Máquina do tempo - O que estava a jogar em Julho de 2008
Culpem as nanomachines. Sim, culpem MGS.
Quando a 12 de Junho de 2008 a Konami finalmente colocou à venda nas lojas de todo o mundo o aguardado Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots, estava praticamente ditado qual o jogo que me iria acompanhar naquele Verão, qual seria o meu próximo objeto de dedicação nesta nossa indústria. Este é possivelmente um dos títulos mais controversos da história dos videojogos e serviu como combustível em inúmeros tópicos dedicados à troca de galhardetes entre adeptos Microsoft e Sony pelos fóruns de todo o mundo. Anunciado em 2005 mas apresentado ao mundo num infame trailer em 2005 no Tokyo Game Show, durante largos meses os fãs viram e reviram esse vídeo para descobrir informações e possíveis indicações sobre o que esperar do jogo. Numa altura em que esta indústria mais parecia um campo de batalha sobre 'o meu é melhor que o teu' ao invés de ser um meio de entretenimento, este vídeo gerou muito mais controvérsia do que devia ser possível mas fora das picardias tecnológicas, já deixava antever como seria o produto em si.
Na E3 2006 tivemos um novo vídeo que nos apresentou a um novo leque de personagens, especialmente a memorável apresentação de Raiden, e passando pela Gamescom ao TGS, tivemos ao longo dos anos diversos espantosos trailers que nos deixavam fascinados quanto ao futuro produto que esperávamos receber. Todos cheios de momentos brilhantes que ajudaram em muito a estabelecer uma forte ligação entre Hideo Kojima e a dedicada comunidade de fãs. Metal Gear Solid havia-se tornado em muito mais do que uma série de videojogos, era uma fervorosa paixão e todos os envolvidos sentiam isso. Provavelmente o trailer Courage is Solid foi visto demasiadas vezes do que devia mas este é apenas um exemplo do poder que uma série como esta pode conter.
Metal Gear Solid 4 não foi a nível pessoal um produto absoluto como foram os três anteriores, incontestáveis e objeto de maravilhas ao longo de meses e até anos. MGS4 deixou um certo amargo na boca e muito dele relacionado mais com questões técnicas e provavelmente da forma como a Konami interpretou o hardware PlayStation 3 do que propriamente com a visão artística e criativa da equipa de desenvolvimento, se bem que nesses campos também foram apresentados resultados um pouco discutíveis. Mas a maravilha da série é mesmo essa, é ser tão rica e singular a nível artístico que as suas debilidades não podem ser medidas pois variam de pessoa para pessoa.
Desde já há algo que quero deixar bem claro, o principal amargo que MGS4 me deixou na boca foi a forma como a Konami abordou a questão da instalação de dados no disco. Além da demorada instalação inicial, somos ainda forçados a ver Snake queimar intermináveis cigarros sempre que queremos mudar de capítulos e certamente que todos os fãs da série estão familiarizados com aquela vontade de simplesmente pegar no jogo e vaguear pelos diferentes cenários e apenas "sentir" o mundo criado. Aqui tal tornou-se problemático, pesaroso e incómodo. Numa altura na qual a PS3 era afligida por estas questões, seria de esperar que a Konami tivesse adotado uma abordagem similar à da Capcom alguns meses antes com Devil May Cry 4, uma só instalação que dura 22 minutos, ao invés de uma no início e outras sempre que mudamos de zona.
Pode ser um pouco piquinhas da minha parte mas senti que afetava, marcava, e caracterizava erradamente a experiência. Senti que reduziu a vontade de voltar a jogar o jogo e aquele vaguear pelos diferentes cenários foi afetado. Quebrava o ritmo do jogo e até podemos ficar aqui a conversar sobre como a Konami poderia ter criado uma abordagem na qual recorria a uma instalação de fundo enquanto o jogador via uma cinemática mas a verdade é que da forma como o jogo se apresentou, foi um enorme "imersion-breaker".
