Porque razão gosto cada vez menos de Pokémon
Um desabafo do que aconteceu nos últimos meses.
O meu entusiasmo para com a série Pokémon é quase tão antigo quanto a minha paixão por videojogos. Comecei a jogar Pokémon Yellow aos 7 anos no meu GameBoy Color e como se costuma dizer o resto é história. Joguei todos os capítulos principais da série espalhados pelas diversas consolas portáteis que a Nintendo lançou. É uma paixão que dura há mais de 20 anos, mas que agora começa a arrefecer. As relações requerem manutenção para que possam durar, mas quando uma das partes está a ser negligente, é difícil fazer todos os esforços sozinho.
É isso o que tem acontecido ultimamente comigo. A minha relação com a série Pokémon está a degradar-se. O meu entusiasmo para com o universo e a marca não diminuíram nem um pouco - o potencial continua a ser ainda hoje, quase 24 anos depois da marca ter sido criada, enorme - mas a GameFreak, que tem o importante papel de desenvolver os jogos principais de Pokémon para as consolas da Nintendo, tem-se desleixado. Como um fã de longa data de Pokémon, sinto-me negligenciado. Sei que não estou sozinho neste sentimento e que existem muitos outros fãs de Pokémon que começaram a sentir o mesmo.
"Como um fã de longa data de Pokémon, sinto-me negligenciado"
A série Pokémon é adorada de uma forma quase universal e tem uma base de fãs extremamente variada que têm expectativas diferentes. Há quem jogue os novos títulos de Pokémon esperando a mesma experiência clássica da década de 90, mas há também quem anseie por algo mais. A fórmula base que sustenta os jogos Pokémon - uma aventura em que capturas, treinas e combates com os Pokémon - é forte, mas quem jogou intensamente cada novo jogo da Pokémon começa a ansiar por uma experiência mais evoluída, sofisticada e diversa.
Durante toda a sua existência, a série Pokémon sempre esteve limitada às consolas portáteis da Nintendo, que por sua vez sempre estiveram distantes das possibilidades técnicas das consolas caseiras. Mas com a Nintendo Switch isso mudou. A Nintendo passou a centrar todo o seu negócio numa só consola que cumpre as duas funções: é um consola caseira e é também uma consola portátil. É simultaneamente a consola caseira e portátil mais poderosa já lançada pela Nintendo. Quando a Nintendo Switch foi revelada, o meu primeiro pensamento foi: "Wow, a série Pokémon vai poder evoluir imenso com uma consola destas". Não podia estar mais enganado!
A desilusão de Pokémon Sword e Shield
Se tivesse que escolher a maior desilusão que tive em 2019, estaria fortemente inclinado para Pokémon Sword e Shield. Não significa que é pior o jogo de 2019, mas sim que eu tinha expectativas que não foram correspondidas. Se não quiseres estar a ler novamente a minha review a Pokémon Sword e Shield, é um jogo muito limitado tecnicamente, sem desculpas para uma Pokédex tão reduzida e com um nível de hand holding extremamente irritante, embora novidades como a Wild Area tenham potencial.
O que eu esperava era um jogo que elevasse a série Pokémon a outro patamar, mas o que recebi foi um produto extremamente medroso de sair da sua área de conforto e que, surpreendentemente, consegue ser mais limitado em conteúdos e na quantidade de Pokémon que jogos anteriores para consolas mais fracas. Acredito que o problema está na própria GameFreak, que detém uma fatia da propriedade Pokémon (juntamente com a The Pokémon Company e a Nintendo).
"Um produto extremamente medroso de sair da sua área de conforto"
Não consigo compreendeu porque razão a GameFreak não adaptou a série Pokémon capacidades da Nintendo Switch: apesar de ser um jogo básico quando comparado a outros RPGs da consola (como The Witcher 3 e Skyrim), tem problema como carregamento de texturas e soluços na framerate. Por mais que que goste de Pokémon, já não há desculpa plausível para a falta de evolução da série. Os novos jogos parecem pertencer mais à Nintendo 3DS do que à Nintendo Switch. As vendas de Sword e Shield na Nintendo Switch são um testemunho do incrível poder que a marca Pokémon tem, mas convém recordar que estes são os jogos mais divisivos de sempre na história da saga.
GameFreak em dessintonia com os fãs
O movimento #gamefreaklied que chegou às maiores tendências do Twitter mostra que existe um número crescente de fãs que estão descontentes com a direcção que a GameFreak escolheu para a saga Pokémon. A desculpa dada pela GameFreak para justificar a limitação da Pokédex - dizendo que não tinha tempo para refazer os modelos e animações de todos os Pokémon - caiu muito mal quando os fãs começaram a fazer comparações e descobriram que existiam modelos e animações em Pokémon Sword e Shield que eram uma reciclagem de jogos anteriores.
"Parece mesmo que a GameFreak criou um problema e agora está a vender-te a solução"
O suposto real motivo para a limitação da Pokédex foi revelado na semana passada: Pokémon Sword e Shield vão receber ao longo de 2020 duas expansões que incluem novas áreas e mais de 200 Pokémon anteriores que não estão presentes no jogo base. Embora seja possível obter estes mais de 200 Pokémon através do sistema de trocas, mesmo que não compres as expansões, parece mesmo que a GameFreak criou um problema e agora está a vender-te a solução. Não existe nada de errado em vender conteúdos adicionais, mas isso torna-se problemático quando o jogo base foi limitado para justificar a existência desses conteúdos.
Não me recordo de ver alguém a criticar, por exemplo, as duas expansões de The Witcher 3. O jogo é incrível, recheado de conteúdos. As expansões vieram trazer ainda mais conteúdos. No caso de Pokémon não posso dizer o mesmo. Olho para o Expansion Pass e não consigo deixar de pensar que é uma muleta para um jogo manco. Ainda não sei se as expansões Isle of Armor e The Crown Tundra serão boas ou más, mas sei que Pokémon Sword e Shield foi um jogo que me desiludiu. A escassez de conteúdos e falta de updates tornam-se piores quando a GameFreak anuncia, nem sequer dois meses após o lançamento, duas expansões que vão custar aos fãs mais 30 euros.
Há fãs que foram rápidos a apontar que o Expansion Pass é uma solução preferível à tradicional terceira versão que a GameFreak costuma lançar mais tarde. É verdade, pagar 30 euros é preferível do que pagar 60 euros novamente, mas isto não muda o facto de que a GameFreak teve uma atitude lamentável para justificar a limitação da Pokédex, que é o cerne da discussão. O que aconteceu nos últimos meses deixou-me mais distante do que nunca dos jogos Pokémon e com uma enorme falta de fé na GameFreak. De um ponto de vista puramente comercial, não se passa nada de errado e os novos jogos estão a vender a um ritmo impressionante. Mas as vendas não são tudo e, a longo prazo, continuar a ignorar os fãs mais apaixonados pode fazer com que os jogos percam uma parte substancial da sua audiência.
A nunca antes vista onda de negativismo que marcou a fase de pré-lançamento de Pokémon Sword e Shield é um sintoma de que a GameFreak não está a comunicar bem com os fãs e que não está a conseguir corresponder completamente às expectativas. Se a GameFreak continuar neste trajecto, não tenho outro remédio a não ser por fim nesta longa relação.