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Odin Sphere Leifthrasir - Análise

Arte como apenas o Vanillaware consegue.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
Alguns elementos continuam repetitivos mas a arte, combates, a história e a banda sonora continuam a ser o expoente máximo do Vanillaware.

Sempre acreditei que os videojogos eram tal como os adultos diziam ser os livros, uma porta para um outro mundo com a capacidade para despoletar na nossa mente todo o tipo de ideias. Dizia a mim mesmo que os videojogos eram uma combinação de livro e filme, essa entrada num novo universo no qual as palavras assumiam forma à nossa frente. Era então uma espécie de convite à mente de quem desenhou o jogo e retirou da sua mente uma ideia para que nos fosse apresentada. Odin Sphere Leifthrasir dá real valor a essa ideia, isto porque é do mais perto de uma fábula que podemos ter em formato videojogo. Odin Sphere poderia perfeitamente ser um livro de encantar, em formato videojogo que ganhou direito a uma versão melhorada chamada Leifhtrasir.

Em 2008, Odin Sphere Leifthrasir chegou como um trabalho do estúdio Vanillaware, entregue a um mundo que estava já focado numa outra geração de consolas, foi lançado na PlayStation 2, e desde logo destinado a tornar-se num clássico de culto. Durante muitos anos, foi um daqueles jogos que os devotos fãs das produções Japonesas utilizavam para avaliar o nível de dedicação de cada um, 'Jogaste Odin Sphere?' perguntavam entre si. Num género altamente específico, Odin Sphere contraria ainda mais a tendência por ambientes 3D épicos e apostava no que o Vanillware sabe fazer melhor, belos mundos 2D em side-scrolling horizontal que nos deixam completamente rendidos.

Avançamos oito anos e em 2016 e Atlus decidiu fazer justiça ao talento do Vanillaware, na forma de Odin Sphere Leifthrasir que chegou agora às lojas para PlayStation 4, PS3 e PS Vita. Jogamos a versão para a mais recente consola da Sony. Se o original impressionou na altura em que espalhou magia na PS2, também Leifthrasir impressiona pela forma como consegue actualizar os valores do jogo e o faz sentir-se válido nos dias de hoje. Um autêntico atestado ao trabalho deste estúdio que revela bem a singularidade do estúdio. Podem não acreditar mas este Leifthrasir consegue tornar Odin Sphere ainda mais sublime e até o podem comprovar, escolhendo o modo clássico ao invés do modo Refinado onde encontram a experiência melhorada e afinada.

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"É um fiel exemplo do ADN do Vanillaware, sendo uma fábula em forma de videojogo."

Quando referi que o Vanillware criou uma autêntica fábula em formato de videojogo ao invés de um livro, estava também a pensar em Alice e no seu gato Socrates quando o escrevi. Isto porque Odin Sphere começa com esta pequena rapariga loira que no seu sotão encontra cinco livros para ler. Cada um destes livros conta a história de cada um dos cinco heróis que lutaram para salvar o mundo e apesar de cada um ter o seu livro, as suas histórias cruzam-se e partilham imensos personagens. Consoante Alice é transportada para um novo universo de esplendor, também o jogador é e acompanha as aventuras destes heróis. Alice é a porta que permite ao jogador entrar num local onde existem valkírias como Gwendolyn, corações despedaçados como Cornellius, princesas em busca de algo melhor como Mercedes ou até guerreiros que lutam contra um destino que havia sido decidido por outros, como Oswald.

Odin Sphere Leifthrasir é uma autêntica delícia e é pena que mesmo pertencendo ao mesmo mundo, algumas personagens sejam recicladas e apresentadas de uma forma que parece tornar incoerente a história e não tão ligada como poderia. No entanto, é tudo parte da jornada pelo final verdadeiro, que explicará praticamente tudo. Para esta experiência injectada com novo vigor, a Atlus preparou várias melhorias que elevam esta versão acima do que foi feito no original. Assim sendo, Odin Sphere Leifthrasir assenta em cinco pilares principais: o acerto no rácio de fotogramas, a diferenciação de personagens através das habilidades, os aprimoramentos no sistema de combate, os novos modos de dificuldade, e os ajustes no sistema de pontuação após cada batalha.

Como referido, Odin Sphere Leifthrasir é um RPG de acção 2D em side-scrolling horizontal dividido por diversos capítulos que transportam o jogador para um novo local a cada um deles. Existem várias zonas de fantasia para percorrer, combatendo os adversários pelo caminho. Ao longo dos cinco livros, desbloqueados um após o outro, iremos cruzar com os personagens deste reino encantado para descobrir capítulo a capítulo toda a trama. O que todos eles têm em comum é o uso de uma arma chamada Psypher, criada a partir de cristais do Netherworld. Esta arma permite-lhes absorver Phozons, energia libertada pelos inimigos vencidos, para que melhorem as suas habilidades ou subam de nível.

Em cada novo capítulo, o jogador vai percorrer florestas mágicas, cidades medievais, o mundo para onde vão as almas depois de morrer, aldeias de animais que outrora foram humanos, os Pooka, vulcões, montanhas cobertas pela neve, que são as masmorras que nos desafiam. Cada uma delas está dividida em diversas salas, podemos dizer assim, que se dividem em zonas de combate, zonas com bosses, com tesouros ou outros itens que nos permitem ganhar novas habilidades e melhorar os atributos. No final de cada um destes locais, encontraremos um boss contextualizado com a história para ao bom estilo Vanillaware, atacar sem parar até as diversas barras de energia chegarem ao fim.