Deixado de lado este meu choro sobre esta debilidade técnica, MGS4 começa de uma forma verdadeiramente fascinante, aqueles vídeos como se fossem filmes com atores reais que nos mostram as publicidades das várias PMCs foi um toque genial que me fez sentir desde logo porque se tem tanto gosto ao jogar produto Kojima, ele vai aonde só ele sabe ir e sabe como nos marcar. Após isto temos a introdução do jogo em si e o memorável monólogo inicial de David Hayter novamente no papel de Solid Snake. Algures no Médio Oriente, num camião que transportava soldados para o campo de batalha, Snake persegue Ocelot que depois de desaparecer no final de MGS2 havia sido encontrado naquela zona.
"A guerra mudou. Não é mais sobre nações, ideologias ou etnicidade. É uma interminável série de batalhas proxy lutadas por mercenários e máquinas. A guerra e o seu consumo da vida tornou-se numa máquina bem oleada. A guerra mudou. Soldados com identificação usam armas com identificação e equipamento com identificação. Nanomachines dentro dos seus corpos melhoram e regulam as suas habilidades. Controlo genético. Controlo de informação. Controlo de informação. Controlo do campo de batalha. Tudo é monitorizado e mantido debaixo de controlo. A guerra mudou. A era da dissuasão tornou-se na era do controlo…tudo para evitar as catástrofes das armas de destruição massiva. E aquele que controla o campo de batalha…controla a história. A guerra mudou. Quando o campo de batalha está debaixo de completo controlo, a guerra torna-se rotina."
"A guerra mudou. Não é mais sobre nações, ideologias ou etnicidade. É uma interminável série de batalhas proxy lutadas por mercenários e máquinas."
Neste memorável momento da história da série, temos o bravo e icónico soldado a surgir com um aspeto mais velho devido a efeitos secundários do processo de clonagem do qual ele e o seu irmão resultaram. Esta "cópia" do melhor soldado de todos os tempos abre o novo jogo com um monólogo que de uma assentada aborda toda a panorâmica da nova realidade e ainda toca ao de leve nos anteriores jogos da série. Claramente Kojima a dizer que este é o início de uma carta de amor aos fãs mas que todos os novatos se iam sentir bem-vindos. Ao mesmo tempo ficávamos com a clara impressão que estava prestes a começar uma jornada emocional envolta em fortes contornos cinematográficos e que as imagens de Snake prestes a cometer suicídio iriam perseguir os jogadores como uma incessante dúvida até ao final. O tom melancólico com que Snake vai falando mais parece o de um soldado que já perdeu o gosto pela vida e está cansado de repetir o mesmo sobre o mesmo.
A passagem de cinemática para jogabilidade é outro dos espantos que MGS4 certamente causou a qualquer um que lhe tenha tocado em 2008 e foi um dos destaques do jogo, o reforço do envolvimento entre as icónicas cinemáticas com o jogo controlado pelo jogador. A resultante sequência inicial de luta num ambiente preenchido por Gekkos também servia para desde logo Kojima dizer aos jogadores que estes poderia jogar à sua maneira, um ritmo mais frenético ao jeito dos jogos de ação que iam saindo do Ocidente poderia ser procurado mas a vertente furtiva estava toda lá e premiava mais o jogador e dava maior realce à jogabilidade do produto.
A jornada de Snake no Médio Oriente fez com que conhecesse um campo de batalha controlado por companhias militares privadas contratadas por quem quer que tivesse dinheiro para pagar, fazendo com que a razão e os valores morais ficassem para segundo plano. Ao lado de Metal Gear Mk.II, um pequeno robô controlado à distância por Otacon (e que o próprio jogador podia controlar) fomos percorrendo ruelas de uma cidade destruída e basta olhar para os noticiários atuais para ver que MGS4 pode ser assustadoramente real em certos momentos. Meryl Silverburgh e o seu grupo Rat Patrol 01, e Naomi Hunter são alguns dos personagens de destaque que vamos conhecer e apresentam o regresso de personagens icónicas na série, quase como se regressassem para o final da série. Por outro lado temos novas personagens como o misterioso e caricato Drebin que deixaram a sua marca e que mostravam a pertinência de Kojima neste seu mundo e até no recriar de um tom credível para a sua guerra.
