Project Zero: Maiden of Black Water - Análise
Câmara dos horrores.
A entrar na fase derradeira e com menos produções "first" e "third party" previstas para o Natal (exceptuando um boa corrente de jogos "indie" à eShop), os utilizadores da Wii U agarram-se às propostas que ainda vão chegando, como é o caso do recente jogo de terror da Tecmo Koei: Project Zero: Maiden of Black Water. Numa altura em que os jogos de terror e sobrevivência com uma pitada de acção parecem atravessar um período de transformação, apostando em renovações e um certo regresso às origens, encontramos nesta proposta da Tecmo Koei uma trajectória de continuidade. Isso poderá valer à editora menos clientes. Os sinais provenientes do mercado apontam para um crescimento das preferências dos jogos de terror com predominância na acção pura e dura e Maiden of Black Water parece um pouco longe, já que mantém a fórmula que é familiar, com exploração na terceira pessoa e combates com os fantasmas na primeira pessoa a partir da Camara Obscura, a icónica máquina fotográfica que os exorciza. Mas é sempre positivo quando algumas séries permanecem fiéis ao conceito original. Como melhorar e oferecer um incremento da sua experiência, esse é outro ponto.
Talvez seja mais um jogo de culto, claramente criado a pensar num nicho de utilizadores e numa fatia de mercado mais estreita. Curiosamente, estas são as vozes mais sonantes que têm reclamado o regresso às origens de séries como Resident Evil e um regresso de Silent Hill nos moldes clássicos. Permanecendo como exclusivo da Wii U e com uma quota de mercado reduzida por comparação com as outras plataformas, as receitas de um projecto como este serão quase marginais e provavelmente passará ao lado de um número elevado de potenciais interessados. Contudo, não deixa de ser uma proposta bastante exequível para um titular de uma Wii U, tendo a certeza que apesar da existência de falhas técnicas que impedem o jogo de crescer e se tornar claramente melhor que as experiências passadas, valerá pelos momentos de receio e medo que injecta, mais do que pela narrativa. Os ambientes sinistros, os ruídos, os planos de susto, aquela dificuldade em fazer chegar para lá os fantasmas, tudo isso contribui para uma experiência que nos deixa receosos e à beira da necessidade de acender uma luz e pausar por momentos o jogo para aliviar aquela toada inquietante e perturbadora.
Recorrendo à turma de produtores japoneses, alguns dos quais trabalharam anteriormente na série, a equipa de Maiden of Black Water está como peixe na água . Os japoneses são bons nisto. É no país do sol nascente que encontrámos praticamente toda a origem dos jogos de terror e sobrevivência. São muito dados à exploração cinematográfica do sobrenatural (Dark Water 2002), terror (Jigoku, 1960, Onibaba, 1964) e a evocações terríveis, histórias macabras e certas tradições ligadas a determinados pontos geográficos como os montes, estando isso bem presente no ficcional Monte Hikami, neste Project Zero. Outrora um local muito visitado e apreciado por turistas, está hoje coberto de tragédias, na forma de suicídios e misteriosos desaparecimentos. O monte parece, apesar disso, exercer um fascínio e atracção por pessoas atormentadas ou então desejosas por seguirem uma pista que as possa guiar até ao seu ente próximo ali desaparecido e à consequente resolução do mistério.
"Talvez seja mais um jogo de culto e claramente criado a pensar num nicho de utilizadores e numa fatia de mercado mais estreita."
Desde o começo que somos postos à prova a partir do que parece ser um ritual macabro, através de pequenas sequências cinematográficas a preto e branco, instáveis, com muito ruído na imagem, estática, e uma quase completa desfocagem do plano. A água que desce do monte forma lagos por onde mergulham fantasmas e espíritos, dispostos a puxar por um corpo frágil e que em muitos dos inevitáveis contactos acendem memórias e peças de um antigo puzzle. Da incerteza, susto e medo que paira no denso local, resvalámos para uma dimensão apaziguadora, quase de redenção, onde as pessoas podem encontrar uma morte pacífica. É a partir desta dualidade, tentações e resistências que se constrói uma narrativa que nos leva ao encontro de três personagens: Yuuri Kozukata, Ren Hojo e Miu Hinasaki.
As personagens femininas revelam-se todas muito sensuais, quase sempre em trajos menores e rostos muito limpos. A saia é subida, os cabelos arranjados e para a câmara não deixam de fazer uma pose com estilo quando passamos mais tempo à procura do melhor ângulo. Há uma exploração permanente desse capítulo, quase sempre com uma subtileza que poderá passar despercebida no esbatimento com o ambiente opressivo.
A gestão das passagens cinematográficas com a exploração levada a cabo por qualquer uma das personagens acaba por ser um dos pontos altos e que melhor contribui para o clima assustador, que sem apresentar contextos "gore" ou sacrifícios horrendos, consegue amiudadas vezes provocar esses sustos e sensações desconfortáveis (não deixa de ser um jogo forte para o público alvo da consola Nintendo). Os planos são próximos e por vezes surpreendentes, amparados por uma componente sonora que pode deixar o jogador de sobreaviso para algum perigo envolvente. Já a passagem para a primeira pessoa, no confronto com os fantasmas, não está isenta de problemas. Muitos deles quase que transitam dos jogos anteriores, especialmente na gestão dos analógicos quando temos a máquina ligada.
