Lego 2K Drive - Transformers correm aqui
Power ups na estrada.
Os legos, como carinhosamente os tratava, foram alguns dos meus brinquedos favoritos de infância. Primeiro com aquelas peças maiores, facilmente acomodadas a mãos pequenas. Depois com peças mais pequenas, melhor acomodadas a mãos e dedos maiores. Deliciava-me a folhear os catálogos, com caixas e construções orientadas para todas as idades. Imaginava-me a construir e depois a dar vida a todas as habitações, vivendas, castelos, catapultas, estações de polícia e carros dos bombeiros. Tive a felicidade de receber alguns desses conjuntos que construia com afinco. Guardava caixas e instruções religiosamente para quando me apetecesse construir algo diferente, como sugeriam as fotografias do outro lado da caixa. Com o aeroporto, a vivenda, a paragem de autocarro, a pista dos fórmulas e um pequeno castelo comecei a desenvolver uma espécie de cidade, assente numa antiga mesa de grandes dimensões.
Nas férias passava muito tempo em torno dessa mesa. Recordo manhãs e tardes a movimentar peças, bonecos, levantar e aterrar avião e helicóptero depois de transportar as bagagens dos passageiros por um pequeno veículo de transporte e espalhar algum terror na cidade quando o cavaleiro medieval percorria a cavalo as estradas, zeloso pela segurança. Acho que em bom rigor foi o primeiro jogo em mundo aberto que joguei, sem me dar conta do que era isso de mundo aberto, um termo agora tão usual nos videojogos para definir o tipo de experiências abrangentes. Não sei se me divertia mais a construir ou a dar vida à cidade depois de colocar as construções no lugar. Quando observo actualmente uma grande caixa de legos, especialmente da versão Creator, imagino quão fabuloso seria adicionar a construção às outras.
Tenho jogado vários títulos da marca lego desde o distante Lego Star Wars: The Video game, e embora sejam notáveis pela escala e dinâmica com que projectam o desafio, vejo-os como algo mais cinematográfico, em movimento dentro de cenários pré-renderizados, como um produto televisivo, ainda que marcado pela interface e pelo modo específico de interacção. Mas são agora qualquer coisa orientada para uma aventura, num misto de “beat’em up”, jogo de “puzzles, ou mesmo corridas, como acontece com Lego 2K Drive.
Desenvolvido pela Visual Concepts, Lego 2K Drive é o primeiro jogo lego não programado pela Traveller’s Tales. Não que esse factor seja determinante pela qualidade. A TT foi capaz de entregar bons jogos, como Lego Star Wars: The Skywalker Saga, e outros menos abonados. Em todo o caso havia um humor delirante e transversal, que funcionava bem, dava graça a cenas épicas dos filmes, criava até uma fértil paródia. Não podendo transmitir esse efeito de abrir um saco de peças e construir veículos ou criaturas reais, os jogos pontuam bem os sons de encaixe, a desfragmentação e o caos de peças projectadas, num registo cinematográfico.
É um massivo jogo de corridas em mundo aberto com a sua narrativa, personagens e uma tômbola de missões a grande velocidade, sobre terra, asfalto e água
Lego 2K Drive não tem uma dessas licenças, nem personagens de séries ou derivadas dos comics. É um massivo jogo de corridas em mundo aberto com a sua narrativa, personagens e uma tômbola de missões a grande velocidade, sobre terra, asfalto e água, capaz de entreter quando não se está a construir um carro novo. Há uma narrativa, na qual a figura central recolhe experiência, sobe de nível e alcança novos desafios, ao mesmo tempo que deambula pelos diversos territórios, ou mapas, que compõem a Bricklandia.
A transformação dos veículos
Às vastas camadas de experiência do modo história, acresce um conjunto de mini-jogos e corridas inspiradas no tipo Mario Kart. Há também aproximações a jogos como Forza Horizon. A diferença é que todo o ambiente, do tipo cidade recheada de elevações e caminhos de terra, asfalto e cursos de água, pode ser destruída. A jogabilidade, a pender para o arcade, acessível e com contornos que lembram Sonic & All-Stars Racing Transformed, projecta a transformação automática de um veículo melhor escalonado para a superfície. Após um salto para a água num desportivo vermelho descapotável de quatro rodas, a queda é amortecida por um barco. Ao sair do asfalto e tocar na terra, o carro transforma-se num veículo todo o terreno, uma moto-quatro.
