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Pillars of Eternity: Complete Edition - Análise

A nostalgia e emoção dos clássicos jogos de role play.

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
Densa e gratificante narrativa num mundo de fantasia misterioso, passível de grande exploração e com mecânicas bem conseguidas.

Lançado no passado dia 29 de Agosto para a PlayStation 4 e Xbox 4, esta é a versão completa, com as expansões e melhorias do original Pillars of Eternity, publicado em 2015 pela Paradox Interactive e desenvolvido pela Obsidian Entertainment para os formatos Windows, OS X e Linux. Curiosamente, esta produção que presta homenagem aos gloriosos jogos de role play ocidentais, particularmente os da chancela BioWare, com Baldur's Gate, Icewind Dale e Planescape: Torment, nasceu sob o signo do "crowdfunding". Desde a sua fundação que a Obsidian nutre um particular interesse pelos jogos de role play clássicos, transpondo para as suas produções muitos desses elementos. Todavia, as numerosas produções que o estúdio teve a seu cargo, a dada altura quase causaram uma crise financeira, pelo que alguns títulos foram cancelados e abandonados.

Felizmente, Pillars of Eternity nasce após esse período mais conturbado, e desenvolve-se a partir dos 4 milhões angariados. É em 2012 que se dá o primeiro passo no sentido de trazer de volta o género dos role plays clássicos, de apresentação isométrica 2D, que ao longo da década de noventa ganharam notoriedade. De acordo com os produtores, o recurso ao "crowdfunding" permitiu ao estúdio não só obter os recursos indispensáveis para uma produção desta envergadura, que por via do apoio de uma editora seriam impossíveis de angariar, como ao mesmo tempo garantir a abordagem a temas mais maduros, como a escravatura e o racismo, sem ter que passar pelo crivo da editora. No fundo a Obsidian sentiu-se como um peixe na água, com liberdade para alcançar não só um tributo dos clássicos e ao mesmo tempo injectar um cunho pessoal.

O resultado é francamente bom. Aliás, há muito tempo que não me dedicava a um jogo deste género e dimensão, especialmente em formato consola, plataforma onde não manifestamente estes jogos não abundam. Apesar da tradição dos role plays no PC, a verdade é que mesmo na consola, Pillars of Eternity funciona bastante bem, de forma prática e com comandos plenamente integrados no pad. Entretanto já se sabe que a Obsidian não vai ficar por aqui. Uma vez que o original data de 2015 e na ocasião foi bem recebido tanto pelos fãs como pela crítica, em Janeiro deste ano foi anunciado pela produtora o desenvolvimento da sequela: Pillars of Eternity II: Deadfire. É bom que esta nova vaga de role plays de formato clássico perdure, acrescentando mais histórias e aventuras. Muitas produtoras são batidas nestas produções, criando histórias fascinantes com tremendos elementos que foram marca ao longo de décadas.

A arte é muito boa, com cenários detalhados.

No regresso à perspectiva 2D isométrica, Pillars of Eternity exibe bastante charme e depressa aderimos à aventura como se de um sucessor dos antigos role play da Infinity Engine se tratasse. Em termos visuais as aproximações são significativas, mas existem diferenças, desde logo com modelação 3D para as personagens e seus movimentos. Apesar de bem modeladas, o destaque vai para a sumptuosidade dos cenários, com áreas realmente incríveis, não só bem desenhadas e dotadas de uma arquitectura única, como muito ricas e abundantes em detalhes. Tanto em luminosidade como em cores e texturas, a veia artística conjuga-se de forma feliz com as construções por vezes opulentas e de grandes dimensões. As animações são deliciosas, com efeitos especiais para os cursos de água ou as diferentes condições meteorológicas.

A fantasia medieval é o grande contexto. Neste jogo somos introduzidos ao mundo Eora, de há muitos séculos, onde diversos reinos disputavam territórios, visando a prosperidade e a satisfação dos seus povos. Neste quadro volátil e irrigado de temas como a escravatura e o tráfico de seres humanos, registam-se assinaláveis progressos científicos. O dado mais saliente é a mensuração da alma, quantificável, tratada quase como um objecto, dando mesmo origem a uma cátedra chamada "animancy", a base não só para o desenvolvimento e algum progresso (equivalente a uma espécie de renascimento, com origem em Itália), mas ao mesmo tempo com repercussões ao nível religioso. Dyrwood é uma vasta região, do hemisfério sul de Eora, onde há paz e alguma tranquilidade para com os nativos, depois de um período turbulento causado por uma guerra que opôs os nativos às forças do império.

