Nier: Quando uma banda sonora faz um jogo
Trabalho esplendoroso de Keiichi Okabe.
Nier é um daqueles produtos singulares, um produto que passou ao lado de muitos mas que nas mãos dos poucos que o conheceram, ficou para todo o sempre. Nier é um produto do estúdio Cavia, desenvolvido para a Square Enix, e para o seu produtor, Taro Yoko, este é efectivamente Drakengard 3, não um derivado como o resto do mundo o vê. Apresentado na E3 de 2009 para Xbox 360 e PlayStation 3, Nier foi ainda um esforço por parte da Square Enix para num só jogo criar um produto que pudesse cativar a jogadores de todo o mundo e assim, este RPG de acção conseguiu apresentar-se como algo único. Olhando para Abril de 2010, altura do lançamento mundial, Nier foi vítima do fervor tecnológico que se instalou na altura, durante o qual apenas os jogos fortes na vertente gráfica e técnica sucediam, onde a criatividade artística parecia ser mero adereço, e não a base que sustenta a essência de um produto.
Tal como o Jorge partilhou na sua análise ao jogo, Nier poderá afastar alguns, principalmente pelo aspecto meio rude e brusco mas quem conseguir absorver todo o esplendor criativo do qual nasceu, irá encontrar um produto que é muito mais do que a sua capa sugere. Nier é um homem de meia idade cuja filha Yonah é vítima de uma terrível doença (relacionada com a morte dos protagonistas do primeiro Drakengard num final alternativo que originou esta história) e vive todos os dias com a missão de a salvar, enquanto ajuda os restantes cidadãos a viver melhor.
Nier poderá ser um pouco confuso ocasionalmente, talvez até apressado, mas a forma como as palavras têm um papel tão importante no jogo, personagens como Kainé ou Grimoire Weiss e ainda todo o enredo do jogo, cheio de momentos de alto suspense que nos deixam mesmo preocupados com os personagens, são autênticos triunfos para quem adora entrar num mundo que só poderia vir de uma mente Japonesa. Digam o que disserem de Nier, existe um elemento que jamais poderá ser contestado e um prémio que jamais lhe será retirado é o de ter uma das melhores bandas sonoras entre qualquer jogo da sua geração.
Keiichi Okabe, responsável pelo Monaca, estúdio de música Japonês, abre logo o jogo com Snow in Summer, um tema que retrata de forma dramática e espectacular a incessante batalha de Nier para salvar Yonah. No que parece ser um segmento infindável de incontornável tristeza, o jogador sente uma inesperada melancolia como se pedisse que o jogo não fosse tão forte em termos emocionais logo na abertura. É nestes momentos que Nier consegue mesmo agarrar o jogador para não mais o largar pois quando damos por ela já caminhamos livremente por montes ao som de Hills of Radiant Winds e o nosso estado emocional muda por completo. A realidade de Nier muda com o nosso estado de espírito pois na verdade apenas somos um reflexo emocional daquilo pelo qual os personagens passam.
Nier é uma jornada de altos e baixos, sempre acompanhados de temas imponentes e mais uma vez temos o que pode ser considerado como algo dramático e imponente para destacar: Cold Steel Coffin é um grande exemplar entre os 43 temas que compõe a banda sonora original. Sempre a saltar entre sons que nos levam a ficar em suspense ou a sentir até alguma tristeza, com outros que nos deixam alegres e leves (caso do tema Song of Ancients que Devola canta quando vamos à taberna). Aliás, também na versão de Popola, Song of the Ancients é um tema incrível que nos transporta para um outro mundo e as palavras soltas (de várias línguas e não uma inventada como originalmente cheguei a pensar, algo recorrente em Nier e altamente característico deste trabalho).
Gods Bound by Rules é um dos temas que mais desejo destacar pois é também uma das melhores formas de representar Nier. Todo o trabalho de Okabe é de louvar mas a forma como o instrumental entra em sintonia com as vozes é um dos seus expoentes. Sentido de forma incrível em mais um poderoso tema. Ao longo dos 43 temas presentes na banda sonora, é fácil perceber que os tons dramáticos intercalam com ritmos mais quentes e esperançosos. Podemos dizer que a equipa que trabalho nesta vertente do jogo tinha ideias bem claras de como interpretar as palavras da equipa de produção do jogo em si.
Kainé/Escape é um dos temas que mais vezes ouvimos no jogo e facilmente se torna numa das formas de o identificar com maior certeza. Além de Yonah e Nier, Kainé será um dos pilares principais do jogo e ao lado de Weiss dos personagens mais caricatos e diferentes que poderão encontrar em qualquer jogo. Vários dos melhores momentos do jogo contam com Kainé e toda a sua história poderá surpreender alguns, apesar de inicialmente poder chocar a forma como entra no jogo. Insultos gratuitos e coisas do género.
Num dos momentos mais altos do jogo, quando já estamos completamente afeiçoados a personagens como o estranho mas doce e prestável Emil, ficamos desesperadamente rendidos enquanto ouvimos algo como Emil Sacrifice. Poderemos ter aqui um spoiler, sei isso e peço desde já desculpa, mas seria criminoso escrever um artigo como este e não destacar aquela que é sem sombra de dúvidas uma das músicas mais tristes presente num videojogo. O jogo de emoções presente em Nier nem sempre é fácil de entender mas é espectacular a forma como passamos por tantas situações estranhas e ao mesmo tempo sentimos esperança.
A banda sonora de Nier foi tão bem elogiada e recebida que originou vários outros CDs, entre os quais um no qual podemos ouvir 15 temas em versões diferentes e algumas delas bem espectaculares. Blu-Bird assum um tom muito mais pesado a cheirar a metal, o piano toma conta de muitos temas e além de uma versão 8-Bit de The Legend of Nier, temos também sons mais electrónicos a tomar conta deste trabalho. Sem dúvida que é uma compra obrigatória para os fãs.
Se tal como eu passaram por este mundo, sabem que o trabalho de Taro Yoko cresce imenso com a ajuda de Okabe e assim que conseguirem ultrapassar a barreira colocada pelas fortes debilidades técnicas, Nier irá crescer e apanhar-vos. Para os que jogaram e completaram Nier, ficaram os personagens, ficou uma mensagem, ficou um mundo e ficou toda aquela imponente obra musical que marca. Para os que não o jogaram e acreditam já não serem capazes de tal, vale na mesma a pena libertar a curiosidade e perceber porque é tão fascinante este trabalho.