Middle-earth: Shadow of Mordor - Análise
Divertido, mas longe de ser épico.
Houve uma sensação imediata de déjà vu quando comecei a jogar Middle-earth: Shadow of Mordor. Não foi por ter algum conhecimento do universo de Tolkien nem por adorar a trilogia Lord of the Rings, mas antes porque joguei anteriormente vários títulos da saga Assassin's Creed. Não há como negar que a jogabilidade é quase idêntica, ao ponto que um dos ex-produtores de Assassin's Creed II chegou a acusar que Shadow of Mordor usava o código e recursos do seu jogo, acrescentando que merecia ser mencionado nos "Agradecimentos Especiais" nos créditos finais.
As parecenças estão visíveis em todos os momentos. A forma como a personagem se movimenta, as animações usadas na subida de estruturas, as mecânicas de Stealth, uma visão especial que salienta os inimigos e itens ao nosso redor, e o combate estão muito próximos de Assassin's Creed. Como dito por alguns, a imitação é a melhor forma de elogio. Ao longo dos anos a Ubisoft desenvolveu uma jogabilidade distinta para Assassin's Creed e que conquistou milhões de fãs, mas nunca pensei que seria uma boa ideia aplicá-la a um jogo inserido no universo de Tolkien. Neste sentido, Shadow of Mordor pode ser visto como uma surpresa. Os produtores aproveitaram a jogabilidade de outro jogo, aplicaram-na num contexto diferente e resulta.
Middle-earth: Shadow of Mordor oferece diversão imediata, isto se decapitar Uruks (uma raça avançada de Orcs) encaixa na vossa definição de diversão. Quando mais jogava, mais evidente se tornava que estava perante guilty pleasure. A violência é excessiva e extremamente gráfica, mas admito que fazer frente em combate a dezenas de Uruks, e no final ser o único de pé, foi incrivelmente divertido e satisfez o ego. Aliás, inicialmente despendi de mais tempo a caçar os Warchiefs do que propriamente a completar as missões para progredir na história.
Se por um lado há demasiadas parecenças com Assassin's Creed, por outro, graças ao sistema Nemesis, Middle-earth: Shadow of Mordor consegue ser original. A qualquer momento, existem sempre vários Capitães e Warchiefs que lideram o exército de Uruks, e estes são os adversários mais formidáveis que vão encontrar. Cada um tem os seus pontos fortes e pontos fracos em combate e não só, a aparência e personalidade destes Uruks são únicas. Um deles acabará por se tornar o vosso Nemesis, que será aquele que vos conseguir derrotar mais vezes.
Este sistema vai mais além e dá-nos algo que gostaríamos de presenciar em mais jogos, que é a capacidade destes Capitães e Warchiefs interagirem connosco com base em encontros prévios. Por exemplo, ao enfrentarem novamente um Uruk que vos tenha derrotado, este relembrar-vos-á imediatamente disso. As interações aqui referidas não são mais do que simples frases proferidas no início dos combates, mas ainda assim é refrescante verificar que as personagens têm memória.
A lista de Capitães e Warchiefs é dinâmica e altera-se ao longo do jogo. Sempre que morrem a enfrentar um destes adversários, é ativada uma luta por poder e alguns Uruks sobem de estatuto e de nível, e tornam-se mais difíceis de derrotar, enquanto outros são assassinados pela sua própria espécie. Mais tarde, já perto do final da história, vão ganhar a habilidade de controlar Uruks e com isto surge a oportunidade de influenciar a lista Capitães e Warchiefs. Com algum esforço, um Uruk controlado por vocês poderá receber o estatuto de Warchief. Depois, poderão invocá-lo sempre que precisarem de ajuda.
O combate deixou uma impressão muito positiva e também é perceptível influência dos jogos Batman Arkham. Embora inicialmente bastante simples, o combate ganha variedade à medida que desbloqueamos pontos para comprar novas habilidades para Talion, o protagonista e um Ranger, tal como Aragorn. Os momentos altos dos combates são as execuções. A cada oito golpes consecutivos desbloqueiam a oportunidade de acabar com um Uruk de forma tão violenta que até nos dói. Para eliminar os adversários distantes, Talion tem o seu arco de flechas espirituais, habilidade especial que ganhou quando o seu corpo ficou unido ao espírito de um antigo e poderoso elfo.
Acrescentando ainda mais variedade à jogabilidade, terão a oportunidade de montar feras como as Caragors (criaturas muito parecidas com os Wargs) e os gigantes Graugs. Todas estas possibilidades sobressaem sobretudo quando enfrentamos os Capitães e Warchiefs. Alguns morrem de medo de feras como as Caragors, outros têm medo do fogo e também há aqueles que temem ser traídos pelos seus seguidores. Nas missões em que há liberdade para tal, aproveitando tudo isto podem perfeitamente abordar a mesma situação de diferente forma.
