Mobile Gaming e a Square Enix
Pérolas escondidas como Demons' Score.
Na sua maioria, os videojogos mobile são conhecidos como experiências casuais, imediatas e sem grande profundidade. Algumas delas conseguiram erguer acima desse estigma e até conquistar para si géneros específicos que satisfazem. Alguns jogos conseguiram até transformar-se em sucessos mundiais com esquemas de jogo apenas possíveis nos sistemas tatéis e sem os custos de desenvolvimento que uma plataforma dedicada obriga. Frequentemente pensamos porque não estão estes jogos na Nintendo 3DS ou na PlayStation Vita mas quando é noticiado que desenvolver na Vita, por exemplo, é tão dispendioso quanto desenvolver na PlayStation 3, facilmente percebemos porque as editoras procuram estes formatos mais baratos e até mais rentáveis.
Ao longo destes últimos 4/5 anos a forma como olhamos para os videojogos mobile mudou radicalmente e temos agora muito mais do que um aparelho portátil que corre aquele jogo em que os pássaros voam de uma fisga. Claro que sucessos imediatos como Flappy Bird e todos os seus clones ainda são o prato do dia mas agora temos editoras a arriscarem exclusivos, que podem ou não servir como complementos a produtos para as consolas dedicadas (Assassin's Creed: Pirates por exemplo), existindo ainda verdadeiras pérolas que ficam esquecidas ao olhar da maioria.
No meio de todo o mar de jogos casuais, gratuitos, freemium, ou simplesmente perante a ideia que o iPhone e o iPad são aparelhos que os pais têm que partilhar com os filhos e facilmente ficam preenchidos de jogos infantis ou com aplicações de gatos que falam, existem videojogos que dão aos iOS/Android o tom de uma plataforma dedicada. Experiências tão diversas e até surpreendentes que poderiam facilmente existir numa dedicada, não fosse a diferença entre custo-rentabilidade um dos pesos máximos.
O jogo que me levou a escrever este artigo é nada mais e nada menos que Demons´ Score. Lançado a 18 de Setembro de 2012 por €5.99, facilmente percebemos porque este foi um jogo descartado pela grande maioria. Longe do preço padrão iOS de €0.89, era difícil perceber se estávamos perante um exemplo da louca política de preços da Square Enix ou se era já uma forma de separar os produtos premium dos produtos ditos normais.
O que é certo é que DS é um produto vindo do iNiS, estúdio responsável por Elite Beat Agents da Nintendo DS, logo não é de espantar que este seja um jogo de ritmo e ação no qual a música é um dos principais destaques. DS é o mais perto que posso encontrar de clássico de culto iOS, caso tal existisse, pois estamos perante um produto tem tanto de ultrajante como de fascinante. Imaginem que House of the Dead era protagonizado por Bayonetta com todo o humor inteligente ou irreverente de Elite Beat Agents e começam a ter uma pequena ideia do que foi aqui criado.
Tudo é muito simples, ou talvez não. Como se fosse uma carta de amor a jogos dos salões de arcada do final dos anos 90, DS tem um enredo e um cenário tão cheesy quanto o mais poderoso dos filmes série B. Serenity é uma jovem que perde o contacto com o seu pai e decide visitar o Asilo de Salem , onde ele é médico, para descobrir como ele está. Ao chegar lá encontra um local destruído e segundo David lhe explica, o ursinho de peluche falante e voador que encontra, ela terá que eliminar os demónios que assombram o local.
Ora sem qualquer problema. Serenity recebeu uma aplicação para smartphone que lhe foi enviada pelo seu pai e esta dá-lhe a oportunidade de controlar os demónios que entram no seu corpo. Com a aplicação Demons' Score, Serenity voa pelos níveis até encontrar o boss final que quando derrotado fica à sua mercê. Para lá chegar, voamos pelos cenários ao som de poderosa música enquanto tocamos no momento exato num local específico do nosso ecrã. Tudo muito simples tal como um jogo de ação e ritmo exige.
