O filme de Assassin's Creed cometeu os mesmos erros dos jogos
O drama deveria ter dado lugar à diversão e energia.
Não é à toa que as adaptações de videojogos para o cinema são vistas quase como o patinho feio de Hollywood, uma espécie de piada que vai sendo partilhada entre os corredores dos estúdios. É simplesmente difícil pegar numa ideia ou conceito preparados para um formato de entretenimento, com todas as suas diferentes camadas, interpretá-lo, e adaptá-lo de uma forma que vai capturar em pleno a essência que deliciou tantos milhares de pessoas. Se pensares nisso, talvez seja fácil perceber o porquê, e pessoalmente diria que quem aceita liderar estas adaptações está a caminhar para uma armadilha. Por um lado devem capturar a essência de toda uma audiência que compreende o material muito melhor do que eles e dificilmente permitirá qualquer desvio do que considera ser essencial, constituindo desde logo uma falha grave, mas pelo outro devem ter em conta toda uma nova audiência que provavelmente não conhece nada sobre o mundo apresentado mas deve ser tida em conta na estrutura e narrativa do filme.
Não basta fazer, é preciso fazer bem. Mais do que em qualquer outra produção, um filme sobre um videojogo precisa que isto seja levado a sério, mas se pensares em tudo o que é preciso para alcançar tal objectivo, é preciso respeitar estas pessoas que deliberadamente entraram para uma armadilha. O apelo dos videojogos, o prazer que nos dá este meio de entretenimento, e que frequentemente tentas explicar aos teus familiares e amigos, é algo muito próprio, algo muito específico. Nenhum outro meio de entretenimento te trata como os videojogos e quebra as barreiras de comunicação como este. Não vais ao cinema e o actor pára para te dizer que terás de tentar de novo a cena, nenhum livro te manda recuar umas páginas porque não leste como devia ser e nenhum cantor pára a música a meio para te dizer que não sabes dançar ou cantar.
Este é o maior problema do filme Assassin's Creed, que estreou em Portugal a 5 de Janeiro e coloca Michael Fassbender (viste-o como Magneto na mais recente trilogia dos X-Men, como Steve Jobs em Steve Jobs, e como David em Prometheus, entre outros) no papel do principal assassino que irá liderar a entrada da série da Ubisoft no mundo do cinema. Seria tão bom poder interagir com a experiência e decidir como queremos passar o tempo, e impedir que cometesse os mesmos erros que começaram a ser feitos nos videojogos (até ser rectificado nos mais recentes). O que erro do qual falo, pelo menos considero ser um erro, é o exagerado foco no tom dramático da linha actual, quando o que decorre no passado é tão mais energético e rico em potencial.
No filme Assassin's Creed, Fassbender é Callum Lynch, um rapaz que foi mantido pela sua família completamente à parte da crença e do culto dos Assassinos. Sem qualquer ideia que esta guerra pela humanidade entre Assassinos e Templários decorre há milénios, Lynch irá aprender, juntamente com o espectador, que existe toda uma tecnologia que poderá mudar o rumo desta guerra de forma a favorecer as terríveis intenções dos Templários. Lynch é levado para Madrid, onde entrará no Animus, a máquina que permite aceder às memórias dos nossos antepassados guardadas no nosso ADN para descobrir informações vitais para a Doutora Sofia Rikkin (Marion Cotillard, que recentemente contracenou ao lado de Brad Pitt no filme Aliados). Alan Rikkin, pai de Sofia que ganha vida através de Jeremy Irons, não partilha da sua paciência para obter resultados, e serve como a real caracterização do que são os verdadeiros Templários.
Sofia coloca Lynch no Animus para que este possa aceder às memórias de Aguilar de Nerha, o seu antepassado que viveu em Espanha. Tal como nos jogos, o filme pega em eventos históricos reais e associa-os à sua narrativa, atribuindo-os à guerra secreta entre Assassinos e Templários. Em 1492, os Templários lideram a Inquisição por terras muçulmanas para encontrar a Maçã do Éden, artefacto que permite controlar o livre arbítrio dos homens, e assim vergar a humanidade à mercê dos Templários. Isto é algo que já vimos na série Assassin's Creed, e na luta de Desmond Miles, mas nesta tentativa de explicar todo um novo mundo e léxico a uma nova audiência num novo formato, o filme passa demasiado tempo no presente e desgasta imenso do seu potencial.
Enquanto assistimos, basicamente, à origem de Callum Lynch, fica a constante vontade de passar mais tempo com Aguilar, personagem forte e decidido, dotado de espantosa capacidade física, e um Mestre Assassino que te surpreende com as suas habilidades. É quando passamos para Aguilar que o filme se sente Assassin's Creed. É aí que nos reaviva os melhores momentos que tivemos nos jogos e revela ter o potencial e energia para electrizar a audiência. Acredito que para a grande maioria dos espectadores este filme de Assassin's Creed seja verdadeiramente aborrecido, enquanto os fãs vão dizer que foi uma adaptação válida e interessante. Diria que a verdade está no meio termo, mas que esta difícil tarefa desperdiçou o seu verdadeiro potencial, isso é inegável.
Se a origem de Callum Lynch tivesse sido colocada em segundo plano, se o presente abordado não tivesse o escusado foco no dramatismo, e se Aguilar recebesse mais tempo no ecrã, este filme de Assassin's Creed poderia ter sido algo realmente entusiasmante. As poucas cenas de acção com Aguilar representam fielmente o jogo, são energéticas e empolgantes. É uma pena mesmo que os melhores momentos do filme sejam apenas uma pequena parte. As fugas pelos telhados, os combates contra vários inimigos, a Irmandade dos Assassinos, as perseguições a cavalo, os eventos históricos que serviram para esconder uma guerra milenar oculta, esses são valores de Assassin's Creed que representam melhor uma série que nos apaixonou. Muito mais do que o Animus ou a Abstergo, ou o confronto moral e ético que decorre no presente.