"A passagem pela Europa foi dos momentos mais especiais a nível pessoal pois representou algo verdadeiramente diferente na série e com todo um apelo singular e único."
Neste seu plano para roubar a rede de inteligência chamada Sons of the Patriots que lhe iria permitir controlar qualquer pessoa injetada com nanomachines, e assim tornar-se dono supremo e absoluto de qualquer campo de batalha, Ocelot reuniu quatro diferentes grupos de PMCs cada uma com o seu líder, o que significa um boss para Snake enfrentar. The Beauty and the Beast Unit era uma espécie moderna da Unidade Cobra de MGS3 e aqui o jogador ia conhecer mulheres afetadas e traumatizadas pela guerra que operavam com o auxílio de equipamento especial que lhes conferia habilidades especiais e aparências a lembrar animais. Os seus confrontos representaram momentos especiais no jogo mas infelizmente um pouco pálidos comparados com outros jogos. Talvez o destaque maior seja mesmo Praying Mantis já perto do final do jogo.
Snake viaja do Médio Oriente para a América do Sul, depois para a Europa de Leste, até ao emocionante regresso a Shadow Moses do primeiro MGS. Todas estas zonas representam oportunidades de jogo únicas e todas elas usufruem dos novos elementos nas mecânicas de jogo de forma bem diferente. Em separado conseguem personalidade própria e em conjunto fazem deste um pacote diversificado talvez e forma como nenhum outro jogo na série. Se no Médio Oriente o jogador ia tomando conhecimento da forma como o jogo estava elaborado, especialmente no uso da componente furtiva e do comportamento dos inimigos, com especial destaque para o fato Octo-camo que nos dava praticamente em tempo real novas camoflagens, um dos pontos altos e icónicos deste jogo, já a América do Sul nos mostrava como as mesmas bases podiam oferecer experiências diferentes. Também nos deu segmentos que mostravam a forma final das ambições de Kojima, a de um campo de batalha aberto, ativo e dinâmico no qual o jogador decidia se queria ser parte ou se preferia manter-se à parte.
A passagem pela Europa foi dos momentos mais especiais a nível pessoal pois representou algo verdadeiramente diferente na série e com todo um apelo singular e único. Quase como se toda a tecnologia ficasse de lado e passássemos para um jogo de espiões em toda a sua glória. Debaixo da cobertura da noite e com sombras por todo o lado, Snake procurava não ser visto até encontrar o seu objectivo até que um confronto de larga escala se tornava inevitável. Era Kojima a mostrar um pouco mais do seu mundo fora de uma zona devastada pelos confrontos. As restantes sequências, Shadow Moses e Outer Haven (a base secreta de Ocelot) são também elas em si singulares.
Como referido, pelo meio o jogador conhecia momentos incríveis, assistia a cinemáticas cativantes e ia enfrentado diversos bosses com toda a pompa Kojima. Com um fato que nos permitia ser como um camaleão, a possibilidade de comprar e melhorar armas, a gestão da psique de Snake, a câmara na terceira pessoa em tons mais imersivos e a possibilidade de disparar tanto na terceira como na primeira pessoa fizeram com que MGS4 se sentisse um jogo atual e motivante. O jogador ia conhecendo as diversas formas com que Kojima o desafiava e sentia-se imerso num novo ambiente que queria desafiar e pelo qual queria ser desafiado. Claro que nem tudo resultava tão bem quanto desejado e alguns movimentos não tinham o brilho de outros mas no geral estávamos perante um produto altamente competente e satisfatório.
Então se assim o é porque digo que este não conseguiu o brio de outros títulos? Aqui entra a visão pessoal sobre o trabalho artístico da equipa e principalmente sobre o excessivo abuso das nanomachines como responsável. Sempre acreditei que Kojima foi sincero quando dizia que dado jogo seria o seu último na série, especialmente o terceiro. Também acredito que uma série destas é demasiado preciosa para se perder e a Konami sabia, o que deve ter forçado Kojima a regressar, especialmente com os pedidos dos fãs. No entanto, para acertar todos os pontos soltos, Kojima foi provavelmente forçado a encontrar explicações para praticamente tudo e foi forçado a responder até a coisas que devia ter criado apenas como brincadeiras para os fãs, que pensou nunca ter a vir que responder.
