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Murdered: Soul Suspect - História de Horror na América

Fomos até Salem City passados quatro meses.

Salem é uma cidade célebre pela sua personalidade única. Toda a atmosfera deriva da influência conquistada através dos julgamentos a bruxas em 1692 e desde então tem sido retratada com um tom altamente misterioso e assustador. Certamente que muitos reconhecem o nome para o associar a eventos aterrorizantes com figuras perturbadoras e esta aventura não poderia ser diferente. Por mais singular que seja, Salem parecia uma cidade normal nesta noite até que numa pacata rua a sua essência veio ao de cima e não mais poderia resistir tão frágil disfarce. Um violento assassino em série aterroriza a comunidade e as respostas não existem, apenas mais uma vítima que é atirada de um terceiro andar para a rua. A natureza vil do assassino torna-se ainda mais brutal quando desce à rua para disparar sete tiros no peito da sua nova vítima.

Assim morre, desesperado e sem qualquer hipótese o homem que acabaremos por conhecer como Ronan O'Connor, a mais recente vítima do Bell Killer. No entanto, Ronan não desaparece e torna-se no protagonista desta aventura, torna-se na flecha que irá liderar a investigação criminal sobrenatural para obter todas as respostas sobre este violento assassino, mesmo quando nada parece fazer sentido. Ronan vai vaguear enquanto fantasma para possuir pessoas, interferir nos seus pensamentos e capacidade de raciocínio, e ouvir o que estão a pensar. Tudo isto para descobrir pistas novas em cada local de crime para avançar mais na investigação. Pelo caminho irá conhecer figuras misteriosas, enfrentar demónios que ficaram presos na realidade além da nossa e desvendar um mistério que facilmente apanhará o jogador desprevenido.

Este é o ponto de partida para o último jogo do Airtight Games, Murdered: Soul Suspect que foi lançado em Junho de 2014. Este foi um jogo que deixei escapar na sua altura mas agora, quatro meses depois, decidi viajar até Salem e descobrir até que ponto este produto singular e distinto poderia ser verdadeiramente diferente. Murdered é mesmo diferente da grande maioria dos jogos que tiveram a oportunidade de jogar nos últimos tempos, poderia-o descrever como uma aventura gráfica, um point and click da era moderna, com várias ferramentas próprias baseadas no enredo que acabam por moldar o gameplay.

Na altura do lançamento, Murdered recebeu 5/10 e foi descrito como um produto medíocre com conceitos interessantes (algo que o Metacritic parece demonstrar claramente). Medíocre mas interessante é provavelmente o melhor termo para descrever Murdered, pois na verdade consegue cativar quando menos esperamos. Desde há algum tempo que decidi não mais jogar um jogo no lançamento e salvo raras excepções, assim o tenho feito para perceber se assim que o comboio do hype passa, a capacidade para absorver o produto se torna de alguma forma diferente. Mais proveitosa, mais honesta talvez.

Quatro meses depois, Murdered provou ser um produto singular.

" Medíocre mas interessante é provavelmente o melhor termo para descrever Murdered, pois na verdade consegue cativar quando menos esperamos."

Nos momentos iniciais em que estamos a aprender as mecânicas de jogo e os primeiros pontos do enredo, senti-me como um menino a ler um conto de terror e mistério. Ronan até nem é um protagonista assim tão especial mas toda a atmosfera do jogo e a forma como somos tão violentamente inseridos no mundo de jogo é cativante. O gameplay é altamente simples, teremos que procurar pistas físicas nos locais dos crimes, ou noutros locais desconhecidos, teremos que possuir pessoas para ler o que estão a ler, interferir com os seus pensamentos para encontrar pistas e prosseguir na investigação ou até interferir com as suas acções. Tudo isto porque a ambição é simples: encontrar descanso para a alma de Ronan desvendando o mistério em torno do Bell Killer.

No entretanto, Salem revela-se muito mais misteriosa do que poderíamos imaginar. Ronan terá a oportunidade de ver num só o mundo dos vivos cruzado com o dos mortos e no meio dos vivos temos fantasmas ou espíritos com os quais teremos que interagir para prosseguir. Este factor permite que o lado assustador, responsável pelos momentos de suspense e desconforto estejam presentes no jogo. Envolve o produto numa personalidade bem-vinda enquanto o lado de novela criminal fica para o mundo dos vivos. Nada é o que parece mas ao mesmo tempo tudo é o que revela ser. Será importante seguir o jogo mas isso é fácil porque ficamos encantados com o enredo e com as ferramentas fundamentais do gameplay.

