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Lost Planet 3 - Análise

Emoções congeladas.

A Capcom anunciou o desenvolvimento de Lost Planet 3 durante o seu evento Captivate em Roma, no ano passado. Foi uma revelação que, por instantes, deixou confiantes os fãs dos jogos produzidos por Keiji Inafuni. Porém, a dúvida instalou-se quando se soube que não seria uma produção levada a cabo por departamentos de produção internos da Capcom, nem pela equipa dos dois primeiros jogos. O anúncio da Spark Unlimited, um estúdio californiano responsável por obras como Legendary ou Turning Point: Fall of Liberty, como produtora a cargo de Lost Planet 3, depressa lançou reservas sobre o futuro da série.

E com razão ficaram desapontados os fãs. Embora os dois primeiros jogos (Lost Planet: Extreme Condition e Lost Planet 2) não recolham unanimidade na crítica e até entre as comunidades de fãs e jogadores, por causa das falhas da campanha multiplayer de Lost Planet 2, certo é que ambos os jogos possuem uma forte identidade e uma mecânica elaborada que lhes dá um particular estatuto. Recordo perfeitamente os primeiros trailers de Lost Planet e como este jogo me influenciou quando decidi levar por diante a compra da Xbox 360. É verdade que acabei por a comprar mais por causa de Gears of War, mas Lost Planet já estava no radar e foi por isso que em Dezembro de 2006, já com a Xbox 360 instalada e a correr o primeiro título da Epic, encomendei a edição especial de Lost Planet, da Capcom.

Há em Lost Planet: EC e em Lost Planet 2 uma série de mecânicas que resultam num aceso jogo de plataformas e combate. O gancho que permite à personagem interagir rapidamente com o cenário, escalando construções e zonas montanhosas cobertas de neve, foi uma das grandes novidades no plano da jogabilidade. Mas o combate ganhava mais destaque e ritmo quando saltávamos para o interior dos mechs, e passávamos a dispor de um arsenal de combate muito mais poderoso e ajustado à dimensão dos poderosos Akrid, as criaturas que habitam no planeta EDN-III. Apesar de curto, LP: EC foi uma boa estreia da série e nem para mim a sequela Lost Planet 2 deixou de proporcionar um bom desafio.

Ora, este Lost Planet 3, pela mão da Spark Unlimited, veio acabar com o que ainda havia de bom nos jogos anteriores, transformando Lost Planet 3 num banal shooter na terceira pessoa, com influências de Gears of War e Dead Space, mas sem nunca chegar a elas. No final, é somente mais um shooter que pouco revela de especial, e mais do que isso, praticamente derruba o legado que, apesar de tudo, Keiji Inafune e Jun Takeuchi foram capazes de desenvolver. Como shooter na terceira pessoa, Lost Planet 3 é apenas mais um título a juntar a um género saturadíssimo. E nem a inclusão do Utility Rig (o gigante companheiro Mech que iremos comandar) serve um argumento que possa satisfazer a expectativa de quem ainda assim depositava alguma esperança nesta terceira edição.

Não sei definitivamente o que se passa com a Capcom. Depois da saída de Keiji Inafune, o que era suposto ser a partida para uma mudança para melhor, nunca aconteceu. A maioria das suas franquias disponibilizadas às produtoras independentes resultaram em jogos pouco assinaláveis e este Lost Planet 3 vai desaguar no mesmo mar. Tenho saudades da Capcom dos velhos tempos; da originalidade e criatividade com que habitualmente nos brindava através das suas produções internas. Resident Evil 5 e Street Fighter IV foram as últimas grandes concretizações de uma companhia que ainda é uma das mais poderosas no Japão. Veremos se depois deste Lost Planet 3, os japoneses de Osaka assentam finalmente numa linha de desenvolvimento e ponderam melhor sobre o seu futuro na indústria, agora que a nova geração de consolas se completa.

Muito embora Lost Planet 3 mais pareça uma produção de começo desta geração, nem por isso dispensa a conexão com os dois primeiros jogos. O primeiro ponto a considerar é a atenção que a narrativa concede ao planeta EDN III, o mesmo dos dois primeiros títulos e do qual sobressaem as suas condições extremas; um planeta gelado, repleto de tempestades de neve, sendo forçoso batalhar à bruta para sobreviver. A diferença é que este jogo funciona como prequela dos dois primeiros e é a partir daqui que vamos acompanhar a história do nosso protagonista, Jim Payton, que coincide com a colonização do planeta por intermédio da companhia Nevec, líder no desenvolvimento tecnológico e científico. Se do ponto de vista da tecnologia é a empresa que fabrica os Utility Rigs - os grandiosos Mechs que iremos tripular -, já do ponto de vista científico podemos observar o processo de aproveitamento da T-Energy, um recurso abundante no planeta (que permite aos Akrid resistir às baixas temperaturas), indispensável à sobrevivência da grande colónia humana.

A história ganha assim uma dimensão central. Com a promessa de um trabalho bem remunerado, Jim vê-se embrenhando numa extensa lista de tarefas. Os dias dão lugar a semanas, semanas a meses e os meses dão lugar a anos. 50 anos naquele planeta deixam mazelas e para lá da intriga, esta é uma história pessoal, algo que a equipa de produção sempre referiu e que toma boa parte da duração da campanha. O tempo em Lost Planet 3 dilui-se nesta espiral solitária de constante caça e luta com as poderosas criaturas Akrid. Não passarão muitas horas de jogo até que o enredo proporcione reviravoltas, momentos de intriga e coloque certos elementos da Nevec como antagonistas. Mas as primeiras horas do jogo são algo lentas e previsíveis, como as missões, divididas entre segmentos principais e missões secundárias.

