Lords of the Fallen - Análise
A cruz que Harkyn carrega.
Sendo Lords of the Fallen o primeiro jogo de role play de acção a estrear-se na Xbox One, PS4 e PC, a expectativa não é menos que grande. Depois de uma geração de plataformas que conheceu um alargamento abissal das fronteiras deste género e talvez uma das melhores franquias de sempre; Dark Souls, que antes de transitar para multi plataformas começou como um exclusivo PS3, denominado Demon's Souls e sem o qual dificilmente Dark Souls veria a luz do dia, a curiosidade é cada vez maior sobre que novas incursões, avanços e transformações nos prometem os produtores de rpg's.
Para a nipónica Bandai Namco, cada vez mais acostumada a editar jogos com proximidade conceptual, depois de Witcher e Dark Souls, abrem-se os portões de Lords of the Fallen, criado em conjunto entre estúdios oriundos de dois diferentes países, os alemães da Deck13 Interactive e os polacos da CI Games. Há aqui um filão generoso de jogos de role play de acção assentes em universos de fantasia medieval. Lords of the Fallen é particularmente ressonante nesta moldura, com uma atmosfera madura e trabalhada, assente numa história composta que não deixa de pender para um lado mais tradicional, amplificado por cenas animadas, árvores de diálogo com escolhas e consequências, e uma área de jogo mais pequena e linear que em Dark Souls. No entanto, há um elemento que sobressai rapidamente do conceito de Lords of the Fallen, a escala épica das batalhas e a ênfase dada ao sistema de combate tendo em vista um maior realismo.
De facto, parece que recuperamos aqueles combates mortais e impiedosos da época medieval, quando dois oponentes cobertos de ferro até ao nariz e a pesar toneladas sobre os ombros, ainda encontravam uma réstia de forças para erguer escudo e espada, até trespassar o adversário numa estocada final. Só que em vez de criaturas do mesmo tamanho, os produtores de Lords of the Fallen oferecem-nos inimigos três a quatro vezes superiores, mais parecendo batalhas operadas no desnível de David contra Golias. Não raros são os momentos que passámos a jogar e a evocar batalhas oriundas de outras "quests" como Zelda: Skyward Sword (aquela batalha final) mas também Darksiders. E no entanto, pese embora a superlativiade das batalhas, bem patente naquele rechaçar de ferro fundido, gritos de esforço e respiração ofegante, é como se Dark ou Demon's Souls fossem o patamar derradeiro de inspiração, que nos primórdios começa com "fighting games" como Street Fighter, Tekken ou Mortal Kombat, tal é o largo foco sobre os duelos.
Blazej Zywiczynski, com quem conversámos em Madrid, foi particularmente enfático na arte conceptual, elucidada através de humanos mortais, algo agrestes e rudes, com capacidade para manobrar armas pesadíssimas, bem como na captura de movimentos como forma de reproduzir assertivamente os impactos dos golpes e a deslocação corporal obrigando a recuperação antes de um contra-ataque. Lords of the Fallen é uma produção forte nessa componente e dá-nos a garantia desse "modus operandi", pois toda uma preparação é inevitável, num estudo meticuloso do adversário e num conhecimento seguro sobre as armas disponíveis que mais dano podem causar e melhor operam num específico contexto. Aqui as combinações implicam preparação e apuramento da técnica, mas será este modelo uma novidade?
Harkyn, o herói criminoso
Libertado da prisão pelo seu mentor Kaslo, outra alternativa não restava a Harkyn, a personagem que dá a sua cara tatuada ao jogo, senão aceitar a demanda. As tatuagens correspondem a uma espécie de perpetuação dos crimes, um rótulo que o acompanhará até ao fim da vida. Mas antes disso, haverá tempo para uma jornada que não podia imaginar naquele momento. O regresso do exército de Deus, perfila-se como a ameaça mais sombria e letal que a humanidade poderia enfrentar mas também encontra neste novo capítulo uma oportunidade para remir os seus crimes, enfrentar o passado e recuperar o poder dos governantes que no passado combateram, com sucesso, exército semelhante.
