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Little Nightmares - Análise

Capuchinho amarelo.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
Sublime recriação dos pesadelos de criança num sombrio mundo de plataformas. Constante interacção, bons quadros e variedade de puzzles.

Servindo de apoio ao estúdio britânico Media Molecule na produção do DLC de Little Big Planet, assim como LBP 2 e 3, a juntar à versão Vita e Tearaway Unfolded, o sueco Tarsier Studios, sedeado em Malmo e constituído por aproximadamente quatro dezenas de pessoas, tem em Little Nightmares a sua primeira grande obra, totalmente independente e apoiada pela Bandai Namco, que hoje mostra mais uma vez o apoio a uma produtora relativamente desconhecida mas cujo potencial é elevado.

Desde os primeiros momentos passados a jogar não restam dúvidas de que Little Nightmares é um jogo cuidado, criativo, e apesar da simplicidade com que é apresentado deixa bons valores de produção. Nele encontramos um invulgar amadurecimento de ideias e uma execução sólida, típica de um estúdio que cresceu ao longo de quase dez anos e que agora se sente na plenitude das suas capacidades e talento para impulsionar uma obra desta envergadura. Mais virão.

Este jogo de plataformas 3D de perspectiva bidimensional (side scroll horizontal) regista muitas influências de Little Big Planet, mas distancia-se suficientemente, ao ponto de conquistar o seu espaço, como que redimido pela atmosfera sombria e misteriosa que se projecta em The Maw. Este é um lugar gigantesco composto por salas, corredores e espaços onde a pouca luminosidade dá guarida a criaturas soturnas, aberrantes e aterradoras, e onde os objectos se movimentam como se tivessem vida própria.

Os efeitos de luz estão muito bem conseguidos. A imagem ilustra o tamanho diminuto da personagem e aquilo que podemos fazer num espaço. Num pesadelo tudo é imenso e envolvente, com a particularidade de podermos tocar e mexer nas coisas como num espaço 3D.

É aqui que descobrimos Six, uma heroína improvável tento em conta a sua fragilidade e limitadíssima estatura, ao ponto de uma activação de um interruptor de corrente ou de luz implicar a movimentação de cadeiras e outras coisas em forma de escada. Não vemos o rosto desta magnífica personagem. Segue coberto por um capuz de um impermeável amarelo que é muitas vezes a única cor contrastante com o tom austero e implacável que grassa pelos quartos e salas.

No fundo, trata-se de um regresso aos nossos pesadelos de infância, aos espaços que nos diziam que não devíamos visitar quando éramos crianças por serem escuros e perigosos (por isso é que a gente não descansava enquanto não passava lá um pedaço de tempo). Grande parte da experiência proporcionada é um confronto com muitos desses lugares, pondo à prova as nossas habilidades de fuga e raciocínio quando enfrentamos bichos, olharapos e anões gigantes de braços compridos que nos põem numa gaiola. Esta distorção tão típica nos pesadelos torna-se constante, invadindo câmaras e todas as secções que percorremos com mais celeridade, resolvendo puzzles em tempo recorde antes que o que resta de luz se consuma.

Não temos armas nem desferimos socos ou pontapés. O objectivo do jogo é contornar e correr dos perigos até um sítio onde podemos repousar, antes que se solte nova avalanche. Quando o escuro oprime e cega a visão, um pequeno isqueiro proporciona uma chama reconfortante (e grava o checkpoint quando acendemos os candeeiros) que nos mostra os contornos severos de objectos, implacáveis e firmes num quadro misterioso mergulhado em silêncio, só quebrado pela invulgar sonoridade que emoldura as diferentes salas e parece fervilhar as nossas emoções.

A arte do jogo atribui realismo e foco nas coisas mas o jogo de luzes acrescenta dinâmica e torna mais suave as passagens entre as salas e espaços.

Vimos já como muitas produtoras aplicaram boa parte destas ideias, se pensarmos em Limbo e mais recentemente em Inside, mas um dos grandes méritos do Tarsier Studios é justamente o convite à constante interacção, na medida em que Six pode interagir com pequenos objectos, segurar neles e até atirá-los de modo a activar um interruptor colocado num ponto elevado e ao qual não chega com o mero levantamento do braço e corpo esticado.

