo que somos livres para ir para qualquer lado do mapa, seja na vertical como na horizontal. Aliás, se existe elemento que define a experiência Just Cause é mesmo a verticalidade dos cenários. Perante a proposta de Just Cause 3, dificilmente um fã da série não se sente aliciado: um enorme terreno de jogo que podem explorar com uma liberdade sem rival no género, mecânicas de jogo patrocinadas por ferramentas engenhosas e um enredo oco.
General Di Ravello é o tirano que governa a fictícia ilha mediterrânica Medici, que é na verdade a casa de Rico. Antes da versão digital Xbox One ter terminado a instalação para poder deixar a Boom Island (uma ilha na qual podemos passear e nos familiarizarmos com os controlos enquanto o jogo é transferido), já anteriormente havia visitado Medici por breves momentos aquando do Paris Games Week. Na altura, Just Cause 3 ficou na minha memória como um jogo muito bonito, com animações e controlos estranhos, repleto de bugs, no qual as pequenas novidades apesar não disfarçavam a sensação que estávamos perante um jogo muito colado ao anterior.
"O sentir da adrenalina subir quando roubamos um helicóptero e disparamos até à gloriosa explosão. Isto é Just Cause, acção sem sentido meramente porque sim."
Tal como nos anteriores, o maior luxo desta experiência é o seu mundo aberto e a liberdade concedida na sua exploração. Em Just Cause podem esquecer o livro das regras, desobedecer às leis da gravidade e da física, podem desrespeitar quase todos os limites que vos ensinaram nos outros jogos de mundo aberto. Esqueçam a progressão exclusivamente horizontal, olhem para os céus (ou para os túneis no caso de Just Cause 3) e decidam como querem progredir. Se não tiverem um veículo para ocupar, podem usar o gancho para cobrir vários metros de forma rápida, para vos lançar para o ar e aí usar o pára-quedas e mais calmamente ponderar como seguir. Alternativamente, podem abrir os braços e graças ao wingsuit, a principal novidade, planar pelos céus de Medici. Combinando estes três elementos, progridem de forma radical e rápida pelas ilhas, tirando todo o gosto à condução de carros ou motos. Apenas helicópteros com metralhadoras, tanques ou aviões serão dignos da vossa atenção.
Apesar de promover e aliciar o jogador a explorar livremente (para descobrir pontos para ocupar ou libertar e sempre colocando tarefas opcionais no seu caminho), desde a primeira missão que Just Cause 3 se assume descaradamente como um jogo no qual o enredo nada interessa. Os diálogos são banais, as situações são banais, apenas interessa explodir e ouvir o BOOM como se fosse uma canção na qual o ritmo não pode parar. Assim que nos ensinam as mecânicas básicas, ficamos perante um jogo no qual as missões basicamente são ir de ponto A a ponto B e destruir tudo no final. As novas ferramentas, como a possibilidade de unir com o gancho dois pontos (imaginem unir um carro a um helicóptero que vos ataca - a vossa imaginação será testada, acreditem) ajudam inicialmente a sentir como a experiência Just Cause é tão divertida mas facilmente o design e estrutura do jogo vão contra os seus próprios propósitos.
Isto porque apesar de um mundo tão gigante e tamanha liberdade, a sensação que está desprovido de vida e que os mesmos comportamentos se repetem em demasia, a imersão na experiência é afectada. Até que ponto estão dispostos a aceitar que a constelação de explosões é suprema e prevalece sobre tudo o resto? Tudo no jogo está feito para promover explosões. Rico fala e algo explode (isto é exagero). Mas isto é Just Cause, isto é o que conhecemos e nisso não vemos nada de errado. O problema está na forma como a acção flui. O jogador terá que libertar uma povoação e para tal terá que destruir colunas que transmitem propaganda tirana, atacar a esquadra da polícia, destruir publicidades ao tirano Ravello, destruir uma estátua dele, destruir tanques de combustível, destruir geradores de electricidade e antenas para que seja libertada a opressão e fique no controlo dos rebeldes.
Depois vão aceder a novas missões que vos pedem para continuar o festim de explosões fazendo frequentemente o mesmo. Ir a uma base, local, para destruir as mesmas coisas ou então simplesmente ir de um ponto ao outro para promover as mecânicas que permitem navegar pelo mundo. Quando derem por ela, estão basicamente a fazer o mesmo e passadas umas cinco horas a libertar bases para desbloquear missões de história, ficam a repetir as mesmas acções mas com umas cutscenes pelo meio. Existem imensas tarefas opcionais e Just Cause 3 poderá demorar até 15 horas para o terminarem mas frequentemente vão sentir que o fazem quase por obrigação e não por diversão. Isto é estranho e não parece algo que pudesse dizer desta série mas apesar de tanto espaço para explorar, mecânicas tão divertidas e tanto armamento, Just Cause 3 pode tornar-se aborrecido. Isto é algo que jamais acreditei ser possível.
"Quando derem por ela, passaram cinco horas a fazer exactamente o mesmo sendo inevitável questionar até que ponto o festival de explosões justifica a sensação de repetição."