Odin Sphere Leifthrasir é um sólido atestado do ADN dos Japoneses do Vanillaware, um jogo de acção rápida e fluída, ocasionalmente frenético e com mais inimigos do que seria de esperar, e bosses que ultrapassam e bem o tamanho do nosso personagem. O foco no desvio dos golpes adversários, ou no timing do uso dos escudos, intercalam com os combos que se sucedem como um bailado preparado com delicadeza, e se tornam no elemento principal do sistema de combate. Para elemento tão fulcral da experiência, o acerto na suavidade da acção e no reforço do rácio de fotogramas tornam a experiência mais gratificante. Dificilmente sentimos a fluidez a falhar e é um prazer jogar Odin Sphere nesta sua versão actualizada. Muito mais que no original.

A respeito desse clássico de 2008, se havia elemento que poderia causar cansaço na experiência era a forma como todos os personagens partilhavam as mesmas habilidades. Qualquer pessoa que vá jogar este Odin Sphere Leifthrasir sentirá uma incrível diferença entre todos eles, muito em parte devido à forma como as habilidades criam comportamentos diferentes no jogador. A forma como nos focamos nos combos com Gwendolyn é totalmente diferente do uso de Mercedes com os seus disparos e se antes eram as armas e a velocidade de cada um dos personagens que ditava diferentes formas de actuar por parte do jogador, agora também as habilidades ajudam a que cada um imprima uma sensação diferente num gameplay similar que partilham.

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"Odin Sphere Leifthrasir demora dezenas de horas para ser terminado e só é pena repetir tantas vezes os mesmos cenários."

Claro que os aprimoramentos e ajustes no sistema de combate tornam ainda mais fluído e intuitivo este desafiante jogo. A barra de PoW não está mais associada a todos os golpes, apenas a habilidades específicas que podemos equipar em atalhos, e o jogador poderá despachar inimigos com bom ritmo sem que tenha constantemente que parar o ritmo de ataque para gerir essa barra. Mercedes ainda força o jogador a jogar dessa maneira e por isso mesmo oferece uma alternativa interessante. Sempre que termina uma batalha, o jogador recebe uma pontuação e prémios de acordo com ela. A Atlus tornou muito mais satisfatória a avaliação da nossa prestação e desde que o jogador mantenha um bom ritmo, que esteja atento ao nível de cada sala, e que seja ágil no uso de ataques e habilidades, confesso que após algum tempo jogar Odin Sphere se torna quase automático, deverá ganhar boas recompensas. Especialmente útil se quiserem subir de nível com maior facilidade ao comer e para ganhar itens usados na alquimia.

Sim, apesar de ser um RPG de acção focado mais nos combates físicos, Odin Sphere Leifthrasir permite que o jogador pause a acção para criar poções de ataque, cura ou para reforço de estatísticas, que depois usa nesse mesmo menu que pausa a acção. Ao utilizar o menu, o jogo pára e dá alguma dose de estratégia e margem de manobra para pensarmos no que fazer em seguida. Podem utilizar comida para recuperar energia, ou até podem plantar sementes e colher frutos quando não estão no calor dos confrontos. O elemento da alquimia é extremamente importante no jogo e será preciso criar diversas poções para despachar mais rapidamente certos bosses. Frequentemente vão pausar o jogo para gerir o vosso personagem através do cultivo de sementes e para lhe dar de comer (aumenta a energia e ajuda a subir de nível) sendo um ponto que pauta o ritmo de jogo.

No meio de tantos louvores, a única crítica que se poderá dirigir a Odin Sphere Leifthrasir é a reciclagem dos cenários ao longo dos cinco livros e dos bosses. Mesmo sendo uma história interligada com eventos que vistos num livro automaticamente afectam o que será visto nos restantes, a reciclagem de bosses torna confusa alguma dessa ligação e repetir cinco vezes a grande maioria dos mesmos cenários tira alguma força à experiência. Quando percorrem pela quinta vez a mesma montanha com neve, sentem que já a conhecem de trás para a frente e só o fazem para ver a história.

É o único senão nesta sublime fábula que conta com uma estética de incrível fantasia, com imagens 2D cuja bela arte facilmente nos transportam para outros locais. É uma das principais características do Vanillware e a cada novo jogo ficamos rendidos ao seu talento. Mais recentemente, Muramasa: The Demon Blade e Dragon's Crown continuaram a mostrar este talento do estúdio mas Odin Sphere provavelmente consegue levar a arte a um nível que ainda não encontrou rival. Todos eles bons mas cada um por motivos diferentes é verdade mas este Odin Sphere Leifthrasir é um selo de qualidade. Especialmente devido ao talento de Hitoshi Sakimoto na banda sonora do jogo. Talvez o conheçam de alguns trabalhos para a Square Enix e aqui em Odin Sphere Leifthrasir merece um grande respeito nosso.

Odin Sphere Leifthrasir corrige praticamente tudo o que podia para o tornar fresco e maximizar o potencial. Se o Vanillaware mereceu parabéns na altura do original na PlayStation 2, merece ainda mais pois Odin Sphere continua deslumbrante e interessante como no primeiro dia. A arte combinada com a magistral banda sonora de Hitoshi Sakamoto torna-se num elemento poderoso e só é mesmo a sensação de repetição que ainda prevalece que torna toda a experiência menos imponente do que poderia. Quando estiverem a jogar com a terceira personagem já começam a sentir algum cansaço, principalmente pelos cenários pois agora sentem-se ainda mais as diferenças ao jogar com cada uma. Este é mesmo o único problema de Odin Sphere Leifthrasir, que relembra o quão especial sempre foi.

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