De resto, a Camera Obscura é o único instrumento que temos à nossa disposição para exorcizar os fantasmas. E não são poucos. Por vezes actuam em grupo, cercando-nos, especialmente quando a nossa personagem fica molhada. Não por culpa sua, mas porque o ambiente envolvente, desde as poças de água, riachos, lagos e elevada humidade, provoca um aumento de humidade, actuando como um fio condutor. A centralidade da Camera Obscura abrange também a obtenção de pistas, como os objectos que fotografamos, repondo-os dessa forma no seu estado original, podendo resolver certos puzzles. Por outro lado, existem espectros que aparecem ocasionalmente. Se os fotografarmos nesse preciso momento obtemos mais pistas e indicações sobre o seu passado.
O GamePad funciona quase como a peculiar máquina fotográfica. A utilização começa por ser simples. Podemos acompanhar através dele ele a acção, observar o posicionamento da nossa personagem no mapa e até efectuar melhorias na máquina. Seleccionar itens e outras funcionalidades implica uma paragem no jogo. Mas assim que abrimos a objectiva, o jogo passa imediatamente para a perspectiva na primeira pessoa. Apontamos o comando na direcção dos fantasmas, apanhamos os pontos fracos e tentamos enquadrá-los na moldura disparando uma fotografia no melhor momento.
Se formos certeiros drenamos boa parte da sua energia ou toda, através do "fatal frame". Muitas vezes, à volta do fantasma vão surgindo pequenas partículas, reveladoras dos danos sofridos. Se captarmos o fantasma e estas partículas no mesmo ângulo podemos causar-lhe ainda mais dano. A qualidade dos rolos usados na máquina facilita a tarefa. Só que os melhores não são fáceis de encontrar e existem em quantidades limitadas, devendo ser reservados para as "boss fights" ou então quando eles actuam em grupo e lançam ataques vindos de todos os lados. Nestes momentos de maior aperto o GamePad pode ser movimentado para agilizar um pouco mais, mas sendo batalhas tão rápidas e por vezes letais vemo-nos facilmente atrapalhados a rodar na cadeira. É possível usar os analógicos mas neste caso verifica-se uma movimentação lenta da personagem, o que muitas vezes é fatal. Um pouco mais de velocidade teria ajudado a equilibrar a contenda. Fica a sensação de um sistema de controlo algo oxidado.
Em termos de exploração uma novidade é o uso do gatilho direito para identificar fantasmas que caminham na direcção de um ponto específico no mapa. A sua utilização é opcional pelo que o critério ficará a cargo do utilizador. Dado que existem diversos caminhos e bifurcações, poderá dar jeito, num caso ou noutro, espreitar pela direcção certa. Apesar das diferentes personagens que iremos controlar, todos os eventos decorrem no mesmo espaço, na montanha Hikami. Trata-se de um local com diversos pontos relevantes que teremos que visitar durante vários capítulos, usando as diferentes personagens. Mesmo assim andámos muito em torno dos mesmos pontos, para trás e para a frente, chegando a enfrentar os mesmos fantasmas.
"Se formos certeiros drenamos boa parte da sua energia ou toda, através do "fatal frame""
Visualmente, não se pode dizer que Maiden of Black Water seja um estado de arte. É verdade que em jogos de terror até se justifica um design rudimentar, tosco e vazio (quantas boas produções não se conseguiram com poucos recursos). O objectivo passa por infligir receio e medo em quem joga. Mas poderia existir mais algum cuidado na exploração dos tons escuros, dos efeitos causados pela água e das luminosidades. Nesse aspecto parece-nos que o jogo não extrai o potencial da Wii U, quase sempre num nível que se pode qualificar como satisfatório.
O incitamento à exploração é constante e existe ganho em sair fora da linha principal. Ficámos a saber mais sobre a história mas sobretudo enfrentámos mais fantasmas, encontrámos mais rolos para a máquina e assim podemos equipar ainda mais a máquina. As "boss fights" são complexas mas não muito difíceis. A qualquer momento poderão baixar a dificuldade, mas recomenda-se que joguem pelo menos em normal. Torna-se conveniente ter a Camera Obscura artilhada e equipada com as melhores lentes, só assim conseguiremos defrontar e derrotar muitos dos pesadelos.
A pensar na audiência do jogo e num formato recompensa para os mais audazes, são oferecidos fatos alternativos de personagens do universo Nintendo, como as indumentárias dos heróis em The Legend of Zelda e Metroid, passíveis de serem utilizadas pelas três personagens, sem que tenham de pagar por isso. Destaque para a quase ausência de banda sonora. Em seu lugar existem sons e ruídos de intensidade variável à medida que nos aproximamos de algum ponto relevante ou quando seguimos um espectro.
Tivesse sido lançado há alguns anos e provavelmente teríamos aqui um jogo capaz de gerar mais entusiasmo. Mas fica a nítida sensação de uma produção que não tem receio em ir de encontro aos seus fãs de sempre, mesmo que sejam poucos. Eles sabem o que vão encontrar, até porque a fórmula não defrauda. Não existem grandes alterações, nem sequer grandes melhorias nas suas mecânicas. Isso não é mau. Existem qualidades em Project Zero e muitas delas funcionam bem neste Maiden of Black Water, principalmente a integração com o GamePad. Mas ao mesmo tempo não se livra de imperfeições. Remover estes obstáculos sem deixar de consolidar a base do jogo e melhorá-la é o desafio que a Tecmo Koei terá pela frente quando se lançar em novo projecto. Por enquanto, os fãs de Project Zero sabem com o que podem contar.