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Ori and the Blind Forest - Análise

Admirável coração da floresta.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá

Ori and the Blind Forest é capaz de ser um dos jogos que melhor representa a produção apaixonada e o sério compromisso em criar uma experiência marcante, de jogadores para jogadores. Thomas Mahler, o director deste belíssimo jogo de 2D de plataformas, produzido pelos estúdios Moon, é claro sobre as influências na base desta produção: "Ori é um Metroidvania. (...) Nós criamos o jogo porque crescemos com jogos como Link to the Past e Super Metroid". Um outro jogo marcado também pelas influências claras dos produtores nos jogos retro, mais precisamente os nostálgicos jogos de cartucho 8 bit, é Shovel Night da Yacht Club Games. Em ambos os casos, não obstante a diferente dimensão dos jogos (Ori é um jogo com muito mais produção, maior - cerca de 8GB de tamanho e que a Microsoft optou por lançar em formato digital) é inegável este agitar de águas de muitos produtores, procurando criar novas experiências, sem abdicar de clássicos que marcaram o seu tempo como jogadores e em deixar de referir expressamente as experiências que os trouxeram até aqui.

Na verdade Ori and the Blind Forest apresenta um design com claras proximidades ao padrão Metroidvania na forma como o jogador progride pelos diferentes mundos interligados e plenos de áreas secretas, bem à moda antiga, mas sobressai por si, distingue-se à sua maneira, transpira polimento, frescura, e esse é um dos pontos essenciais que devem pensar quando chegarem à conclusão de que este é jogo que procuram. A arte gráfica é sublime, as mecânicas constantemente em progressão, introduz uma história com peso, princípio, meio e fim, ainda que nos seus termos, muito focada nos actos, sobressai pelo fortíssimo ambiente, com uma atmosfera sonora palpitante, uma banda sonora bem trabalhada, resultando até numa arquitectura cinematográfica sem levar o jogador pela mão, oferecendo-lhe testes progressivos sempre que a nossa personagem ganha uma nova habilidade.

À frente poderão explorar áreas previamente inacessíveis.

Tão ou mais impressionante que os quatro anos de desenvolvimento do jogo é constituição do estúdio que está por detrás desta obra. A Moon é constituída por produtores com experiência em jogos de grande produção, pessoas oriundas de diferentes países e que um belo dia tomaram a iniciativa de se juntar e abraçar com afinco uma produção que pudesse homenagear os clássicos que os marcaram como jogadores, mas que ao mesmo tempo fosse capaz de transmitir emoções e sentimentos apaixonantes.

Durante o primeiro ano e meio de produção, enquanto Ori ainda se encontrava no estaleiro dos desenhos, primeiros conceitos e opções de design, os produtores suportaram os encargos, mas foi nesse período que a Microsoft entrou em cena e financiou o projecto, adquirindo os direitos, canalizando a produção para a Xbox One. Para a Moon a aquisição veio em boa altura e os quase três anos seguintes foram de um intenso e apaixonado labor. E se podemos ver nos clássico Metroid, Castlevania e modelo de aquisição de itens de A Link to the Past, em termos de plataformas e quanto à arte gráfica, não excluímos o recente trabalho de Michael Ancel - Rayman Legends - e algumas películas do estúdio Ghibli, especialmente de Totoro e Spirited Away. O resultado deste somatório surpreende.

Agarrados desde o primeiro momento, quando o narrador, a voz anciã e grave (como se escutassem o Adamastor ou Deus dos Simpsons) de uma árvore da floresta, fonte de luz e vida do ninho das andorinhas, revela que "sempre vamos lembrar a noite quando perdi Ori na grande tempestade". Na cena que abre o prólogo, fortes ventos e bátegas violentas sacodem as folhas das árvores com força, lançando no ar uma folha luminosa (Ori), que no fim dessa viagem pelo ar, desperta como espírito nos braços de Naru, como uma criança. Este pequeno espírito luminoso é o guardião da floresta, e de uma luz que repousa nessa árvore anciã. Sem o espírito por perto, Kuro, um pássaro gigante, voa na direcção da árvore, colhe a luz e leva-a para longe nas suas garras. Em breve a floresta enfrenta desolação e devastação. O momento Bambi surge como consequência. Os espíritos fugiram e habitantes malevolentes instalaram-se.

A grande árvore com os espíritos da floresta.