Lords of the Fallen potencia as sequências animadas, diálogos e liga o destino da personagem ao processo de escolha e consequências, sendo um dos vários incentivos para um novo jogo mais e posterior novo jogo mais mais. A história do jogo ocupa um papel central, tendente a segurar o jogador sobre a severidade do conflito que opõe os Lords de Deus aos humanos, ficando isso bem visível nos manuscritos abandonados por soldados derrotados e que contribuem para o alargamento da base narrativa. Aliás, a história ganha forma no ecrã de opções, quase como um "puzzle" que vamos edificando, primeiro obtendo as peças e depois juntando-as. Não sendo embora um universo tão vasto e aberto em Dark Souls, o desenvolvimento da narrativa é bastante positivo, com algumas escolhas a provocarem dificuldades, e mesmo que não seja muito longo em termos de território e por várias vezes nos leve até pontos que anteriormente não se encontravam acessíveis, a sua significativa linearidade não ofusca a dimensão do espaço.
Como o aspecto da personagem está estabelecido, não existe editor e em seu lugar passam diretamente para o quadro dos opcionais relativos à magia e classe. As artes mágicas, a partir do uso do Gauntlet dividem-se em três grupos: Warrior, Rogue e Cleric. A primeira classe oferece mais opções para o uso da força como meio de abordagem aos combates, por oposição ao Cleric que dá mais garantias de defesa e recuperação. Diversamente a opção Rogue sobra para os adeptos dos ataques furtivos, com destaque para as aproximações sorrateiras, apunhalando os inimigos pelas costas.
Embora seja concedida margem de escolha em termos de equipamento, há uma variável decisiva em termos de combate, a resistência. A personagem será tão ou mais rápida quanto menos equipamento transportar, sendo relevante verificar se a barra relativa ao peso toca no amarelo. O peso excessivo do equipamento de um warrior dá-lhe algumas garantias de defesa, mas impede-o de conseguir evasões bem sucedidas e contra-ataques rápidos pois a resistência esvai-se num instante. No entanto, o quadro de inventário é extenso e toca todas as opções possíveis, desde equipamento, armas, magias, etc, pelo que a possibilidade de mudarmos rapidamente de estratégia, com pausa efectiva sobre o jogo, leva-nos a encontrar mais depressa a melhor opção para enfrentar com sucesso os "bosses".
Sem mercadores, tudo o que dispõem provém de arcas dos tesouro e dos despojos abandonados pelos inimigos, especialmente dos mais difíceis. A única condição sobre a sua utilização imediata tem que ver com o nível da personagem. Espadas flamejantes assim como armas pesadas, requerem um nível de evolução específico e um desenvolvimento adequado da personagem, especialmente ao nível da força. Com um estado de evolução precoce, ela nem sequer conseguirá rodar algumas armas das mais tentadoras.
Há bons sinais quando pomos isto em prática, especialmente pela física, movimentos realistas da personagem e um controlo supremo do tempo de ataque, contra ataque e defesa. Não basta pressionar indiscriminadamente os botões. O combate é quase sempre pausado e cerebral, o que significa aguardar por um ataque do adversário, usar o escudo e responder com um contra-ataque certeiro. Os efeitos sonoros do choque soam graves, especialmente no choque entre ferro ou quando afundamos o metal ou espinhos de um martelo na carne podre dos inimigos infectados ou nos lords.
"Embora seja concedida margem de escolha em termos de equipamento, há uma variável decisiva em termos de combate, a resistência."
E embora a violenta sensação de choque constitua um dos pontos mais altos do jogo, não deixamos de controlar adversários comandados pelo computador, ficando expostos alguns erros de programação, como ataques às cegas, algo semi-automáticos quando estamos longe, assim como uma perda de interesse em continuar no nosso encalço quando nos afastamos demasiado do ponto de encontro e mais algumas falhas ao nível da orientação dos ataques, por vezes em direcção a paredes ou espaços vazios, assim como uma detecção tardia da nossa presença. Várias vezes os produtores não se escusaram a comentar Lords of the Fallen como um Dark Souls mais acessível, sem muitas regras obrigatórias que sobrecarregam o custo pela perda de vida. Teria sido útil evitar algumas destas falhas que acabam por facilitar a vida de quem comanda Harkin.
Essas situações prosseguem e acontecem em momentos fulcrais, como as batalhas contra os bosses. Apesar da dimensão abissal destes lutadores e dos seus movimentos letais, não se revelam tão perigosos como noutras experiências, sobretudo por uma actuação mais furtiva e evasiva da nossa parte com o acréscimo de uma dificuldade não tão clara. Podendo cair na repetição alguns desses combates, não tarda até se encontrar o truque e reduzir a pó o inimigo. Mas também há um outro lado da moeda, composto especialmente pela boa fluidez dos combates, a dimensão das arenas, os movimentos do inimigo e os ataques imprevisíveis numa fase inicial.
