Mafia 3 - Análise
O charme de New Bordeaux merecia melhor gameplay.
Numa era da indústria em que os mundos abertos parecem chegar ao mercado cada vez em maior número, especialmente porque estas experiências continuam altamente populares e repletas de potencial, o fundamental torna-se a apresentação de um elemento que o possa diferenciar. Um elemento que possa ser usado como cartão de visita. A criação de um jogo em mundo aberto exige um equilíbrio muito firme, e enquanto algumas equipas preferem apostar no gameplay e na diversão, outras preferem investir na história ou nos personagens. Com tanta oferta, é apenas uma questão de encontrar algo que vá ao nosso encontro. Especialmente se esse jogo tiver esse precioso elemento diferenciador, que o torna apelativo perante os demais jogos existentes.
Mafia 3 decorre no final da década de 60 em New Bordeaux, uma cidade inspirada em Nova Orleães, nos Estados Unidos da América, e com um protagonista de cor, Lincoln Clay. Logo aqui temos dois elementos peculiares e singulares: uma década passada que nos permite "viajar no tempo" para outras culturas e formas de estar, e todas as temáticas possíveis em torno dos dilemas enfrentados por uma pessoa de cor nessa década. Mafia 3 utiliza estes dois elementos como a sua base, a cidade e o protagonista, que promovem uma história de vingança e poder, numa sociedade em fase de mudança. Clay regressa a casa depois de vários anos a combater na guerra, e quando as pessoas que lhe são mais próximas são mortas pela máfia Italiana, ele inicia a sua missão.
A narrativa de Mafia 3 constrói os seus alicerces com personagens credíveis, situações intensas, e um tom cinematográfico, sempre fiel à imagem que temos da década naquele país. New Bordeaux é o que seria de esperar, uma cidade com diferentes distritos, com grupos rivais em constante confronto, e com uma atmosfera altamente envolvente. Para ser bem sucedido na sua vingança, Lincoln Clay terá de enfraquecer o controlo da máfia Italiana sobre a cidade, recrutando aliados com objectivo comuns, e lutando pelo controlo dos distritos, um atrás do outro.
A Hangar 13 conseguiu uma cidade de atmosfera e sons credíveis, com uma história interessante, mas o gameplay precisava de maior variedade.
Para isso, o jogador terá de conhecer uma figura de destaque nesse distrito que também se queira livrar da máfia rival, criando uma aliança com essa personagem e recebendo missões. Antes de conseguir activar a missão final de cada distrito, em que eliminará a figura principal da máfia Italiana nesse local da cidade, Lincoln terá de cumprir primeiro várias missões, que enfraquecem o domínio rival, até que possa finalmente ir ao cabecilha. Seja eliminar os principais homens do chefe, seja destruir equipamento, roubar dinheiro, ou atacar as principais fontes de rendimento, Lincoln terá primeiro de os deixar a suar, a temer a sua chegada, para depois acabar de vez com eles. Assim que conseguir deixar o líder do distrito a tremer, Lincoln voltará a um local que já havia atacado, para uma missão final.
Esta é a estrutura de Mafia 3: executar diversas missões que afectam os rendimentos da máfia Italiana no distrito (existe um valor em dólares para deixar no zero, que varia por distrito) até chegarmos à missão final, que na maioria dos casos implica regressar a um local onde já completámos uma missão. Lincoln poderá explorar os padrões dos inimigos e atacar pela calada, o que se torna valioso se quiserem aumentar as probabilidades de sobreviver, mas na grande maioria dos casos entrarão numa troca de tiros. Eliminando os vários mafiosos em cada local, convém ter em conta que o número de variantes é muito reduzido e ficarão com a sensação que estão sempre a matar irmãos gémeos, Lincoln conseguirá eventualmente chegar ao objectivo.
A Hangar 13 permite que o jogador explore os diferentes locais para encontrar um meio de entrada neles que esteja mais bem adequado ao seu plano: furtivo vs. ataque frontal, mas na grande maioria dos casos, acaba tudo aos tiros. O leque de armas é variado, e adequado à década em que o jogo decorre, e também ele servirá diferentes necessidades nos jogadores. Claro que uma boa caçadeira rapidamente se torna na arma de preferência. Apesar de alguns bugs e de os inimigos nem sempre se comportarem como deveriam (este poderá ser o maior problema do jogo e o maior responsável pela quebra de imersão), Mafia 3 consegue momentos intensos e nem sempre conseguimos à primeira.
A actualização com as corridas permite personalizar os veículos e correr nas ruas de New Bordeaux, inserindo alguma variedade em Mafia 3.
Mafia 3 é um jogo cuja cidade e história se tornam nos seus maiores valores, mas onde se sente uma certa falta de polimento. Uma espécie de inconsistência na experiência que a fragiliza. A atmosférica New Bordeaux, especialmente pela sua arquitectura, transporta-nos para uma década distante, mas a sensação que os NPCs são todos iguais é um exemplo de como a imersão do jogo e aos diferentes bairros fica comprometida. Ao jogar o jogo dois meses depois do lançamento, beneficiamos com as actualizações e melhorias que foram entretanto feitas, e os bugs foram raros, não sendo algo com o qual se devem preocupar. No entanto, Mafia 3 deixa sempre a sensação que podia ser mais, podia estar mais polido, que podia ser mais divertido, por muito interessante que seja.
A maior prova disso é a sua estrutura, repetitiva e cujo fulgor rapidamente desaparece. Quando libertamos um ou dois distritos, sentimos que as missões estão bem adequadas ao que se passa naquele distrito e a credibilidade do jogo persiste, mas quando percebemos que apenas estamos a repetir as mesmas coisas, os mesmos movimentos, a ouvir as mesmas frases, vezes sem conta, apenas em locais diferentes, não é possível deixar de sentir que a Hangar 13 podia ter feito mais. A história e a cidade exigiam mais, mereciam mais, do que Lincoln andar para trás e para a frente a fazer sempre o mesmo, ao ponto de repetir locais.
Mafia 3 é um jogo que consegue com muita credibilidade transportar-nos no tempo e prender-nos com a sua narrativa. O protagonista é muito forte, e dá gosto entrar nesta New Bordeaux. A Hangar 13 acertou em muitas coisas e entrega um jogo com muitos méritos, no entanto, o gameplay e principalmente a sua estrutura, não estão entre eles. A maior ofensa que um jogo pode receber é a frase 'está fixe, mas podia estar melhor', pois coloca-o ali num meio termo frágil. Mafia 3 merecia um melhor gameplay, uma melhor estrutura de missões, algo que afastasse a sensação da repetitiva, e que não banalizasse o esforço de Lincoln.