Ainda que por pouco tempo, somos chamados a controlar Naru, quando caminha na direcção de Ori, ainda como folha luminosa, antes de o acolher nos braços e o ver transformar-se numa pequena criatura. É só uma pequena porção de trajecto: duas plataformas e um salto até ao objectivo. O passo é lento, a figura é pesada mas carinhosa. Guardamos de Naru esse breve instante e percebemos que Ori não podia ser mais diferente, como uma força da natureza, mal o controlamos, pouco depois. Movendo-se numa perspectiva 2D em cenários de alta resolução, rapidamente nos acomodamos aos controlos simples e muito eficazes. A sensação de física está muito bem conseguida, no tempo dos saltos, no toque às paredes e na sua rápida movimentação, como criatura pequena mas ladina.

Neste momento o jogo é Ori contra o mundo. O espírito ganha nesta sua feição uma dimensão quase humana. Nutrimos por ele uma sensação de apego, solidariedade, mas também amizade, como se fosse uma pessoa. E como qualquer criatura que enfrenta um mundo polvilhado de ameaças, zonas secretas e armadilhas, também estará sujeito a evolução, ganhando habilidades em pontos específicos para a partir delas desbloquear e ultrapassar muitos dos obstáculos no seu árduo mas marcante caminho até à restauração da luz no seio da floresta.

Para tal, Ori terá de completar uma série de objectivos. Estes consistem em avançar até diferentes pontos assinalados num mapa. A área que percorremos fica imediatamente assinalada, mas até ao ponto de chegada, onde haverá mais um desenvolvimento narrativo por intermédio de uma cena animada, tudo é escuro, ainda por descobrir. Explorar todos os recantos de uma área é uma tarefa significativa. Há muitos objectos escondidos e zonas que só conseguimos aceder numa fase ulterior, depois de adquirirmos determinada habilidade. Por exemplo, numa primeira fase não é possível fazer mergulhar Ori na água sem receber danos. Só a meio do jogo será possível mergulhar e nadar fundo. Voltar a pontos anteriormente percorridos é inevitável, mas essencial para completar o jogo na totalidade e até para reforçar os poderes do espírito saltitante.

Kuro, o pássaro gigante e o antagonista desta jornada.

A fluidez dos movimentos é espantosa, tanto nos saltos como na corrida. Mas logo ao começo, uma novidade. O combate com as múltiplas criaturas adversas nesta floresta é travado por uma segunda personagem: Sein, uma pequena luz que sobrevoa Ori e que dispara violentos relâmpagos (de curto alcance) à volta do seu protegée. Este sistema podia estar um pouco mais trabalhado e sustentar-se até nalgumas combinações, porque ao fim de algum tempo, não iremos fazer mais do que pressionar o mesmo botão (X) de forma intermitente até aniquilarmos todas as ameaças à volta de Ori. Para atingir estas criaturas é necessário que Ori esteja perto, de outro modo os raios não os alcançam. Mas se a chama espiritual é a nossa primeira grande habilidade mestra concedida pelo jogo ao alcançarmos certo ponto, outras estão na lista, como o pulo na parede, a chama de carga, o pulo duplo, golpear, pisão, entre muitos outros. Com estas habilidades Ori poderá aceder a áreas anteriormente indisponíveis e assim avançar na história. Além disso, estas habilidades introduzem com mais ou menos alcance alterações na jogabilidade, propondo novos desafios, assentes sobretudo em pontos onde é intensa a sua utilização.

Se por um lado o sistema revela alguma tradição, como uma grelha na qual vamos subindo degraus, até ao fim o jogo consegue ser suficientemente engenhoso para não repetir e saturar o jogador com demasiado "retrocesso e avanço", conduzindo as mecânicas ao exagero. Nalguns momentos isso pode transparecer, mas somos brindados constantemente com novas áreas, diferentes ameaças, situações imprevisíveis e sobretudo puzzles em constante alteração, fora dos modelos mais recorrentes. A magnífica atmosfera e construção desta floresta, com áreas tão vastas e diferentes contribui para esse alívio, mas é um problema que tende a verificar-se noutras propostas similares e que aqui foi contornado com boas escolhas em termos de oportunidade para testar as diferentes habilidades.

