O comboio do hype - Watch Dogs 2
Está pronto para arrancar!
"Quando lançamos o primeiro jogo, o desafio foi criar algo que faria com que as pessoas sonhassem com outra coisa."
Watch Dogs deu muito que falar, mesmo muito, e nem sempre pelas melhores razões. Aliás, a dada altura o backlash negativo foi tanto que a opinião geral pós-lançamento era o oposto do que se lia antes do jogo chegar às mãos dos jogadores. Tendo em conta as apresentações gloriosas na E3, tudo o que surgia sobre a nova propriedade intelectual da Ubisoft parecia uma gloriosa maravilha tecnológica que deixava uma geração de jogadores YouTube à beira do êxtase. Quando tiveram o comando nas mãos as coisas mudaram e de compra obrigatória, o jogo passou a ser uma compra com cautela mesmo com fortes descontos no preço.
Watch Dogs foi um dos principais culpados pela mudança na indústria, por esta geração ter tomado a forma actual e possivelmente poderá ser o primeiro da segunda vaga a ditar se mudamos ou continuamos a cair nos mesmos erros. Estamos a cerca de 5 meses da E3, começam a surgir comentários sobre a continuação do original, afinal de contas já estava praticamente confirmada ainda estavam os jogadores de boca aberta pouco depois de tirarem o plástico ao primeiro, e não pelos melhores motivos, e terá chegado a hora de a pouco e pouco ir inserindo na mente dos jogadores que inevitavelmente será apresentado a qualquer momento. Possivelmente chegando em 2016.
A frase com que inicio o capítulo é retirada de uma entrevista de Jonathan Morin (director Criativo do original) que fala como a sequela terá uma ambição ainda maior que a que moveu o original, sim aquela que foi de tal forma elevada que os faz recuar na qualidade da implementação de vários componentes gameplay e até gráficos que viriam a manchar a reputação da Ubisoft de uma forma que Assassin's Creed: Unity e outros apenas vieram infelizmente reforçar.
A controvérsia em torno do original foi tanta que começou a suscitar movimentos que pediam para pararmos com as pré-reservas dos jogos, afinal de contas Watch Dogs levou as edições e conteúdos exclusivos ao extremo. Tudo isto apenas para exemplificar como foi a equipa de marketing e planeamento da Ubisoft que prejudicou Watch Dogs e não o estúdio que o desenvolveu, provavelmente tão vítima das decisões de outros quanto os jogadores que deram o seu dinheiro por uma maravilha. Que mal tinha recebermos apenas um jogo divertido sem compromissos de grandiosidade? Simples, não encheria os cofres a quem de direito.
Está na hora de o comboio do hype para Watch Dogs 2 começar lentamente e um dos primeiros passos foi dado por Morin que descreve algumas das fundações da equipa de desenvolvimento na preparação para o jogo. Claro que o estúdio está debaixo de uma incrível responsabilidade pois Watch Dogs conseguiu agradar a muitos jogadores que esperam ver melhorias. Em Outubro foi confirmado oficialmente que foram enviadas 9 milhões de unidades para as lojas de todo o mundo e muitos que o compraram ficaram fãs pois foram além do desastre das relações públicas e divertiram-se mesmo com os erros.
Morin acredita que o objectivo foi cumprido agora resta saber como: será que criaram algo que deixou os jogadores imersos num outro mundo e distantes do seu dia-a-dia, ou seja, entretidos, ou será que os deixou a pensar como seria se o jogo fosse como inicialmente prometido e sem aqueles erros todos? Claro que fala no primeiro e isso ninguém lhe pode tirar, Watch Dogs é divertido e consegue ostentar uma personalidade própria num género com uma clara referência.
"Quando começas um novo projecto (e uma nova propriedade intelectual), é uma página em branco e tudo o que fazes é o que queres fazer. Numa sequela, existe mais pressão para levar a marcar mais longe e tens agora que apelar aos fãs de formas diferentes." Morin está certo, a era inicial de inocência, descobrimento e mistério para com a série, e até com toda esta nova geração, já desapareceu e os jogadores estão agora mais cautelosos. Já muita informação correu e a ideia que os 1080p60 seria obrigatório numa nova era de tecnologia foi-se desvanecendo para sermos agora mais responsáveis na gestão das nossas expectativas.
Se pertencem ao leque de jogadores que gostaram de Watch Dogs mesmo encorrilhando o nariz aos vários problemas e nem se importaram com o "blah, blah, blah" da Ubisoft pré-lançamento, acredito que ficaram com a distinta sensação que foi o nascer de uma nova propriedade com muito para dar e que certamente o futuro será melhor. Estavam construídos os alicerces para algo genial. Mas agora não existem desculpas ou margens para erros, o próprio Morin reconhece que as expectativas são ainda maiores e que a equipa não pode cometer erros. Tendo em conta Watch Dogs e o ainda mais controverso (se é que é possível) Assassin's Creed: Unity e também, de certa forma, The Crew enquanto medidor da forma como os consumidores encaram agora um jogo Ubisoft, The Division será ainda uma carta muito importante para as expectativas em torno de Watch Dogs 2.