"Transportar a maior parte das mecânicas de jogo da série Metal Gear Solid para um formato que permitia ser jogador em multijogador foi verdadeiramente fascinante."
Acredito que o mito que se gerou em torno da presença de Vamp no final do segundo jogo é um desses momentos mas forçado a encontrar uma explicação, Kojima pode ter entrado num dilema artístico e encontrou uma desculpa "fácil". Muitos acreditam que tudo foi um plano engenhoso desde logo montado mas tal não me parece. Enquanto considero extremamente oportuno tudo o que foi criado em redor do envelhecimento e cansaço de Snake, o mesmo não considero para o regresso de Vamp (especialmente este ponto), a "nova" e dominadora, até manhosa, Naomi e todo o comportamento de Otacon ao longo do jogo em momentos chave. O desenlace de personagens como Meryll também não foram propriamente dos mais felizes e enquanto no seu expoente cinematográfico e como novela bélica MGS4 é um expoente, já no desfecho, motivações e consequências que encontra para a maioria das situações e personagens do passado, presente e até futuro, MGS4 é insatisfatório.
É um equilíbrio que fica estranho porque como um jogo cujo enredo se foca no confronto bélico e no comportamento das sociedades perante a guerra, MGS4 pode mesmo ser equiparado a um grande blockbuster de Hollywood, mas como jogo que pretende fechar a história de um leque icónico de personagens parece mais frágil. Momentos como o confronto de Snake vs. Ocelot mano a mano são fantásticos e muitos outros também o são e é um prazer jogar este jogo mas quando nos dão as respostas que tanto procuramos e durante muitos anos esperamos, até parece que o jogador é intelectualmente gozado por um homem que aprendeu a respeitar ao longo dos anos.
Neste Verão de 2008 Metal Gear Online também serviu para fazer as delícias de quem chegava da praia para passar algum tempo em redor do seu sistema de jogos favorito. Transportar a maior parte das mecânicas de jogo da série Metal Gear Solid para um formato que permitia ser jogador em multijogador foi verdadeiramente fascinante. Durante meses objeto de exploração, a procura de novas armas, melhores comportamentos e criação de estratégias foi sendo alimentada. Pena os problemas no lag, na ligação aos servidores e ainda os sérios problemas de comunicação que iam afetando o online na PlayStation 3 caso contrário este poderia ter sido um elemento ainda mais importante do pacote.
Atualmente, em Julho de 2012, Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots voltou novamente às luzes da ribalta e pelos melhores motivos. Em Agosto o jogo vai ser atualizado com a inclusão de 34 troféus, como parte das comemorações dos 25 anos da série, o que vai fazer com que volte a rodar em muitas consolas e uma nova versão de baixo custo vai chegar ao Japão e vai permitir instalar por completo todo o jogo no disco da consola. O que isto significa é que de uma vez só vamos ter nova motivação e zero de frustração, aqueles longos períodos aborrecidos e inexplicáveis sempre que queremos alternar entre zonas vão deixar de existir e o jogo vai poder ser desfrutado como sempre deveria ter sido.
Como um todo MGS4 é um produto de extrema qualidade e os seus pontos fracos podem ser bem uma questão de opinião pessoal e de expectativa pessoal em relação ao mesmo. O enredo que parece levianamente culpar as nanomachines por tudo torna-se quase um crime e um insulto para este fã da série mas o gosto que dá ser jogador contrapõe e motiva. Pena essas tais instalações obrigatórias intercaladas que cortaram bastante o ritmo e fluidez da experiência como um todo e que não permitiram que se tornasse em algo bem mais do que já é, e é maravilhoso. Em muitos aspetos MGS4 estava claramente à frente do seu tempo mas noutros tantos estava claramente atrás do seu tempo.