O grande problema de Just Cause 3, já com a mais recente actualização instalada e jogado depois do lançamento para simular as condições que os jogadores encontram, é a sua componente técnica. Além dos imensos bugs que encontram, Rico a entrar pelo cenário é apenas um deles, além do comportamento estranho de alguns NPCs e veículos, o rácio de fotogramas sofre tanto mas tanto que a dada altura estava a movimentar o meu corpo para a frente como se quisesse empurrar Rico. Quando a acção sobe de tom, fica tudo tão lento que nem querem acreditar no que está a acontecer. Como Just Cause 3 é um festival de explosões, conseguem já imaginar que isto acontece mais do que deveria. Outro elemento que se sente estranho são as animações e as físicas ragdoll mas isso é uma questão de hábito. Quando o rácio de fotogramas recupera sentem e bem a diferença, o que torna altamente instável a performance e esse será o maior problema na aventura de Rico.
No entanto, estes problemas serão, esperamos nós, rectificados numa futura actualização, suavizando o seu impacto na experiência geral. O outro grande problema de Just Cause 3 já será mais difícil de resolver pois está inerente ao seu design. A aventura de Rico está desenhada de uma forma que permite desfrutar de um enorme recreio mas rapidamente esgotam as diversões. O mapa enorme é lindo mas com muito espaço vazio que apenas existe para aumentar o tamanho, e a sensação de uma experiência de que rapidamente o jogo esgota as suas ideias existe. A respeito dos espaços vazios, devo dizer que se ficarem perdidos não existe problema, basta solicitar aos rebeldes a entrega de um veículo ou viajar rapidamente entre povoações, nada que atrapalhe. O problema de Just Cause 3 está mesmo na sua estrutura pois roubar um avião e voar pelos céus para nos atirarmos em queda-livre é divertido mas não vão dar €70 para isso.
Um dos maiores problemas que encontrei diz respeito ao design de jogo, especificamente na forma como obtemos as modificações para instalar habilidades. Quando libertamos uma povoação, surgem desafios opcionais que vão desde uma corrida com um carro, um trajecto no qual devem planar com o Wingsuit ou até um percurso de avião. Estes desafios são meramente opcionais e se quiserem podem passar ao lado deles. No entanto, algumas das habilidades extra mais fixes estão escondidas através deste elemento do jogo. Para instalar as modificações, precisam ganhar Gears, algo que acontece ao completar estes desafios. Quer isto dizer que, se quiserem aceder a algumas das funcionalidades extra estão forçados a executar tarefas altamente aborrecidas que em qualquer jogo nada mais seriam do que formas banais de prolongar a longevidade e forçar o jogador a permanecer no jogo.
Aliando isto à estrutura repetitiva de Just Cause 3, a experiência de jogo poderá rapidamente perder o brilho. Como já referido, estar tão próximo na sua essência ao anterior não é mau, é algo do qual gostamos e que nos diverte, o problema está quando nos apercebemos que nada foi feito para subir a parada, além do factor visual. Sentir que estamos amarrados a uma estrutura repetitiva, que as habilidades precisam ser desbloqueadas executando tarefas aborrecidas e que algumas missões não têm qualquer sentido, rapidamente ficamos a pensar que estamos perante uma experiência oca cujo factor diversão vai diluindo rapidamente. Ora vamos lá destruir umas antenas, destruir uns painéis publicitários, mais uma estátua e está feito. Agora repete mais uma vez.
Just Cause 3 está tão focado nas explosões que a dada altura até banaliza ele próprio a experiência. Podem conquistar uma província e depois, porque sim, os soldados do governante já colocam postos de controlo onde não deveriam ou os vossos amigos rebeldes desaparecem da cidade apenas para tornar a missão mais difícil. Muitas coisas sem sentido feitas unicamente para dificultarem e que até colocam em causa a vossa interacção com as ilhas. Ainda assim, é complicado gerir esta experiência pois enquanto fãs gostamos da liberdade mas começa a cansar tamanha repetição.
Se gostaram de Just Cause e da sequela então já conhecem a fórmula precisa e exacta que aqui vão encontrar. As mesmas loucas acrobacias patrocinadas pelo gancho, que nos permitem saltar de um carro para um helicóptero, um wingsuit que assume grande destaque e tira a diversão aos veículos terrestres pois é tão divertido planar pelos céus de Medici, um armamento tão poderoso que parece que conseguimos enfrentar o mundo, um argumento fraco e sem sentido que existe apenas para justificar as explosões, belas paisagens que vemos enquanto planamos ou navegamos com o pára-quedas, Just Cause 3 é essa face familiar que já conhecem. O problema não é ser familiar, isso é bom, o problema é ser altamente repetitivo ao ponto de um mundo tão repleto de potencial se tornar aborrecido. Juntem a isto a debilidade técnica que Just Cause 3 enfrenta nesta fase actual e fica numa posição sensível.
"Zip. Bang. Boom!" É assim que se resume Just Cause 3. Usa o ganho, dispara com o incrível e poderoso arsenal de armas para depois desfrutar da melodia da explosão. Agora repete até à exaustão.