Quase tudo é passível de interacção. Puxar cadeiras ou malas, subir por gavetas, pegar em rolos de papel higiénico, abrir portas encostando o corpo. Six é uma pequena criança num mundo de gigantes e a sua actuação é conforme. Mas graças ao seu tamanho consegue escapulir através de pequenas aberturas e orifícios, algo imperceptível perante os olhos vigilantes. Esta constante interacção num espaço 3D ainda que sob uma perspectiva 2D empresta mais riqueza ao jogo, para além de transformar cada sala e espaço num puzzle com diferentes quebra-cabeças.

Estes raramente se repetem, e embora os haja mais previsíveis, alguns requerem pensamento lateral, enquanto que outros são tão fáceis que a nossa tendência para complicar acaba por se sobrepor. Todos os espaços estão criados de modo a reter a nossa personagem. Uma porta que está fechada e que apenas se abre com uma chave escondida algures, um elevador que nos leva até ao outro lado, tudo neste jogo é um misto de interacção e sobrevivência. Por isso é muito mais do que um mundo de plataformas. A estrutura é linear mas para avançarem terão que encarar o espaço como todo e imaginar a hipótese de fuga.

Uma mala de viajante entre centenas de sapatos abandonados, poeirentos e desbotados.

Algumas áreas não estão isoladas "per se" mas interconectadas. Um interruptor numa sala anterior desliga a electricidade que passa por uma porta metálica mais adiante, impedindo que prossigam, mas só aí poderão obter forma de desligar o interruptor. Existe algum "backtracking" mas não é tão forçado no recuo nem se torna frustrante. O avanço é sempre para a saída e isso veicula uma sensação de permanente avanço e desbloqueio de obstáculos meticulosamente montados para travar a nossa grande fuga.

Os cenários são bastante realistas e autênticos, montagens mais precisas dos pesadelos, mas sobretudo muito diversificados. As passagens operam-se sem quebras ou "loadings". As transições podem ser suaves ou abruptas, através de mudanças de tonalidade (e sonoridade) drásticas. Podem sair de uma sala algo reconfortante, sob o foco luminoso, para uma secção escura e fria, onde os sons perturbadores ganham eco e os nossos passos são lugar a trovões que parecem despertar as atenções. A atmosfera é bastante convincente e realista na execução sombria. Não é um jogo de terror nem existe sangue, embora cause desconforto emocional ver a nossa personagem perecer.As mortes ocorrem por via de uma queda (a mais frequente) de um ponto elevado, através dos ataques das criaturas que deambulam naquele mundo, ou simplesmente porque falta alimento no estômago.

Num jogo que tem como principal tema os pesadelos, os monstros estão directamente relacionados. Como dissemos atrás, o seu aspecto é humano mas profundamente alterado, como se fossem "trolls", distorcidos no seu formato. Quando atravessam a cozinha encontram uma personagem incrivelmente gorda, como se fosse condenada a uma gula infinita. Estas criaturas são descomunais e necessariamente desproporcionadas, reagindo à nossa presença através dos cheiros e dos barulhos. Aqui o desafio é diferente e implica que uma observação do seu modus operandi por forma a chegarmos à saída com sucesso. Os resultados são díspares, ainda que por vezes tenhamos que aprender com os nossos erros. A solução nem sempre passa pela rapidez. Depende muito da observação e do tempo certo para agir, caso contrário voltamos para a gaiola.

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A partir do momento que atingem as profundezas deste labirinto e conseguem identificar uma espécie de cabo da boa esperança, descobrem que não encontram mais formas úteis de interagir, nem os procedimentos são muito diferentes. Essa é talvez a maior limitação do jogo, uma certa constância na resolução dos puzzles. O tempo consumido neste jogo não é muito grande, podendo ser concluído em meia dezena de horas, mas bem aproveitadas, em constante gameplay.

Little Nightmares é um dos grandes jogos deste ano, uma experiência que toca em aspectos de Little Big Planet, Limbo e Inside, mas simultaneamente capaz de encontrar uma diferente direcção, brilhando particularmente no design e na composição sonora, formando uma atmosfera única e recheada de desafios. Sem nunca se tornar massacrante "cansativo" e sem nunca cair na tentação dos "tutoriais", estamos perante um jogo que progride de forma convincente e desafiante. É a chegada do Tarsier Studios ao patamar ideal de produção.

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