O que é que os clássicos têm?
Regresso ao passado.
Se a Porto Editora pedisse aos jogadores para elegerem a palavra do ano de 2014, a vencedora teria sido remaster (hype ficaria num distante segundo lugar). Já aqui expressei algum do meu "desdém" sobre a prática de pegar em jogos com um ou dois anos de vida, dar-lhes uma segunda demão (isto é, aumentar a resolução) e relançá-los. Durante o ano passado, as notícias de novos remasters (soa a paradoxo, eu sei) eram quase semanais e mesmo quem inicialmente defendia o modelo acabou por admitir que é preferível um joguinho novo em vez de "comer outra vez arroz".
Em 2015, a tendência para as remasterizações parece continuar. As boas notícias são que os jogos que estão a levar esse tratamento precisam, de facto, de ser remasterizados.
Contraditório? Eu? Nada disso. Como referi acima, relançar jogos que ainda estão nas lojas, por vezes ainda a preço de lançamento, é uma prática que não aprecio; relançar jogos difíceis de arranjar ou de jogar em condições, é uma prática que agradeço. Pegando em 3 excelentes jogos agora remasterizados, vou dar-vos 3 boas razões para que os clássicos não sejam esquecidos.
1- Porque o original era pouco acessível
O remake de Resident Evil foi um excelente exclusivo da GameCube, lançado há 13 anos atrás (já lá vão 13 anos?!). Não vendeu propriamente mal mas dado que a GameCube apenas vendeu pouco mais de 20 milhões de unidades, poucos foram os que conseguiram jogar esta gloriosa versão de um dos clássicos maiores do survival horror. Graças ao recente remaster HD, esta jóia pode finalmente ser apreciada por todos e com os melhores visuais e som possíveis. Existe também uma forte possibilidade de Resident Evil Zero receber o mesmo tratamento. Pode ser a nostalgia a falar mais alto mas tenho excelentes memórias deste jogo, um dos mais originais e igualmente menos jogados na série, dado a sua exclusividade na boa velha GameCube e na Wii (onde dificilmente existia uma audiência para ele).
Apesar de ter tomado diversos caminhos ao longo dos anos, foi na mansão Spencer do Resident Evil original que o género survival horror deu um dos passos mais importantes e esse impacto merece ser celebrado. Tal como Racoon City em Resident Evil 2, a mansão é praticamente um personagem do jogo, um enorme labirinto na onda de Metroid e Castlevania que queremos explorar a 100%, sempre receosos que algo de muito mau se encontre atrás de cada uma das suas dezenas portas.
"Foi na mansão Spencer do Resident Evil original que o género survival horror deu um dos passos mais importantes"
Antes das atuais perspetivas na primeira pessoa, do over the shoulder ou do terror psicológico da generalidade dos survival horror actuais, Resident Evil dava ao jogador uma experiência cinemática, com câmaras estáticas ou ligeiramente dinâmicas e cenários pré-renderizados altamente detalhados, duas práticas que conferem uma experiência cinemática ao jogador e que, entretanto, se perderam.
2- Para preservar parte da história dos videojogos
Também Grim Fandango, um dos meus favoritos de sempre, está finalmente a ter a atenção que merece. O original vendeu muito pouco quando foi lançado em 1998 (há 17 anos atrás, Tomb Raider HD! 17 anos e não 9 meses!) e, além de não poder ser encontrado em serviços de distribuição digital, as caras cópias usadas requerem alguma perícia para serem jogadas em sistemas operativos modernos. Remasterizar este clássico é um favor que fizeram tanto ao grande público quanto à preservação do próprio jogo.
Pelas razões similares, recebemos no final de 2014 o remake de Oddworld: Abe's Odyssey (os produtores foram além da simples remasterização) e está a chegar Homeworld Remastered Collection, algo que os fãs há muito imploravam que acontecesse. Panzer Dragoon Saga, que podem adquirir usado por cerca de 300€ e jogá-lo apenas na Sega Saturn, merecia igual tratamento.
Grim Fandango é para todos aqueles que apreciam boa escrita e grandes doses de humor. Este jogo representa o culminar da aventura point and click, um género que, coincidentemente, desapareceu do mapa após o lançamento desta pérola da mente de Tim Schafer. Grim Fandando encaixa perfeitamente no caso dos jogos que se sentem datados porque as mecânicas do género evoluíram imenso desde então. No entanto, não deixem que a jogabilidade vos demova; se ultrapassarem essa barreira, têm nas mãos um jogo que vos vai marcar pela escrita, conceito e estética- uma explosiva mistura de film noir, pulp fiction e folclore mexicano.
Se Grim fandango tivesse alcançado maior sucesso comercial, podem apostar que jogos como as séries da Telltale Games teriam aparecido muitos anos antes. Quem sabe onde o género aventura estaria agora?
3- Para testar a possibilidade de ressuscitar uma IP
Além da acessibilidade e da preservação, compreendo também o argumento por trás de produtos como Okami HD, Beyond Good & Evil HD ou o recentemente anunciado Farenheit: Indigo Prophecy HD (embora o vídeo de lançamento deste último não me tenha convencido de quaisquer melhorias). Apesar de estarem disponíveis em serviços de distribuição digital e das cópias usadas serem fáceis de encontrar, são títulos que não venderam o devido quando foram lançados e uma remasterização pode ser o suficiente para atrair novos jogadores e testar o mercado para uma eventual segunda vida das IPs. Já o disse antes e volto a dizê-lo: SEGA, dá oportunidade destas a Shenmue.