As missões principais constituem a actividade principal de Jim, seja a pesquisar em cavernas e locais profundos do EDN III pela t-energy, seja a reparar instalações danificadas e activar certos mecanismos. As missões secundárias envolvem objectivos de outra natureza, num relacionamento mais próximo com os habitantes da colónia, não deixando de contribuir para o desenvolvimento da história. A combater ou a consertar dispositivos afectados pelas tempestades, a grande companhia de Jim Payton neste jogo é precisamente o Utility Rig. Fabricados pela Nevec, servem de utensílio à prospecção e recolha da T-Energy. Em bom rigor, estes gigantescos mech são uma segunda casa de Jim Payton. Nele pode fazer coisas variadas como escutar música (country), enviar gravações para a sua mulher e ouvir as loucuras vídeo que ela lhe fornece, defender-se das tempestades e, graças aos seus extensos braços, usar o esquerdo para segurar e o direito para perfurar. Enquanto que nos jogos anteriores, comandar um mech mantinha a perspectiva exterior na terceira pessoa, agora a perspectiva salta imediatamente para a primeira pessoa, dando origem a uma maior sensação de clausura, mas também um efeito que assegura a dimensão gigantesca do mech. É possível efectuar upgrades ao Rig, sobretudo ao nível da sua articulação e movimentos, úteis para os grandes combates que terão de vencer.

Contudo, se o Utility Rig é o companheiro permanente de Jim Payton e a cápsula que permite à personagem avançar até aos mais recônditos lugares gelados, também pode ser utilizado em combate, ainda que em moldes limitados. Diante de um Akrid de grandes dimensões, podem segurar uma parte do corpo da criatura e com o perfurador do braço direito atingir o inimigo numa zona sensível. Contudo este processo não está isento de falhas, perdendo-se muitas vezes o sentido de oportunidade numa série de acções quick time event demasiado inconsistentes. Existe também um movimento defensivo, que consiste em recolher os braços, como forma de proteger os golpes dos inimigos. Se a resistência do Utility Rig findar devido aos ataques dos inimigos, somos projectados imediatamente para o exterior. Daí que seja conveniente articular o combate, especialmente diante dos grandes Akrid, entre movimentos executados pelo Rig e outros, já no exterior, recorrendo ao armamento com que nos equipamos à partida da missão.

A ligação "umbilical" ao Utility Rig traduz-se na disponibilidade de um radar e de outros indicadores, desde que Jim não se afaste em demasia do seu mech. Comandando individualmente, como soldado que começa por transportar duas armas de cada vez e recorre a um par de granadas, a sensação de controlo é típica de um shooter na terceira pessoa. Com uma câmara mais perto das costas do protagonista, temos uma queda total para a componente shooter. Aqui as equiparações com Gears of War são evidentes. Diante de uma parede ou rocha, Jim pode encontrar cobertura e ripostar as vagas de ataques dos adversários. Contudo, é um combate muito cru e sem grandes subtilezas ou inovações. A acção que mais usamos acaba por ser o dash, num constante foge e ataca.

O gancho está lá, mas não produz aquele feeling dos jogos anteriores, embora se perceba que a sua presença é uma forma de garantir mais movimento entre plataformas, especialmente na vertical. Por vezes, essas transições até ganham alguma dimensão de survival, nalguns momentos de tensão que nos trazem à memória segmentos de Resident Evil ou Dead Space. No entanto, o ritmo é tão previsível e massacrante, focado na acção, que rapidamente se esfuma qualquer tentativa de sucesso desse ritmo mais tenso. Depois, há as falhas técnicas e o design pouco convincente. EDN III perdeu a beleza dos jogos anteriores: é um planeta vazio, coberto de neve e os poucos motivos de destaque não surpreendem. Os efeitos visuais das tempestades não são nada de especial e, como já dissemos, um design destes no começo desta geração ainda passava, mas ao lado do primeiro Gears of War, fica mal na fotografia. A frame rate também sofre, especialmente quando ocorrem confrontos mais agitados.

Sendo a campanha exclusivamente individual, as opções para vários jogadores resumem-se ao modo multiplayer. Neste quadro de opções, a melhor hipótese à disposição é o modo cenário, no qual os jogadores se dividem entre um grupo que trabalha para a Nevec, o que envolve a realização de missões específicas, enquanto que o outro grupo, os Snow Pirates, conjugam esforços de modo a impedir o desiderato do adversário. Mas se a premissa parece interessante, no final acaba por ser mais um tiroteio deveras caótico, perdendo-se algum do sentido da missão. Se a ideia era proporcionar uma campanha alternativa multiplayer, o resultado final fica muito aquém do esperado. No modo Akrid Survival, as regras são muito semelhantes ao modo Horde de Gears of War 3, mas com uma pequena especialidade que é a abertura do mapa para dar espaço a um Akrid de proporções gigantescas. No final os jogadores lutam entre si. A progressão em esfera, especialmente em termos de equipamento, transporta a estrutura típica de um role play para um modo online, embora com poucas surpresas.

No final, continuo a preferir os dois primeiros Lost Planet. Apesar das suas falhas, são títulos com uma forte identidade e mecânicas claras, pese embora a necessidade de aperfeiçoamento. Como prequela, Lost Planet 3 cumpre o propósito em termos narrativos, mas é uma experiência tão previsível e pouco apelativa em termos de design, que raramente se torna relevante e que não dá continuídade à evolução que se esperava do anterior jogo. O design simplista, processos e mecânicas interactivas pouco originais e um modelo de shooter na terceira pessoa já gasto, fazem de Lost Planet 3 o elo mais fraco e só mesmo por consideração ao arco narrativo é que poderá ver alguma luz ao fundo do túnel.

5 / 10

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