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Master Detective Archives: Rain Code - Review - Organização à margem da lei

Labirintos misteriosos.

Mistério e crime numa cidade chuvosa e repleta de labirintos misteriosos. Enceta algumas mecânicas refrescantes, ainda que simples, com personagens admiráveis e sequências de comprovação ritmadas, às quais se torna desnecessária a tendência para a repetição e sequências de diálogo mais forçadas.

Não é tarefa fácil esta a de Master Detective Archives: Rain Code, em superar o legado da série Danganronpa. Ainda que partilhando muitos produtores e artistas, entre compositores e designers, sobretudo da Spike Chunsoft, é o esforço colaborativo com a Tookyo Games que ajuda a imprimir uma estética e um design entravados de fantasia negra. Percebe-se o interesse dos produtores em abrir a janela a um mundo frio e chuvoso lá fora, esse espaço carregado de sombras e matizes opacas, sob o efeito das luzes de neon da cidade e por onde tendem a movimentar-se criminosos e a serem cometidas profundas atrocidades. Não há qualquer tentativa de abrandar o comboio em marcha, em suster uma produção que se povoa depressa por criaturas maléficas e plots de jovens detectives remetidos para arrecadações e espaços onde o macabro prevalece e os mistérios refulgem nas mentes como puzzles ou pesadelos.

Talvez o ritmo lento, demasiado lento, com que esta narrativa se forja, por vezes com diálogos a tocar a ingenuidade dos protagonistas e uma tentativa escusada de explicar demasiado quando se justificava concisão e avanços, promova uma concentração de cenas sobre as quais se aplicaria algum corte de gorduras. Os inúmeros “plot twists” perturbam a concentração no essencial e precipitam várias possibilidades ao ponto de nada ao redor do jovem protagonista e detective amnésico parecer sustentável. É um quadro típico dos jogos de mistério e resolução de crimes, lançar a dúvida na perseguição da próxima pista e desfazer as poucas convicções formadas. As reviravoltas e as descobertas conduzem por seu turno a novas tramas e enredos, uma fórmula que entra em loop, tornando quase impossível, a dada altura, unir as pontas, pelo que mais vale seguir o fio narrativo até ao próximo capítulo. É um excesso a que se dão algumas produções do género, sem excepção em Master Dectective Archives: Rain Code.

Os protagonistas - algo excêntricos e desmesurados - assumem determinadas particularidades, possuem distintivos poderes especiais qualificados como fortes, e como que passam por diversas fases ao longo da narrativa. Por exemplo, Yuma Kokohead, o protagonista, é uma sumidade nas funções de detective, no seu melhor capaz de deslindar casos como um batido Perry Mason, ainda que a princípio duvide, como jovem aprendiz, das suas capacidades e revele alguma ingenuidade e desconheça o passado e tudo o que o rodeia por força de um estado amnésico. Shinigami, um divertido e hilariante fantasma púrpura que o acompanha por força de um contrato que só Yuma vê e escuta, transforma-se numa beldade de generoso peito, longos e encaracolados cabelos e apreciáveis proporções corporais quando entra no labirinto misterioso. É numa viagem de comboio até à cidade Kanai Ward, que acontece a primeira grande fase de investigação e onde os poucos passageiros, também eles detectives, são liquidados à excepção do protagonista, tornado como assassino.

Os labirintos misteriosos oferecem o maior desafioe os momentos mais dinâmicos.

Sob as mãos da corporação Amaterasu, Kanai Ward é uma cidade segura pelas mãos dos “peacekeepers”, a estranha força de segurança disposta a manter os seus cidadãos sobre controlo, à margem de qualquer tentativa de infiltração da organização mundial de detectives, da qual Yuma Kokohead e um punhado de intrépidos detectives fazem parte, arriscando a presença naquele espaço com a própria vida. O objectivo desta organização é resolver os mistérios que pairam pela cidade e acabar com aquela persistente chuva. Mergulhada nas trevas, fria e chuvosa, as luzes de neon emprestam à cidade alguma luz. As pessoas circulam como que fechadas sob os seus guarda-chuvas. Há lojas, hotéis e um sentido de urbanidade típico de um distrito imaginário de Tokyo. Como espaço tridimensional, apresenta uma configuração horizontal, graças aos vários distritos unidos por ruas e pontes e alguma verticalidade através das escadas de acesso aos pisos superiores dos edifícios. A sua exploração é aprazível.

Os capítulos sucedem-se, ainda que a extensão de cada um seja bastante generosa, composta por várias fases e momentos da investigação, até ao seu epílogo sob a forma do preenchimento de um livro eivado de provas e documentos incontestáveis. Existe alguma liberdade de circulação e até uma espécie de missões secundárias, a resolver entre e durante os capítulos, cujo êxito é determinante para a melhoria das capacidades do protagonista. Muitos objectos ou coisas passíveis de contacto garantem pontos de experiência que podem depois ser trocados por uma melhoria das habilidades, uma componente essencial, próxima de um jogo de role play e vital a fim de manter o protagonista com capacidade para esgrimir argumentos contra os rivais. Por isso é essencial vasculhar tudo e conferenciar com as personagens. A dificuldade que daqui se levanta é que muitos dos diálogos sentem-se previsíveis e demorados. É notável que a produção tenha optado por manter as vozes das personagens, num bom trabalho de adaptação ao inglês, mesmo em diálogos secundários, numa tarefa bem árdua dos actores mas que resultou bem.