Estas ramificações vão ficando mais evidentes à medida que somos introduzidos a novas personagens, estabelecendo contacto com os npc's que desta forma e paulatinamente nos introduzem a mais detalhes sobre o mundo, particularmente às almas. Certos quadros e imagens falam por si, quando visitámos novas áreas, mas é sobretudo pelas conversas que se estabelece uma vasta conexão com os povos de Eora. Tendo em conta que a nossa personagem consegue descobrir o passado das almas das pessoas que encontra. O risco de enlouquecer é possível (algo que acontece aos chamados watchers), mas é por aqui que abrirá caminho para as respostas que procura. A densidade narrativa é muito significativa, mesmo na fase inicial, sendo fundamental ter atenção aos detalhes e opções, optando por esgotar todas as possibilidades de texto.

Através do DualShock executam bem as operações, especialmente em combate.

Os conceitos e a forma como a história é apresentada e contada, difere sobremaneira do que é habitual, podendo surpreender pela dimensão porventura menos linear. O efeito enciclopédico diverge muito da esmagadora maioria das aventuras actuais, nas quais emergem protagonistas e as coisas acontecem de forma muito sequencial, quase linear. O ritmo denso e vagaroso com que a narrativa é apresentada diverge imenso, mas isso torna a experiência mais rica e profunda, na qual nos sentimos a partir de certa altura, aptos a mergulhar em toda a extensão.

Embora o rumo que leva a personagem nesta história esteja definido, é possível personalizar muitos dos seus traços e habilidades. A atribuição de classes, a origem, as habilidades, o aspecto físico, são alguns dos elementos que fixamos logo ao começo. As possibilidades são imensas, o que torna a aproximação ao jogo muito mais interessante. Optei por seguir o modelo tradicional, o típico guerreiro, mas o grau de configuração é muito elevado, assegurando uma experiência um tanto diversa se optarmos por jogar com outra personagem.

A interacção com as personagens - até seis elementos podem fazer parte da equipa - e as opções possíveis a tomar num certo momento dependem das habilidades que melhorámos. Por vezes temos que tomar algumas decisões mais arriscadas, especialmente quando levámos uma personagem a executar determinada tarefa para a qual, por exemplo, não possui pontos suficientes. O risco de padecer na missão é muito grande. Existem algumas condições de manutenção das personagens, mesmo quando se encontram em risco, já que no modo normal, não morrem. No decurso das batalhas, podemos pausar o jogo para qualquer operação táctica, tendo em conta as diferentes habilidades das personagens.

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As mecânicas presentes são muito elevadas, o que significa uma abertura fora do normal de menus e quadros, algo que no PC se executa com facilidade, embora numa consola o processo seja um pouco mais lento. Todavia, nesta adaptação para consolas, o jogo revela-se bastante acessível, permitindo aberturas rápidas do menu e acessos imediatos às diferentes opções, através de atalhos. A dificuldade maior pode residir na aproximação ao televisor, sendo conveniente instalarem-se com alguma proximidade (na medida do possível) sob pena de se tornar mais cansativo ler as mensagens e textos. De um modo geral, em termos gráficos, esta Complete Edition revela-se bastante consistente, ficando a dever pouco à versão do computador.

Em conclusão, Pillars of Etternity é um jogo facilmente recomendável para os fãs dos gloriosos jogos de role play 2D de perspectiva isométrica. Trata-se de uma obra realizada por amantes de um género há muito fora de cena. Apesar da forma como retoma certos elementos, com grandes factores como a exploração de masmorras e combates, é quase uma frescura que resulta desta edição para as consolas. Haverá quem prefira jogar no formato original, para o PC, mas esta edição em muito pouco fica a dever à original, sendo que ainda inclui a expansão e todas as actualizações. Poder-se-á dizer que certas decisões de design são mais discutíveis, que por vezes certos enquadramentos narrativos não apresentam o melhor desfecho ou revelam-se algo clichés. Mas são reparos que não impedem esta aventura de retomar com sucesso um legado já um pouco distante e fora dos actuais modelos de design das aventuras.

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