Falta referir que há personalização nas três armas de Talion - uma espada, um arco e um punhal. A personalização não acontece ao nível estético mas nos poderes. Ao derrotarem Capitães e Warchiefs, por cima do corpo ficará a pairar um poder para absorverem. Depois, poderão equipar este poder para a respetiva arma, mas há um limite de cinco poderes por arma. Ao usar este sistema, podemos facilmente tirar partido dos elementos que mais gostamos da jogabilidade e adaptar o jogo à forma como gostamos de jogar.
Curiosamente, Middle-earth: Shadow of Mordor torna-se aborrecido quando começamos a saborear o que costuma ser o "prato principal", as missões da história. Desde a apresentação da personagem, que foge um pouco para os lados do genérico, ao próprio desenvolvimento do enredo, que há um crescente desinteresse. A cada missão da história que iniciava, não via a hora de chegar ao fim. Pelo lado positivo, só existem 20 destas missões, pelo que não terão que desperdiçar muito tempo com elas. Para compensar, não há falta de missões secundárias e outros objetivos para completar. Se gostam de explorar tudo a fundo, Middle-earth: Shadow of Mordor tem muito para oferecer.
O universo de Tolkien é riquíssimo (vai muito além da trilogia Lord of the Rings) e repleto de histórias épicas para serem adaptadas a outros meios que não sejam uma página de papel. É, portanto, uma desilusão que Middle-earth: Shadow of Mordor falhe redondamente em atingir contornos épicos e que a história não seja um dos seus pontos fortes. O potencial existe, e temos até personagens dos filmes, como Smeagol (ou Gollum) e Sauron, mas no final, tanto as personagens com o mundo foram mal aproveitados. Em última instância, o título que carrega, Middle-earth, serva apenas para dar visibilidade e alguma familiaridade aos consumidores.
Adiante, sentimos falta de uma identidade mais forte, um problema inerente quando um jogo se baseia tanto na jogabilidade de outro. Com o brilhante sistema Nemesis e tudo o que daí advém, a Monolith Productions provou que consegue ser original e criativa, o que nos conduz à questão, porque não aplicar a mesma originalidade e criatividade nas outras áreas? Como referido logo no início, a jogabilidade de Assassin's Creed resulta surpreendentemente bem neste contexto mas o resultado final poderia ser ainda melhor se houvesse originalidade neste campo.
"Middle-earth: Shadow of Mordor surge como uma proposta altamente divertida, sendo capaz de entreter-vos durante várias horas a fio"
Depois de várias horas jogadas, começa-se a sentir alguma repetitividade. A jogabilidade é variada e com muitas possibilidades, mas está condicionada pela estrutura básica das missões. Esta falta de equilíbrio na balança acabou por impedir que Middle-earth: Shadow of Mordor voasse mais alto. Por vezes, consegue surpreender verdadeiramente, enquanto em outras ocasiões, claramente não cumpre o mesmo padrão de qualidade. Dependendo da diversão que retiram exclusivamente da jogabilidade, esta falha poderá ser ignorada, mas da nossa parte, gostaríamos de ter visto missões mais elaboradas e com capacidade para impressionar (um exemplo é a missão final, que deixa a desejar como o culminar da história).
Graficamente, Middle-earth: Shadow of Mordor apresenta-se como um dos jogos que tira bom partido do hardware das novas consolas. A área de jogo é composta por duas relativamente grandes áreas de jogo, mas a qualidade visual não foi comprometida. Quando chove, as texturas reagem ao escorrer da água assim como a roupa de Talion, e a vegetação move-se ao sabor do vento. Diria até que o jogo "sofre" por estar inserido em Mordor - local sempre rodeado de nuvens cinzentas e com poucos pontos de interesse - o que impossibilitou os produtores de criarem paisagens mais belas (o segundo mapa tem paisagens melhores e mais coloridas).
Middle-earth: Shadow of Mordor surge como uma proposta altamente divertida, sendo capaz de entreter-vos durante várias horas a fio desde que não tenham um código ético contra matar Uruks sem fim, seja fãs ou não de Tolkien. O sistema Nemesis e a jogabilidade diversificada são as suas mais valias (embora esta última se inspire demasiado em Assassin's Creed), no entanto, ainda há espaço para melhorar e falhas que o impedem de alcançar a excelência. Se a Warner Bros. tem intenções de transformar Middle-earth numa série, recomenda-se sobretudo que aproveite melhor o universo de Tolkien e que faça esforços para que uma possível sequela assuma contornos mais épicos.