O pior de tudo é quando sentimos que as mecânicas de jogo se tornam rapidamente aborrecidas e que os problemas técnicos são por demais evidentes e que o jogo oscila entre uma fraca qualidade técnica e uma surpreendente qualidade e design artístico. Rapidamente o factor surpresa fica esgotado enquanto no enredo esse dura até ao fim. A investigação criminal rapidamente se torna banal enquanto procurar mais pedaços de história de fundo que dão uma bela forma a tudo o que é suporte ao mundo criado segue no sentido oposto, num sentido satisfatório. Para piorar as coisas, o uso do Unreal Engine 3 quase que nos deixa à gargalha mas não por bons motivos. Pensar em jogos tanto da mais recente geração como na anterior e olhar para o aspecto gráfico e domínio técnico de Murdered e quase ficamos chocados. Sem mencionar o rácio de fotogramas altamente inconsistente.

Tal como Ronan, rapidamente damos conta que saltamos entre dois mundos que na verdade são um só. O medíocre no departamento técnico e na má gestão das fantásticas ferramentas de gameplay, que acabam por rapidamente deixar de impressionar ou agradar, contrastam com o interesse que o enredo ostenta, assim como em tudo o que gira à sua volta para complementar. Existem histórias fantásticas, tenebrosas e arrepiantes para aqui descobrir e o seu maior poder é quando nos envolvemos com o jogo e é estabelecida uma relação connosco. No entanto, não deixa de ser um produto medíocre que nos deixa numa posição ingrata graças a tudo o que de interessante nos oferece.

Ainda assim, diverti-me tanto que até me esqueci que estava a jogar um "jogo de 5/10" e aqui comecei a pensar num outro tópico que sempre considerei pertinente: até que ponto o preço de um jogo deve interferir na apreciação do mesmo? Digo isto porque se tivesse comprado Murdered a €70 provavelmente estaria a dar com a cabeça na parede mas tendo em conta que comprei a versão digital para a PlayStation 4 por €15 numa promoção oficial da Sony/Square Enix, o equilíbrio na balança subitamente ficou completamente alterado na minha cabeça. Este preço permitiu que mentalmente me sentisse muito mais confortável para desfrutar da experiência, livre de quaisquer pressões e exigências.

Frequentemente coloquei imensa pressão num jogo não só movido pelo hype como também pelo factor preço, seja a €70 numa loja nacional ou a €40 via importação, mas agora, sem expectativas de maior, com um valor baixo e com o único intuito de encontrar diversão, consegui terminar Murdered e ficar com uma experiência que vou recordar. Não é um jogo que irá definir o meu percurso enquanto jogador mas é um produto com o qual me diverti o suficiente.

Provavelmente, a maior lição que aprendi é que o preço deverá ser tido em conta pois distingue a capacidade de apostar num produto que desejamos imenso jogar de um produto que apenas nos desperta curiosidade. Isto já todos vocês sabem mas ainda assim fico fascinado com a capacidade de um produto se revelar quando livre das suas principais restrições. Frequentemente percebemos que existe uma clara oposição na forma como vêem um jogo aquelas que o comprarem com dinheiro seu dos que o piratearam. O peso do dinheiro terá sempre um valor muito maior que o físico, o factor psicológico derivado dos euros investidos poderá ser altamente tenebroso para uma equipa de desenvolvimento e é imperativo que isso não seja esquecido, é a forma de darmos o nosso apoio e sermos recompensados.

Murdered: Soul Suspect é provavelmente um produto cujas análises e respectivas notas deixaram uma grande maioria dos jogadores distantes do produto. No entanto, os que o jogaram certamente o vão defender de forma veemente como um produto singular, diferente de tudo o que existe atualmente nas suas plataformas e que merece o tempo e dinheiro dos jogadores. Muitos vão achar difícil investir os euros num produto com tantas debilidades mas os que conseguirem encontrar uma responsável relação entre preço e jogo, vão certamente descobrir que este é um jogo divertido. Será que a diversão não chega?

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