O que aprendi a jogar um Gacha durante mais de 1100 dias
Alguns gastam pequenas fortunas nestes jogos.
Quando comecei a jogar Dragon Ball Z: Dokkan Battle nunca pensei que continuaria a jogar durante mais de 1100 dias, mas foi isso o que aconteceu. Dia após dia, entro no jogo para fazer o login diário, receber as recompensas e concluir missões que são renovadas a cada 24 horas. Tornou-se no título que jogo com mais frequência pela simples razão de estar instalado no meu smartphone e consigo aceder em qualquer lado - a passear o cão, a tomar café na esplanada, enquanto relaxo na banheira, ou enquanto espero por alguém ou por uma marcação. A facilidade de aceder ao jogo é apenas uma das várias razões pelas quais continuei a jogar durante tanto tempo. A quantidade de jogos mobile existentes actualmente é tanta que tem que haver uma razão especial para continuar interessado passado tanto tempo (são cerca de três anos).
A história de Dragon Ball Z: Dokkan Battle
É impossível contar a minha história de Dokkan Battle sem primeiro contar a história do próprio jogo. Depois de um lançamento inicial no Japão, a Bandai Namco localizou Dokkan Battle para o Ocidente em Julho de 2015. Foi o primeiro jogo oficial do adorado anime a ficar disponível para dispositivos iOS e Android. Recordo-me perfeitamente de instalar o jogo no meu Samsung Galaxy S3 e de jogar durante alguns dias. A verdade é que não achei muita piada ao jogo e, passado algum tempo, troquei de smartphone e nunca mais me lembrei de voltar a instalar. Foi o meu primeiro contacto com um jogo do género Gacha, que até altura desconhecia completamente.
A palavra Gacha vem daquelas máquinas de brinquedos em cápsula, onde inseres uma moeda para receber um boneco / brinquedo aleatório. Existe uma colecção inteira e o objectivo é levar o consumidor a continuar a inserir moedas para obterem o que querem ou, pelo menos, conseguirem um item específico. Esta mecânica aplicada aos videojogos resulta nos Gacha Games. Existem imensos exemplos destes jogos e os casos de maior sucesso estão sempre entre os mais rentáveis da App Store e Google Play, principalmente no Japão. Praticamente todos os jogos deste género são gratuitos, havendo uma grande aposta nas micro-transacções. É uma formula de sucesso e até companhias como a Nintendo usam-na (Fire Emblem Heroes é um Gacha, caso não soubesses).
Após aquele contacto inicial, só voltei a lembrar-me da existência de Dragon Ball Z: Dokkan Battle dois anos depois. O meu colega Bruno Galvão escreveu a notícia em Agosto de 2017 que o jogo estava a celebrar 200 milhões de downloads, o que despertou o meu interesse em voltar a instalar o jogo e ver o que tinha mudado. A partir daí o jogo agarrou-me. Naquele período o jogo tinha crescido em conteúdos, tinha afinado as mecânicas e o factor da celebração - em que todos os dias recebias imensas recompensas, muito mais do que o normal - criou o hábito de abrir a aplicação pelo menos uma vez por dia.
O vício do Summon e a proximidade com o gambling
Embora Dragon Ball Z: Dokkan Battle seja um dos jogos mais amigáveis do utilizador dentro do género, com a existência de diversas cartas (as personagens aparecem em forma de cartas, cada uma com um ataque especial, leader skill, habilidades passivas, entre outras coisas) que podem ser adquiridas gratuitamente, as melhores e mais desejadas cartas são obtidas através do Summon. No jogo, o Summon é o equivalente a meter a moedinha na máquina na esperança de obter aquilo que desejas, mas as probabilidades são extremamente baixas. Neste caso específico, o Summon é feito com Dragon Stones, que é a moeda premium de Dokkan Battle. É possível adquirir Dragon Stones sem gastar um tostão (fazendo login, completando eventos da história, missões e desafios), mas estão obviamente limitadas. Comparativamente a outros jogos, Dokkan Battle até pode ser considerado generoso, mas está desenhado claramente para incentivar a gastar dinheiro real para comprar mais Dragon Stones.