Bónus: Para deixar as pessoas felizes
Desculpem a batota mas não posso deixar de expressar a minha alegria em relação ao remake 3D de Majora's Mask. Se me seguem na Eurogamer sabem o quanto queria ver isto acontecer. Adoro o original mas jogá-lo nos dias que correm é um filme: para ter uma imagem decente é necessário ligar uma Nintendo 64/ Gamecube/ Wii a uma televisão das antigas ou recorrer a um emulador.
Já não pego em Majora's Mask há uns anos mas o jogo sempre teve um lugar especial no meu coração. Parte do que torna Majora's Mask único, não só na série mas nos videojogos em geral, é o seu sistema de 3 dias. Lembram-se de Grounhog Day (O Feitiço do Tempo, em português)? Isto é o mais próximo que teremos de um jogo baseado no filme. A premissa é simples: a lua vai destruir o planeta e temos apenas 3 dias para evitar que isso aconteça.
No ano 2000, Majora's Mask teve o arrojo de se desviar da fórmula daquela que é normal mas injustamente apontada como uma das séries mais conservadoras nos videojogos. Não é "mais um Zelda" mas sim uma experiência única nos videojogos. Mal posso esperar por comprá-lo pela terceira vez.
Do que é feito um clássico?
Ainda hoje é rara a banda que não afirme ter sido influenciada pelos Beattles ou os Rolling Stones. Citizen Kane, Star Wars ou o Padrinho ainda são dos melhores no seu género e já lá vão umas dezenas largas de anos. Se o assunto for literatura, ninguém se atreve sequer a discutir a importância dos clássicos. Será que nos videojogos também é assim?
Ao contrário das outras artes enumeradas, onde os produtos se mantêm próprios para consumo atual, os videojogos têm pontos que não jogam a seu favor: com o passar do tempo tornam-se menos acessíveis (i.e., só correm em determinadas plataformas), as mecânicas melhoram com jogos novos e começa a erguer-se a chamada "barreira gráfica". Bons exemplos para estas situações são, respectivamente, Grim Fandango, Metal Gear Solid 3 e GTA: Vice City, bons jogos que sofreram, de uma forma ou de outra, com o passar dos anos.
Correndo o risco de causar alguma polémica, sou da opinião que um jogo inovador tende a ter um legado mais marcante que um filme, um livro ou até um disco. É claro que Star Wars, Kill 'em All dos Metallica ou O Senhor dos Anéis foram importantíssimos para a cultura popular, criando movimentos artísticos que ainda hoje perduram, mas nos videojogos o impacto de títulos marcantes sente-se de forma mais profunda do que nas restantes artes. Veja-se a marca deixada pela perspectiva over the shoulder de Resident Evil 4 nos third person shooters, o sub-género de shooter contemporâneo que Modern Warfare lançou ou a quantidade de clones (mas sobretudo tentativas de) que se seguiram a Super Mario 64.
Nesta indústria há tendência para fazer upgrade ao clássico em vez de simplesmente o seguir. Quer isto dizer que o novo é obrigatoriamente melhor que o antigo? Nem pensar, como Resident Evil 5 e 6 bem o demonstram. Já Gears of War, que aprendeu com o over the shoulder e acrescentou-lhe o cover system, é geralmente considerado um clássico, já com vários jogos a seguir-lhe o exemplo.Se assim é, tendo ambos "bebido" da mesma fonte, porque é que Gears of War é um clássico mas Resident Evil 5 não?
"Sou da opinião que um jogo inovador tende a ter um legado mais marcante que um filme, um livro ou até um disco"
Na minha opinião, um clássico é um jogo que, de uma forma ou de outra, contribui para o avanço do meio ou representa o pináculo de um género. Space Invaders? Clássico irrefutável. Shoot 1up? Esquecível. Super Mario World? Claro que é um clássico. Bubsy? Só na cabeça dos mais nostálgicos.Uncharted 2? Sem dúvida. Uncharted 3? Um bom jogo mas não passa de um Regresso do Jedi ao pé do Império Contra-ataca que foi o Uncharted 2.
Utilizando este critério, facilmente vemos que GTA III ou San Andreas são clássicos mas não olhamos para GTA IV da mesma forma. Não deixa de ser um bom jogo mas o primeiro introduziu o open world 3D e o segundo foi o pináculo dessa fórmula. Da mesma forma, Super Mario 64 é um clássico indiscutível enquanto Super Mario Sunshine não gozou da mesma recepção. Bom e divertido? Sem dúvida. Revolucionário ou um marco no seu género? Nem por isso.
Em jeito de conclusão, ao contrário do que se passou no ano passado, não me chateia esta nova tendência de ir buscar ao passado, bem mais profundo, boas experiências e trazê-las para os dias de hoje. Se preferia jogos novos? Claro que sim e, ao contrário do que aconteceu em 2014, 2015 parece estar repleto deles. Dito isto, joguem estes clássicos agora relançados e rapidamente percebem o porquê de passados todos estes anos as pessoas ainda lhes darem tanta atenção.