Last Window: The Secret of Cape West
Fato, gravata e uma caneca de café especial.
A dança de um romance de ficção policial e criminal implica que o processo de construção de determinado encadeamento e seguimento de pistas possa desmoronar com o mais simples sopro, como se de uma torre de cartas se tratasse. Há depois uma permanente imprevisibilidade e inquietação em surdina que aguça o apetite. O desafio argumentativo que é pedido aos guionistas acaba devolvido aos leitores ou espectadores: o esforço reparte-se, uma tensão em surdina. Por isso alguns clássicos da literatura policial por E. Stanley Gardner e na televisão séries e filmes como "Parry Mason" "Crime disse Ela", "Poirrot" e o inevitável S. Holmes alcançaram fascinantes índices de popularidade. Os argumentos contrapostos das personagens, o impasse e a indecisão funcionavam como lume brando permanente, até, por fim, se fechar o caso misterioso com a descoberta do criminoso que poucos arriscavam. Esse exercício tornou-se uma fórmula de sucesso sobretudo nos anos oitenta e noventa.
A CiNG renova a aposta no conto de ficção policial interactivo, exclusivamente para a portátil DS, propondo Last Window, uma sequela de Hotel Dusk, tendo por base um novo patamar de investigação que volta ao passado de Kyle Hyde, o antigo detective e agente da polícia em Manhattan, considerado um dos melhores em Nova Iorque. Quem não jogou o título anterior não terá problema em imiscuir-se nesta intriga, ou melhor, neste bloco de apartamentos de Cape West, um antigo hotel transformado numa residencial.
Motivos que captam imediato interesse não faltam; desde a ligação da arte e estética "noir" em ligação com o argumento, até à interactividade proporcionada pela DS, este é um jogo que veicula uma leitura de descoberta, descolado do arranjo mais tradicional dos "point'n click", tendo uma infinitude de "puzzles" cujo modo de resolução supera a previsível margem de actuação. Há que contar, porém, com imensos diálogos. As personagens entram em conversas demoradas, talvez para não criar a ideia de um policial artificial e apanhado à pressão. A ideia de escorrer todos os detalhes, muitos apartes e aquilo que alguns classificam de "chit-chat" pode causar algum desconforto inicial. No princípio a narrativa custa até encarreirar. Perde-se muito tempo em aspectos laterais. As personagens da residência apresentam-se ao mesmo tempo que são revelados detalhes e dados sobre as suas vidas.
Até ao primeiro ponto de intriga, o momento que começa a aguçar o mistério em torno dos crimes e outros pormenores estranhos que impelem verdadeiramente o jogador a seguir em frente, seguindo os diálogos com mais atenção e outro interesse, ainda passam algumas horas. No relógio da gravação dei conta disso já passava das 5 horas de jogo quando Hyde passou a inquirir personagens por factos relevantes cuja estranheza e mistério se enfilavam numa marcha irreversível. Finalmente a investigação ganhava ritmo.
A resolução dos puzzles é outro ponto que exige alguma adaptação, perda de tempo (e até alguma frustração) até se identificar o "modus operandi". Num esquema bastante lato de funcionalidades da DS alguns exercícios têm resposta óbvia, mais simples do que o esforço empregue enquanto que outros escondem uma solução para lá das formas de resolução anteriores. Não é uma dificuldade em termos de operação mental e de memória, mas por serem escassos os dados e pistas para os resolver. À custa disso desenvolvem-se diligências que não surtem o mínimo efeito por se estar "as apalpadelas" com o esquema do jogo. Não obstante a linearidade da narrativa (cujos efeitos de escolhas erradas conduzem ao ecrã de "gameover") alguns desafios fogem da resolução habitual e escondem uma resposta que afinal nem era tão complexa e que só não foi encontrada mais depressa por se estar ainda a tocar com as margens de interacção da DS e com isto aponto para o desafio em que se pede a Hyde para desligar o alarme do prédio no quarto andar.
A forma como funciona o "gameover" implicará consequências severas em função de uma atenção menos cuidada do dialogo e conhecimento das personagens. Em situações de "puzzle" a consequência pode ser drástica porque um aparente detalhe inofensivo provocará o caos na sequência e ditarrá um recomeço. Esse é outro ponto a levar em conta, já que nunca há uma perda definitiva em termos de progresso acumulado, o que nem é mau. A retoma é imediata para o ponto de começo do puzzle ou diálogo, pelo que podem repetir vezes sem conta até acertarem. Nas situações de conversa de inspector ao jeito de uma boa inquirição é que se sentem as mudanças à linearidade da narrativa. Isso significa que questões impróprias, seja uma pergunta, uma afirmação ou uma apreciação veemente, poderão deitar tudo a perder para Kyle. O jogador vive por isso dentro de um enredo que exige atenção e actuação como se fosse um detective. Há situações que escapam ao controle, mas geralmente o faro de agente produz bons resultados.
Last Window é fascinante em termos de ambiente, tempo e espaço. As personagens que habitam o bloco de apartamentos Kape West (outrora um Hotel onde decorreram alguns homicídios por resolver) sucedem-se em bom número e proporcionam uma permanente ligação a Kyle que se deixa levar por esse cruzamento de pistas até ao passado das personagens, encontrando novos avanços para a investigação que leva por diante após a recolha de uma misteriosa carta, mas encontrará também motivos para recolher ao passado do seu pai e da forma como misteriosamente foi assassinado.
Os acontecimentos reportam-se à década de oitenta, mais concretamente, 18 de Dezembro de 1980. Kyle é interpelado para liquidar a renda até ao fim do mês, altura em que os residentes de Kape West deverão abandonar o prédio. A administradora convenceu-se que não mais consegue gerir tal empreendimento e vendeu o prédio. Para piorar a situação de Kyle Hyde, o patrão comunicou-lhe que perdeu o emprego. Tempos difíceis se avizinham para o ex-agente nova iorquino; encontrar um novo quarto e nova actividade.