Apesar de ter perfeitamente consciência disto, Dokkan Battle é um jogo apelativo para mim pelo simples facto de ser Dragon Ball (já deves saber que adoro a obra de Akira Toriyama) e de ressuscitar a sensação de estar a completar uma caderneta de cromos. A EA pegou neste mesmo conceito e aplicou-o a FIFA Ultimate Team, que acabou por se tornar no modo mais popular do jogo anual e de ser uma fonte de receitas extraordinária para a companhia. Dokkan Battle é basicamente um FIFA Ultimate Team aplicado a Dragon Ball. O Summon é o equivalente a abrir uma carteirinha de cromos... sim, pode tornar-se viciante e num desastre para a carteira se as pessoas não tiverem controlo. Em Dokkan Battle necessitas de 50 Dragon Stones para fazer um multi-summon, onde obténs 10 cartas com a garantia de que uma delas será pelo menos um SSR (um tipo de raridade). A preço normal, 32 Dragon Stones custam 18,99 euros. 63 Dragon Stones custam 34,99 euros e 91 Stones ascendem a 49,99 euros.
O custo das Dragon Stones é extremamente elevado e se levares em conta que as probabilidades baixíssimas, é fácil perceber como alguns jogadores podem gastar milhares de euros num jogo destes. É certo que as Dragon Stones estão muitas vezes em promoção, com preços ligeiramente mais baixos, mas não deixa de ser curioso como um jogo free-to-play para mobile pode custar-te muito mais do que os típicos 69,99 euros de um jogo para PC e consolas. A mecânica Gacha está muito perto do gambling e são utilizadas técnicas que levam os jogadores a querer gastar mais dinheiro. Repara que não existe a opção de comprar 50 Dragon Stones certas. Podes comprar menos ou mais. Se comprares 91 Dragon Stones, apenas podes fazer um multi-summon, ficando-te a faltar 9 Dragon Stones para mais um summon. Isto é feito de propósito, para levar o jogador a comprar mais Dragon Stones para fazer o segundo multi-summon.
O que são peixinhos, golfinhos e baleias?
Entre os jogadores deste tipo de jogos, existem alcunhas recorrentes para descrever um jogador com base na quantidade de dinheiro gasto. As baleias são os maiores gastadores, com milhares investidos. A seguir vêm os golfinhos, que podem ter gasto algumas centenas de euros ou de dólares. Por último estão os peixinhos, que são os jogadores que gastam menos (na ordem das dezenas de euros ou de dólares). Depois existem os jogadores free-to-play, que são aqueles que jogam mas nunca gastaram dinheiro real. Confesso que sou um peixinho e já gastei dinheiro no jogo, apesar de ter sido free-to-play durante bastante tempo. Uma promoção única de 50 Dragon Stones por 4,99 euros foi o que me tirou a minha "virgindade" de free-to-play (uma expressão popular entre os fãs destes jogos).
O motivo pelo qual os jogadores regressam regularmente ao jogo - sendo que alguns também gastam regularmente dinheiro - são as novidades constantes. Há períodos mais cheios e outros mais vazios, mas ao longo destes cinco anos de existência Dokkan Battle foi melhorando e recebendo mais conteúdos. Continua a ser um jogo mobile para ser jogado casualmente, por isso não esperes passar várias horas por dia a jogar, mas consegue manter o teu interesse vivo se gostares de Dragon Ball e do tipo de jogo em si. Recentemente houve a celebração do quinto aniversário onde há sempre muitos conteúdos e recompensas, e agora está a aproximar-se a celebração dos 350 milhões de downloads, prevista para o final de Agosto. Depois, quanto mais jogas e mais tens, mais agarrado ficas pelo factor FOMO (fear of missing out). E como há sempre novas cartas a serem introduzidas, a tal caderneta nunca vai ficar completa. É como um cavalo atrás da cenoura.
O lucrativo mundo dos jogos mobile
A minha experiência com Gachas está limitada a jogos de Dragon Ball. Para além de Dokkan Battle, também joguei intermitentemente Dragon Ball Legends, mas acabei por abandonar por ser um jogo mais predatório do que o primeiro e por requerer muita mais atenção e tempo. Apesar da minha limitada experiência no género, abriu-me os olhos para o lucrativo mercado dos jogos mobile. Dokkan Battle ultrapassou em Novembro de 2019 mais de $2 mil milhões em receitas e nem sequer é o jogo mais lucrativo destas plataformas. Para muitos, este tipo de jogos são guilty pleasures - jogos que não são nada extraordinários, pelo contrário, mas que por uma razão ou por outra nos dão gozo. Dokkan Battle acabou por se tornar no meu maior guilty pleasure de sempre e provavelmente continuará a sê-lo durante algum tempo.