A cidade onde chove sempre. | Image credit: Too Kyo Games

Yuma e Shinigami não estão sós em toda a campanha. Resolvem juntos grande parte dos mistérios, relacionam-se como dois seres distintos. Ele algo ingénuo mas perspicaz, enquanto que Shinigami é bem humorada e sempre disposta a dar dicas e a melhorar a situação do jovem detective. No entanto ambos acabam por se envolver com outros detectives da organização mundial, recolhendo muitos benefícios ao nível da examinação de provas, através de poderes e habilidades especiais, os designados fortes. A contribuição com estes poderes nem sempre está disponível, depende de uma série de circunstâncias e do momento do caso. Encontrar sinais de vida num raio de 50 metros ou adoptar uma forma holograma capaz de atravessar paredes sem ser detectado, são algumas das valências usadas pelos outros detectives e que o próprio Yuma e Shinigami poderão aceder para resolver os mistérios. Há uma grande variedade de poderes e a sua utilização, em contextos específicos da investigação do crime, surtem efeito.

A maior alteração dá-se quando a dado momento da investigação, ocorre a passagem do mundo real para o designado labirinto misterioso. Para além da transformação de Shinigami numa beldade, o ambiente algo onírico parece tomar formas e ajustes às fases de resolução do mistério. Estas fases têm tanto de interessante nas suas mecânicas, com alguma desenvoltura, como ao mesmo tempo se mostram simples. A descida ao labirinto supõe uma pausa no tempo no mundo real. No entanto, Yuma e Shinigami continuam a conversar e a tentar extrair observações e provas, muitas delas já abordadas no mundo real. É impossível não olhar para este segmento sem ver um exagero das mesmas notas e comentários tirados ao longo da investigação, para além do resumo final, uma espécie de recapitulação da matéria dada.

Nestes duelos os suspeitos adquirem formas bad ass.

A adição de quick time events, escolha de caminhos ou acções rápidas contra o adversário e suspeito do crime, surpreendem em alguns momentos, criando uma aparente ideia de diversidade de mecânicas. Mas muitas vezes a sua simplicidade e constante recriação não anula uma repetição algo escusada e prolongamento forçado do mistério. Numa espécie de mano a mano através de sentenças num Death Match em ringue, uma abordagem algo punk e metaleira dos suspeitos, estes são confrontados com as soluções chave, contrariando através de um golpe de espada com a solução correcta determinado argumento. Aqui os argumentos dos suspeitos ganham “gravitas” e infligem mesmo dano em Yuma se não se desviar a tempo. A dificuldade está muitas vezes em escolher a solução correcta para o argumento passível de contradita. Sem sucesso o adversário volta a lançar os argumentos. Eventualmente será descoberta a solução, nem que seja por tentativa e erro.

Entre os puzzles mais bizarros e insólitos está aquele na qual Shinigami é transportada para o interior de um barril em movimento, no qual há letras para acertar formando a resposta à pergunta. É dado um tempo limite que desce sempre que é desferida uma estocada sobre uma letra errada. Outra situação insólita ocorre quando Shinigami corta o pescoço a Yuma e o sangue projectado na parede revela uma questão sobre que caminho tomar. Estas mecânicas e puzzles oferecem alguma diversidade mas a breve trecho entram numa espécie de reciclagem e adaptação ao mistério e suspeito, para lá de um prolongamento demasiado forçado. Há mistérios que duram em demasia, perdidos em demasiadas sequências de conversa que abordam pistas já consideradas, para além do resumo final.

Se a estética, o desenho das personagens, a arte e o ambiente de Kanai Ward são convincentes, do ponto de vista do desempenho detectam-se algumas quebras de “frame rate”, sobretudo na caminhada pela cidade. Alguns loadings também são demorados e há passagens em que algumas aproximações a objectos ou personagens revelam menos texturas. Ainda assim e para o tipo de proposta que se propõe construir, no universo de jogos de mistério e crime, este título consegue entreter e proporcionar um desafio consistente, com uma aprazível variedade de mecânicas e segmentos de dicas e pistas, mesmo que estas na sua maioria se mostrem de grande simplicidade. Porém, falta-lhe o equilíbrio desejável entre os momentos mais vagarosos de investigação com o ritmo acelerado do labirinto misterioso, ao ponto de proporcionar uma experiência melhor ritmada e mais cativante.

Prós: Contras:
  • Narrativa recheada de plot twists
  • Labirintos misteriosos
  • Conjugação das habilidades dos detectives
  • Vozes em inglês
  • Produção artística
  • Simplicidade de algumas mecânicas
  • Resumos de resolução demasiado alargados
  • Algumas sequências de diálogo previsíveis e demoradas
  • Loadings e algumas quebras de frame rate

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