Primeiras impressões de Get Even, uma história imersiva
"Thriller" psicológico com foco na investigação.
O que se pode começar por dizer por Get Even é que não segue determinadas convenções, podendo muito bem vir a surpreender por isso, mas também não deixa de enfrentar alguns riscos na forma como desenvolve as mecânicas em conjugação com uma narrativa fortemente cinematográfica. Em síntese, esta é uma ambiciosa produção da The Farm 51 que se assume como um "thriller" na primeira pessoa. Embora tenhamos uma perspectiva na primeira pessoa, segurando armas, e um dispositivo móvel que serve quase de mapa, não se trata de um "shooter" puro e duro, onde entramos por divisões de edifícios abandonados como mercenários ou vingadores, disparando a torto e a direito, nem estamos num mundo aberto. A utilização da arma é mais subtil podendo nem sequer ser utilizada se optarmos pela decisão que se poderá configurar como a mais correcta.
Se quisermos, o jogo encerra uma dimensão fortemente psicológica, um "thriller" psicológico, na forma como são colocadas as peças do puzzle. Com lançamento agendado para 26 de Março, pudemos experimentar uma boa parte da secção inicial e ainda conversar com os produtores do jogo, nomeadamente Wojciech Pazdur, o director criativo que trabalha na indústria há mais de 17 anos, tendo como uma das marcas maiores do seu trabalho o fotorealismo, tendo contribuído para o desenvolvimento de Painkiller, NecroVisioN e Deadfall Adventures. Lionel Lovisa, o produtor passou 7 anos na Kojima Productions, com presença na franquia Metal Gear, trabalhando desde 2016 para a Bandai Namco como produtor executivo de Get Even.
Na verdade, este jogo é uma aposta grande da editora. Ainda que a dimensão narrativa e a aproximação à cadência cinematográfica sejam cruciais, a experiência atinge uma maturidade na gestão de emoções e sobretudo nas decisões a que o jogador é constantemente solicitado a tomar. Por vezes sob a forma de pequenos apontamentos que quase passam despercebidos. Só para citar um exemplo que foi destacado pelos produtores depois de ter jogado. Numa área interior de um edifício abandonado, enquanto procurava resgatar uma rapariga raptada por uma organização, segurava uma arma na mão quando me apercebi de dois guardas que caminhavam na minha direcção. Naquele momento podia disparar ferindo-os de morte ou afastar-me para uma secção segura e esperar que os dois continuassem a conversar depois de caminharem para outra ala. Duas situações com desfechos distintos, para sublinhar que o nosso poder de decisão tem impacto e produz consequências.
Outra situação implicava a obtenção de electricidade de forma a abrir uma porta encravada. Seguindo a posição dos fios avancei por corredores e salas até chegar a uma área onde quatro quadros estavam alinhados. Para reactivar o sistema teria que os activar seguindo uma determinada ordem. Dois erros eram suficientes para anular qualquer hipótese de gerar energia na divisão mais afastada e ter assim que encontrar uma alternativa para seguir em frente.
Isto para sublinhar que decisões morais e uma atenção redobrada às pequenas acções podem surtir efeitos positivos de modo a abrir mais facilmente caminho e descobrir o rasto dos inimigos ou escapar a situações mais aflitivas. As escolhas que façamos forjam as consequências e afectam a progressão do jogo. Quando inquiri o director criativo sobre se teríamos múltiplos finais consoante a direcção tomada, a resposta vai no sentido de um certo encurtamento. A história é uma e o desfecho será o mesmo, mas o caminho para lá chegar poderá ser mais ou menos longo e corresponder a diferentes avanços mais ou menos dificultados, consoante as opções tomadas.
A atmosfera de Get Even é densa e um pouco rebuscada tal é a informação processada ao longo dos primeiros momentos, mas há que dizer que em termos de ambiente a equipa de produção realizou um bom trabalho, a começar pelos edifícios abandonados onde decorre a primeira parte do jogo. Corredores sujos, onde abundam estilhaços de vidro, cadeiras, grafitis nalgumas paredes, portas arrombadas, um cenário perfeito para Black, um investigador privado lançar-se naquela que será a missão da sua vida.
Embora centrado numa perspectiva de primeira pessoa que potencialmente favorece a acção, existem imensos puzzles e dados para trabalhar, ao ritmo de um investigador privado, que sem se dar conta acaba por se cruzar com o passado e uma série de dilemas que parecem tornar tudo mais claro quando na realidade não há forma de dar por adquirido aquilo que se julgava. É aqui que o trabalho técnico, dos produtores destinados ao fabrico dos espaços em 3D, mais sobressai. Usando um dispositivo móvel equipado com tecnologia que detecta fontes de calor, cria mapas da área e permite a realização de "scans" de uma série de objectos, começamos por resolver as primeiras tarefas. Muito tempo se passa sem efectuar algum disparo. Aliás, é possível terminar a demonstração que a Bandai Namco reservou para este Winter Level Up sem descarregar sequer uma bala. Tudo depende do nosso "timming" e resposta às nossas acções.
"Embora centrado numa perspectiva de primeira pessoa que potencialmente favorece a acção, existem imensos puzzles e dados para trabalhar, ao ritmo de um investigador privado"
No fundo, o sistema de comando não é do mais avançado, o avanço é simples, como num "shooter" e este tipo de dispositivos não é nesta altura uma novidade, mas adaptam-se ao ritmo com que prosseguimos e nos são reveladas mais situações, sempre que vamos adiante, como sucede quando finalmente encontramos a rapariga. A sensação de imersão assalta-nos a partir do momento que uma estranha voz parece comandar as nossas acções. Poderemos pensar num Bioshock na forma como a narrativa se apresenta e ocupa um papel primordial. De facto, as emoções são uma espécie de montanha russa e tanto estamos empenhados a realizar uma missão, como de seguida temos que lidar com algo mais sórdido. Na verdade, aquele edifício abandonado onde tudo começa é um antigo manicómio e a exploração que é feita a partir dos vários pisos e possibilidades adensa ainda mais o mistério das personagens.
A qualidade da trilha sonora injecta ainda mais carga dramática, com boa adaptação aos diversos momentos, mais pausados quando passamos mais tempo a explorar, numa espécie de corrente de fundo, ou mais vigorosa e crepitante quando somos colocados perante uma situação de maior aperto ou decisão rápida. Tomar Get Even como um jogo de acção é meio caminho andado para fugir ao seu conceito. Marca o bom regresso aos "thrillers" de investigação, com um ligeiros elementos de acção, mas o seu foco é a narrativa e nisso pode estar o maior mérito desta produção como a maior dificuldade. Resta saber como os elementos da jogabilidade se conciliarão a longo prazo. As primeiras horas são muito positivas, mas ainda queremos averiguar mais sobre o potencial dos dispositivos e se mais adiante teremos algo mais à nossa disposição. Muito do sucesso de Get Even dependerá da história e da forma como todo o percurso se processa, em conjugação com as mecânicas. Existem pontos positivos e as primeiras impressões deixaram-nos com vontade de continuar a explorar, mas só depois de atingirmos o final e percebermos a magnitude do projecto é que ficaremos em posição de perceber o seu real alcance.