Os opcionais pontos intermédios de gravação
A progressão de Harkin depende da experiência acumulada em combate. Uma das regras do jogo é a existência de um multiplicador de pontos que aumenta quando vencemos inimigos mais poderosos de enfiada, sem perder uma vida. É uma premissa atraente para os adeptos de experiências com um acentuado grau de exigência. No entanto, a equipa que fez o jogo entendeu, por uma questão de acessibilidade, que era melhor mitigar este esquema, incluindo pontos intermédios que nos permitem gravar a posição, nomeadamente equipamento e transformar os pontos de experiência em unidades de melhoria de atributos, relativamente à classe da personagem e magia a que está associada. Os pontos necessários para obter um ponto a distribuir nem são muito altos, o que significa que em pouco tempo conseguem alcançar um bom nível de desenvolvimento da personagem, nem que seja a "farmar" uns pontos antes de um combate contra um boss, mesmo com uma redução muito substancial de inimigos a reocupar as suas posições.
Mas se perderem uma vida, os pontos de experiência permanecem no exacto ponto onde foram derrotados, podendo ser recuperados posteriormente. Existe um tempo limite para recuperar os pontos, tempo esse dependente do multiplicador de pontos. Um dado interessante é a regeneração das barras de magia e saúde quando estão próximos do vosso fantasma, o que permite, por exemplo, batalhar alguns inimigos sem necessidade de recorrer às poções mágicas. Optando pela gravação do ponto intermédio, o único custo associado é a perda do multiplicador de pontos, o que significa que daí para a frente vão acumular pontos como se estivessem no começo do jogo. Jogadores habilidosos e destemidos vão optar por uma postura mais conservadora, ignorando os "checkpoints" mas quando o jogo nos incita a seguir por um caminho mais moderado, é natural o aproveitamento da folga.
A utilização do "gauntlet" como arma de projécteis, torna alguns combates menos exigentes, especialmente pela sua utilização à distância e pela variedade de formas de ataque, seja através de explosivos, uma chuva de bolas de fogo ou um disparo. Garantidamente oferece uma via alternativa de combate, endereçada aos jogadores menos habilidosos e interessados apenas em ter uma arma mais acessível do seu lado. Será questionável a sua cedência numa fase tão precoce da aventura, mas não é nada que seja oferecido como modelo mais avançado e também nisto os danos causados podem ser maiores quão maior for o nível de evolução da personagem.
O incitamento à exploração é um dos pontos fortes do jogo. Sem mapa, sem cursores de orientação, sabemos sempre para onde ir à pala de informações e personagens que nos acompanham, mas há quase sempre um percurso alternativo, onde podemos encontrar valiosos tesouros e obter mais horas extra de jogo. Embora não seja um mundo muito vasto e amplo, há alguma linearidade e as saídas alternativas e secretas quase sempre vão dar a um sítio que visitamos previamente. A inclusão dos "checkpoints" em múltiplos pontos, quase sempre em zonas finais e de ligação, também dá origem a uma estrutura mais ordenada que nos deixa ficar com uma imagem mental do espaço.
"Lords of the Fallen não consegue desvincular-se suficientemente da definição das experiências criadas para a geração anterior."
Sem apresentar um design arrebatador, o jogo mostra bons efeitos de luz e a tal captura de movimentos de personagens que sobressai, excepto quando encontramos algum npc e estabelecemos conversa. Com a perspectiva apontada aos rostos é quase desapontante verificar como os lábios se movem tão pouco. Nalgumas deslocações, especialmente diante de secções de maior dimensão, é frequente o screen tearing, assim como certos pormenores e detalhes em construções que só ficam visíveis quando chegamos junto, para não esquecer quando vemos braços ou pernas que entram pela parede como se esta fosse invisível.
Como experiência puramente singular e sem opcionais para vários jogadores e online, Lords of the Fallen inaugura as hostilidades de um role play de acção em novas consolas, só que não consegue desvincular-se suficientemente da definição das experiências criadas para a geração anterior. No melhor, Lords of the Fallen funciona como uma alternativa acessível a Dark Souls, com o destaque a ir todo para o desenvolvido sistema de combate. As evidências são óbvias e tão claras que a chegada à conclusão de uma dificuldade mitigada só poderia fazer sentido numa tentativa de apelar ao mesmo público que não se sentiu propenso em subir à barca da From Software, o que deixou os polacos e alemães ainda de olhos postos na geração passada quando já se apuram as novas coordenadas do género. Harkyn pode carregar uma cruz de ferro mas não é assim tão pesada.