Out of Line review - Não quero voltar para a fábrica
Uma aventura de puzzles com carimbo nacional.
Existem muitas formas de contar uma história. No caso dos videojogos, o factor interactivo e lúdico amplia mais as possibilidades. Há muitos jogos que tentam ser o mais cinemáticos possíveis, querendo aproximar-se do estilo de narrativa dos blockbusters do cinema. Outros tentam chegar a um compromisso, misturando sequências cinemáticas com trechos de gameplay em que o jogador controla directamente as acções. Há mais alternativas, como os RPGs, que recorrem a imensos diálogos e texto não só para contar a história, mas para acrescentar uma grande quantidade de pequenas informações sobre o mundo do jogo. Depois temos ainda o caso dos jogos Souls, em que não há uma tentativa de contar a história directamente - a narrativa é completamente passiva, dependendo se o jogador se interessa ou não por ela. Por último, sobram jogos como Out of Line, que conseguem transmitir uma história apenas com referências visuais, sem uma única palavra textual ou vocal.
Acompanhei desde cedo o desenvolvimento deste jogo, a partir do momento em que foi nomeado para os Prémios PlayStation (e que acabaria por vencer), e estava ansioso para finalmente poder conhecer a versão finalizada. Desde que comecei a escrever sobre videojogos que tenho assistido a uma evolução da indústria para portuguesa e há cada vez mais jogos melhores, mais ambiciosos, e com potencial para conquistar audiências mundiais. Out of Line é um desses jogos. O estilo visualmente chama imediatamente atenção, é como se fosse uma aquarela em movimento. Uma prova bem real de que pintar os cenários à mão vale a pena quando existe uma mão talentosa (e excelente gosto na palete de cores) a controlar o relâmpago criativo.
"O estilo visualmente chama imediatamente atenção, é como se fosse uma aquarela em movimento"
Mas nem só de visuais vive um jogo, por mais bonito que seja. Out of Line é sobretudo um jogo de puzzles que vão aparecendo ao longo da aventura. O protagonista é San, um rapaz que quer escapar de uma fábrica. Os simbolismos são muitos e o jogador é convidado a interpretar o que está a acontecer simplesmente observando. Tal como um quatro na parede, há uns que são mais óbvios do que outros. Out of Line é mais subtil e só mesmo no final é que as peças encaixam no sítio, como se a narrativa também fosse um puzzle em que as diferentes peças vão surgindo.
A principal ferramenta de San para escapar da fábrica é uma lança mágica. Digo que é mágica porque, para além de ter um brilho amarelo, faz coisas que uma lança normal não faz, como voltar para o braço de San à distância. Inicialmente, os puzzles são simples. Meramente tens que espetar a lança na parede para subires para plataformas mais altas ou acertar em botões para que um obstáculo do teu caminho seja removido. Mais adiante, vão ficando cada vez mais complicados ao ponto que deixam de ser imediatamente óbvios. Vão sendo introduzidas variações nos puzzles e novos elementos, como a necessidade de cooperares com outras misteriosas personagens amigáveis que querem ajudar San a escapar.
Eventualmente a lança ganha outras utilidades. Vai servir para ligar circuitos eléctricos interrompidos ou para espetares em sítios específicos para servir de alavanca e controlares plataformas em movimento. As outras misteriosas personagens que vão aparecendo também são integradas nos puzzles, já que cada uma traz outras habilidades para a equação. O grandalhão, também equipado com uma lança, consegue converter temíveis aranhas mecânicas em criaturas cooperativas que nos ajudam ao entrar para dentro de engrenagens para as fazer rodar, abrindo portas ou activando mecanismos essenciais para continuar a progredir na aventura. Inicialmente tive receio que o jogo fosse demasiado simples, mas regista uma evolução digna até ao final.
"As outras misteriosas personagens que vão aparecendo também são integradas nos puzzles, já que cada uma traz outras habilidades para a equação"
A aventura de San não é muito longa. Jogámos no PC (a única versão disponível por enquanto, mas estão prometidas versões PS4, Xbox One e Nintendo Switch ainda em 2021) e o Steam marcava quatro horas jogadas depois de ter visto os créditos a rolar. Os elementos que encorajam a repetires a aventura uma segunda vez são os cubos azuis, que são a versão de Out of Line de coleccionáveis. Estes cubos estão escondidos e normalmente adicionam mais uma camada de complexidade aos puzzles se quiseres apanhá-los. Na minha primeira playthrough apanhei mais de metade dos cubos (sei porque desbloqueei uma conquista do Steam que diz precisamente isto).
Out of Line é uma mistura bastante agradável entre puzzles, aventura e descoberta. Gostava que fosse um pouco mais longo, mas mais vale curto e bom do que longo e aborrecido. É garantidamente um dos jogos mais bonitos já desenvolvidos em Portugal. A direcção visual é irrepreensível e mantém a mesma qualidade aquarela em movimento do princípio ao fim. Gosto especialmente de que como os artistas e produtores conseguiram incluir os elementos interactivos no cenário sem os tornar demasiado óbvios, como se não pertencessem ali. A experiência tem uma coesão inesperada. Nota-se que é um jogo bem pensado em que todos os elementos cantam em harmonia. Um jogo a experimentar para quem gosta de jogos curtos, mas interessantes.
O jogo estará disponível a partir de hoje no Steam.
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