A Ubisoft está a atravessar a corda e não tem rede por baixo para a amparar, os seus jogos estão a desvalorizar rapidamente e a sua reputação está a cair. Corre o risco de as suas propriedades desvalorizarem ainda mais se não reverter esta corrente. "Temos que continuar a correr riscos," diz Morin. "Não trabalharei aqui se não houverem riscos, seria aborrecido. Não te podes impedir de tentar algo só porque é difícil e a solução não é aparente." Watch Dogs 2 definitivamente precisa mesmo de ir mais longe, precisa de concretizar e não apenas idealizar. Ninguém duvida que quem planeou, imaginou, desenhou Watch Dogs eram pessoas criativas e inteligentes, o problema esteve na sua implementação e concretização. A mão não conseguiu acompanhar a cabeça.
Um gameplay ainda melhor, visuais mais competentes, uma história mais envolvente, uma componente multi-jogador ainda mais consistente e mais convincente. Watch Dogs tornou-se naquilo que acredito ser do mais perigoso para um produto: não é que seja mau, não o é, simplesmente poderia ser muito melhor no que faz. Tudo o que faz de bom, poderia ser ainda melhor, é esta a sensação com que fiquei quando larguei o jogo.
Morin declara que não quer preencher muitas falhas narrativas pois quer que os jogadores sintam liberdade para as preencher. Isto poderá ser bom pois frequentemente temos melhores ideias para os desenlaces do que aquelas que nos são apresentadas mas isto indica também que aquela história firme, concisa e directa com capacidade para espantar poderá não estar ainda ao alcance da sequela. A ideia que o gameplay está a ser alvo de fortes considerações no planeamento é bem aparente, e acreditamos que melhorias visuais são garantidas, portanto ficam reticências por enquanto em relação à criatividade e inovação, narrativa ou nas ferramentas de jogo.
O estúdio foi motivado a pensar além do simples, a fugir da ideia de criar mais do mesmo. Objectivo conseguido em grande percentagem do jogo mas tal perde ainda mais glória quando vimos que ideias brilhantes foram manchadas por erros banais. O Ubisoft Montreal é um estúdio com talento comprovado e quando nos dizem que vão aumentar o desafio imposto a eles próprios então têm todo o benefício da dúvida. Morin confessa que o primeiro não foi perfeito e que existe muito espaço para melhorias o que o coloca em sintonia com os fãs.
"Nem sempre vês isto quando lanças um jogo. Entregamos o que acreditamos que a série deve ser nessa altura. Mas depois, quando arrefeces após cinco anos e meio de desenvolvimento e vais de férias, e as pessoas jogam o jogo, certos elementos tornam-se claros. Deixam-te continuar a levar ao próximo nível essa visão com os fãs incluídos agora, o que penso que torna as coisas mesmo interessantes."
A nova pressão é um privilégio e todos os dias Morin visita os fóruns e lê artigos sobre o jogo, para ele e para a equipa é uma forma de melhorar tudo para que a sequela seja melhor. "Se estás a fazer um jogo debaixo de pressão então é um jogo pelo qual as pessoas se preocupam," diz Morin confirmando o que todos sabemos, a controvérsia em torno de Watch Dogs é mais do que conhecida e as razões também por isso está na hora da redenção.
Watch Dogs 2 será mais uma prova de fogo para a Ubisoft mas em especial para a série. Jogos como Far Cry 2 ou Assassin's Creed 2 permitiram que as suas séries crescessem e gerassem milhões para a sua companhia mas temos outros exemplos de como as sequelas podem colocar em causa todo um futuro. Basta pensar nesse tal Devil May Cry 2 e ficamos a pensar no que poderíamos ter perdido quando olhamos depois para o terceiro jogo. A sensação de responsabilidade é enorme pois estes estúdios e companhias pedem aos jogadores para se preocuparem com estas personagens e mundos, pedindo para investirem o seu dinheiro, defraudar depois esses pedidos é um acto de crueldade.
O hype é muito perigoso e em última instância foi altamente perigoso para Watch Dogs. Uma nova propriedade intelectual repleta de novas ferramentas de jogo, com boas ideias para um mundo aberto e com personagens interessantes tornou-se num desastre para o departamento de relações públicas, afectou a imagem do estúdio que o desenvolveu e manchou não só o nome da empresa que o lançou como colocou em causa todos os slogans apresentados pelas fabricantes de consolas e equipamento PC.
Com grande publicidade vem grande responsabilidade e já todos deviam saber que com o dinheiro não se brinca.