Por outro lado, Ori é uma personagem sujeita a evolução, como uma personagem que num jogo de role play sobe de nível, sendo que aqui Ori possui uma árvore de habilidades, na qual vamos gastando os respectivos, assinalados num medidor ao centro da zona inferior do ecrã. Incrementam estes pontos ao encontrar esferas de habilidade (assinaladas a amarelo), que tanto podem ser de grande dimensão como fragmentos deixados pelos inimigos depois de aniquilados pela tempestade desencadeada por Sein. Estas habilidades reforçam as habilidades adquiridas e conferem vantagens como a identificação dos itens no mapa, a conexão de Ori com projécteis atirados pelos inimigos, entre outros. A sensação de fortalecimento da personagem é perceptível. Dispomos de um poder de escolha sobre que habilidades suplementares podemos desbloquear, pelo que completar a árvore é um desafio secundário sobre o final da aventura.

A grande tempestade.

Nalgumas situações Ori terá que reunir três ou mais peças para abrir uma porta, dando uso às habilidades, numa primeira fase como teste e depois como desafio. Lembro-me de repente da inundação que ocorre na base de uma árvore, que nos obriga a agir rapidamente dando uso a uma habilidade que permite a Ori parar o tempo por instantes e sair disparado como uma flecha depois de aprisionar um ponto luminoso. O duplo abre mais possibilidades de avanço, sobretudo no contacto com as paredes. Toda esta combinação de habilidades num mesmo segmento perfila-se como um teste derradeiro depois da fase de adaptação e pequenos testes.

A dificuldade neste jogo não é desmesurada, o que não significa que não tenham de repetir forçosamente algumas sequências, especialmente quando perdem vidas a tentar descobrir a melhor solução para atingir um boss ou superar aquele obstáculo mais difuso. É que apesar da barra de saúde, Ori é vulnerável e dois ou três toques de espinhos ou inimigos são suficientes para o anular. Mas a grande diferença está na ausência de pontos de gravação automáticos ou "checkpoints". A gravação é essencialmente manual e depende da existência de bolas de energia. Estas podem ser adquiridas a partir de cristais naturais ou então em pontos de gravação onde podem restaurar a saúde e energia de Ori. Para gravar a posição (e aceder imediatamente à árvore de habilidades) é suficiente uma pressão demorada no botão B, sendo que por cada "elo de alma" criado, é consumida uma esfera de energia. Ao longo da aventura será possível ganhar mais esferas de energia, o que equivale a aumentar a saúde e energia da personagem. Só que não abundando os pontos de restabelecimento da energia rapidamente perdemos créditos de gravação e podemos ficar mais vulneráveis e com pouca vida para superar um "trial" mais demorado. Outras vezes esquecemo-nos pura e simplesmente de gravar a posição. Aprendemos muito com os erros, o que nos leva a assumir uma gestão mais cautelosa da energia disponível, consumindo-a em pontos cruciais, ainda que em fases mais avançadas tenhamos habilidades adicionais e uma perda menor de energia que em jeito de contra-corrente acabam por facilitar.

Restaurando os poderes dos antigos espíritos.

A atmosfera é ressonante, com locais muito demarcados, eivados de pormenores e detalhes que saltam imediatamente à vista, sem abdicar das sonoridades que acompanham explosões, movimentos e contactos. Os disparos provocados por Sein geram verdadeiros trovões, os salpicos da chuva parecem autênticos, os mergulhos na água oferecem o típico "splash" e a água em remoinho um barulho quase ensurdecedor. A sensação de imersão é realmente espantosa, numa toada por vezes quase cinematográfica, tal é a magnitude sonora. Quando combinado com uma banda sonora muito bem acomodada aos diferentes momentos da aventura, é puro deleite para os ouvidos (merece ser jogado com headphones de boa qualidade).

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Não obstante o polimento e o grau elevado de produção, o jogo retoma pontos mais tradicionais, como a remoção de blocos, accionamento de alavancas e alguns confrontos mais previsíveis. Não sendo muito abundantes, descobre-se que no esqueleto do jogo, na estrutura mecânica toca alguns pontos clássicos. Isso não é mau, até pelo contrário, mas não torna o jogo revolucionário. O que faz mesmo este jogo especial é a autêntica produção, a solidez das animações, uma experiência polida e muito sólida.

Entre a sensação de clássicos que nos invadem desde as primeiras horas e uma história envolvente e emocional com que somos automaticamente brindados, está uma jornada memorável, uma experiência interactiva que embora não sendo totalmente original ou revolucionária, retira o melhor proveito das notórias influências para criar um produto que oferece muito mais do que isso. Sem nunca cair em clichés, repetições de mecânicas e sobressaindo pelo design muito forte e seguro, esta é uma daquelas experiências que nos deixa à beira de sensação de completude, aliando à forte vertente interactiva uma carga emocional que nos acompanha mesmo nos momentos mais desafiantes. Uma gema na Xbox One.

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