O maior trunfo de DS não é propriamente o aclamado uso do Unreal Engine, por muito que este ajude a tornar os visuais do jogo bem agradáveis, o melhor trunfo é mesma a música do jogo que combinada com o enredo fazem deste jogo quase obrigatório para qualquer um que goste de algo diferente. Rapidamente a ação torna-se monótona (voar por um corredor tocando no ecrã para derrotar os inimigos em Easy para depois aceder a Normal para chegar a Hard que é onde começa a diversão) mas quando chegamos ao boss tudo fica perdoado.
Existem aqui momentos preciosos, voice-acting que nos deixa sem saber se devemos rir ou chorar mas com a certeza que todo o enredo é tão mau que se torna bom. O jogo não tem qualquer medo de brincar consigo mesmo, não tem medo de ser ridículo e o visual mais "sério" é uma fachada para humor inteligente e despreocupado. Apesar da gameplay deixar espaço para ser melhor e mais envolvente, é tudo o que está à sua volta que acaba por conquistar.
Como já referi, a sua banda sonora é o seu maior trunfo e tal é fácil de perceber tendo em conta os diversos nomes que aqui trabalharam. Naoshi Mizuta, Hiroki Kikuta, Yoko Shimomura, Kenichi Maeyamada, Kenji Ito, Hidenori Iwasaki e Ryo Yamazaki são alguns dos compositores da Square Enix que contribuíram para esta diversificada banda sonora. Tendo em conta que temos talento vindo de séries como SaGa, Front Mission, Final Fantasy, Kingdom Hearts ou SoulCalibur, facilmente percebemos que existe ritmo, intensidade, fervor e paixão nos temas aqui propostos.
Contem com a iNiS para saber com os transformar em experiências de jogo que valem a pena. Particularmente pela forma como estão associados aos bosses de final de nível e a como representam a sua personalidade, refletida nos diálogos incríveis. Desde o cliché ao estranho, desde o arrepiante ao funk, aqui há de tudo. A sensação é mesmo essa, a de jogar House of the Dead (os da Dreamcast) num aparelho móvel com uma banda sonora incrível.
O verdadeiro problema de Demons' Score começa quando desbloqueamos novos demónios e os queremos utilizar. A música do nível muda, a voz de Serenity muda, a sua personalidade muda e a sensação de monotonia é fortemente afastada, logo só temos a ganhar. Na verdade, um dos elementos mais fulcrais da gameplay é arruinado pela política da Square Enix que apenas nos dá acesso gratuito a dois fatos. O resto teremos que pagar.
Para um jogo que custava na altura €5.99 ter que pagar perto de €2.69 por cada fato/demónio desbloqueado foi uma sensação ultrajante. Isto acabou por deitar por terra todas as aspirações que o jogo poderia ter. O iNiS não merecia ver o seu jogo arruinado pela Square Enix mas a verdade foi essa. O preço inicial tornava a aposta arriscada mas o dano maior viria depois o que é uma imensa pena.
Quase dois anos depois fica um jogo que ocasionalmente poderá ser adquirido a baixo preço e que os mais curiosos deveriam procurar. Precisam é ter em conta todas as contra-partidas e abordar o jogo com elas em mente. É fácil perceber como seria a experiência caso fosse feita a pensar numa consola dedicada ou caso a Square Enix não tivesse decidido colocar tão feio bloqueio na diversão. Ainda assim fica para a memória.
Mas Demons' Score não está só, existem mais pérolas mobile vindas dos mais consagrados estúdios e editoras Japonesas portanto quem sabe em breve surja aqui mais uma. Com o mobile a tornar-se cada vez mais importante no panorama desta indústria, será interessante ver se uma possível sequela ou mais jogos do género terão possibilidade de existir.
Atualmente Demons' Score está disponível por €4.49 para os formatos iOS e caso queiram saber mais podem-no fazer aqui ou então aqui para o formato Android que custa €17.99.