Esta transformação acrescenta uma versatilidade referencial aos jogos lego. Não causa embaraços, oferece a rodagem de vários veículos e mantém o jogador na crista da onda. Depois há outras técnicas fáceis de executar, como drifts e travagens apertadas, essenciais para o melhor rendimento. Mas o que é bom também pode tornar-se menos apelativo. O grau de dificuldade nunca é elevado. Os percursos são largos e a dificuldade nunca sobe de fasquia, para além do desafio moderado que persiste em qualquer fase da campanha. Isso só evidencia que este é um jogo pensado também para audiências menos acostumadas a um desafio “old school”. Também se verificam algumas batotas, nas corridas controladas pela IA, ao lançar adversários para a liderança da corrida pouco antes da passagem pela meta.
A física é interessante, com comportamentos dos veículos consistentes, ainda que sem grandes mudanças mesmo quando conduzidos veículos com mais ou menos peso. Como se a jogabilidade estivesse uniformizada em torno de três categorias, mudando apenas alguns ajustes de veículo para veículo. Na prática isto torna a condução mais parecida.
Territórios como parques temáticos
A Bricklandia é a designação da área que abarca diversos territórios, em especial Turbo Acre’s, a primeira grande área, o deserto de Big Butte County e as famosas quedas de água de Prospecto Valley . Ao invés de um grande mapa mundo interligado, os produtores optaram por criar zonas e mapas distintos, ligados a alguma temática. Sem a disperssão que tende a ser natural quando se cria um amplo território, é mais fácil concentrar os desafios e chegar aos pontos das missões sem ter que atravessar grandes secções ao volante.
Mesmo com áreas mais reduzidas, existem grandes porções desabitadas, algo genéricas e minimalistas com pouco com que interagir
Com secções mais próximas os desafios e corridas estão ali perto. A “checklist” fica assinalada no mapa, podendo ser adicionado um marcador para um alcance mais fácil. É pena que a produção destes diversos territórios e mapas não se demarque. Mesmo com áreas mais reduzidas, existem grandes porções desabitadas, algo genéricas e minimalistas com pouco com que interagir, resultando em muitas secções desoladas e apenas com alguns bonecos para atropelar, err… Interagir.
É dada liberdade na escolha das missões, que vai das corridas do tipo Mario Kart, até pequenos percursos nos quais o objectivo é fazer um bom tempo evitando bombas colocadas no solo. Existe uma grande disparidade de objectivos e de situações insólitas O objectivo é subir de nível, alcançando mais pontos de experiência, e assim enfrentar rivais mais poderosos, numa trama que longe de seduzir pela qualidade do argumento, serve esse sentido de descoberta da Bricklandia.
Garageiro de esquina
A garagem dos automóveis é mais do que um ponto de encontro. Para além de permitir as transições rápidas entre territórios, é o local para levar a cabo todo o tipo de construções e modificações dos veículos existentes. A ideia é construir os carros e levá-los para as pistas tirando partido de alguma vantagem e atributo. O processo de criação e modificação não é muito complicado. Requer uma pausa na experiência caótica das corridas e das missões. Um momento algo “zen” e divertido pela forma como as peças são colocadas.
A aquisição de veículos pode tornar-se especialmente custosa. É ganho dinheiro (brickbucks) com as missões cumpridas, útil para algumas peças mas comprar um carro novo é ainda mais caro. Pena que o processo de criação seja limitado por este condicionamento e forma de retardar o avanço, forçando uma repetição de missões e até alguma parcimónia na aquisição de novas peças, só para que os avanços e as reais melhorias dos carros se façam repercutir com mais tempo passado a jogar. Dispender dinheiro a sério para comprar esses carros também não é a melhor solução.
Com troféus de corridas, mini-jogos e o acesso às corridas online, o conteúdo está longe de pecar por escasso. Mas é o efeito de saturação, derivado da própria acessibilidade ou facilidade com que são concluídas as missões e outras vezes pela sua natureza rudimentar que tornam a experiência menos notável. Em constante andança de um lado para o outro, é nos momentos de contrução que se produz um carro a gosto. Se outros jogos desta marca de brinquedos deixaram boas memórias depois de pousar o comando, este título de condução, ainda que interessante, não é particularmente excedível nalguma área. Funciona bem e consegue chegar a uma audiência vasta, mas depressa se esquece o tempo passado na estrada, a subir de nível.
Prós: | Contras: |
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