Puppeteer - Análise
Golpe de tesoura.
No que toca à vitalidade do género das plataformas, a Ubisoft Montpellier e agora a SCE Japan Studio vieram demonstrar que muito ainda pode ser feito por um género cuja viabilidade se encontrava confinada a pequenas produtoras independentes ou então através dos estúdios com provas dadas, como a Nintendo. O que é certo é que quer Rayman Legends, quer Puppeteer, são jogos que apresentam os seus próprios trunfos e um charme inegáveis.
Do Japan Studio são reconhecidas inúmeras obras de grande sucesso, muitas delas criadas em parceria com outros estúdios japoneses. Com Puppeteer, como exclusivo para a PS3, este reputado estúdio da Sony volta proporcionar uma aventura de plataformas com jogabilidade clássica 2D numa estrutura 3D verdadeiramente épicos. Mais do que isso; uma aventura apresentada como uma peça de teatro, na qual emerge um protagonista munido de umas tesouras especiais, que funcionam como peça-chave no destino desta aventura. Além disso Puppeteer revela inteligência na forma como articulou história com elementos do teatro e estes com as mecânicas típicas de um jogo de plataformas, sendo que dessa combinação resulta um jogo consistente e pleno de jogabilidade.
A história assume um propositado destaque, ao ponto de se tornar persistente, mesmo nos momentos do jogo, algo que nos pode causar alguma desatenção quando já estamos focados no desempenho da pequena marioneta decapitada chamada Kutaro. A dimensão teatral está, aliás, fortemente representada: encontramos um narrador (voz-off) que nos introduz às personagens, depois uma apresentação que nos introduz à aventura épica e, por fim, temos outro elemento essencial, o público com o qual ocorre um interessante processo de interacção. É raro encontrar um jogo onde as nossas acções e desempenhos positivos sejam premiados com aplausos, gritos de apoio e exclamações de surpresa, servindo quase de incentivo pessoal à conclusão da demanda.
Por outro lado, há toda uma reprodução cénica; o palco que nunca desaparece , as cortinas que se abrem quando principia um novo capítulo e que encerram após derrotarmos mais um boss. Se Puppeteer existisse realmente como peça teatral, seria uma peça maratona. Considerando os seus sete actos, divididos por três capítulos em cada um, temos para mais de uma dezena de horas de jogo. É algo que se pode completar num dia, é certo, mas o prazer deste jogo está em tirar o máximo proveito de cada um dos capítulos.
Tudo começa quando o Moon Bear King decide capturar as almas das inocentes crianças, transformando-as em marionetas como guardas do seu castelo. Kutaro teve pior sorte (ou não), pois foi-lhe arrancada a cabeça, enquanto que o seu corpo foi atirado para os confins da lua. No entanto, nem tudo correu mal, pois não tardou até descobrir que no lugar da cabeça original, outras podiamm ser colocadas. Dessa forma, não só consegue regressar à vida, como ainda posicionar-se de modo a entrar numa demanda que o levará a percorrer os diversos territórios da lua, dominados pelos grandes generais do Moon Bear King. Antes do combate final, todo o jogo é uma luta constante contra diferentes criaturas, mas também uma viagem por locais míticos, mágicos e de apurado sentido estético. Ao transformar a lua num astro composto por diferentes geografias como a terra, o Japan Studio pode injectar personalidade, colorido e um sentido de maravilha entrecruzado com os perigos da demanda. Como níveis de plataformas, é verdade que Puppeteer possui dos níveis mais admiráveis que já vi até hoje, sobretudo devido aos efeitos de luz, cuja impressão não cessa ao cabo da primeira hora.
Na sua definição básica, Kutaro é capaz de saltar e atravessar grandes espaços como uma qualquer personagem num jogo de plataformas, mas também nos traz imediatamente à memória o Sackboy. Depois, com a ajuda de Ying Yang, um gato fantasmagórico capaz de examinar objectos flutuantes, podemos fazer tombar pequenos caldeirões de onde saem cabeças que colocamos sobre o pescoço mola de Kutaro. Podemos acumular até um máximo de três cabeças, mas basta um toque do inimigo, queda no abismo ou sobre espinhos, para que a cabeça se solte. Se não formos particularmente lestos na sua recuperação, podemos perdê-la definitivamente. Se perdermos 3 cabeças, a vida de Kutaro esgota-se.
Pelo meio dos níveis, Ying Yang pode tocar noutros objectos que fazem sair umas centelhas da lua, pequenos fragmentos que, acumulados, nos permitem ganhar vidas extra. Tal como nos níveis cooperativos em Rayman Legends, Ying Yang, que ao fim de um acto irá ser substituído por uma espécie de fada chamada Pikarina, pode ser comandado por um segundo jogador, neste caso através do acessório Move. É uma forma de interacção mais assertiva se tivermos em consideração a presença de dois jogadores. Enquanto um deles comanda Kutaro, o outro pode inspeccionar melhor a área, o que resulta numa exploração mais segura para ambas as partes, especialmente se queremos descobrir todas as cabeças disponíveis por capítulo, libertar todas as crianças aprisionadas e descobrir imensos fragmentos da lua.
Mas a grande alteração ao nível da jogabilidade, ocorre quando o Bear Moon King permite que Kutaro recupere as tesouras mágicas Calibrus, uma ferramenta/arma decisiva para a campanha do pequeno herói. Graças às Calibrus, Kutaro poderá cortar tecidos, os inimigos e os grandes generais, mas também "voar" entre os espaços. Os produtores do Japan Studios idealizaram bem a utilização a dar a estas tesouras mágicas. Numa floresta de bambus, Kutaru consegue atravessar certos espaços cortando as folhas dos ramos que se dobram à sua passagem. Quando cortam, as tesouras levam Kutaro consigo e permitem que ele atravesse na horizontal, mas também aprenderá a navegar na vertical. É um processo engenhoso, que se descobre e cumpre sem dificuldades, e que ganha destaque na amplitude de objectos organizados de forma a permitirem o avanço de Kutaro. Assim, umas nuvens podem ser cortadas, as flores de uma cerejeira podem servir de percurso e, como essas, encontramos tantas outras situações que revelam um grande sentido de design adaptado à mecânica.
Mas os poderes especiais de Kutaro não se ficam por aí. Esta marioneta vai adquirindo mais poderes durante a aventura. Pressionando o botão círculo podemos atirar uma bomba (não há limites quanto ao número de bombas disponíveis), enquanto que o triângulo lança um gancho com o qual podemos puxar certas plataformas. Mais tarde, poderemos dar uso a outras acções especiais, com destaque para o corte mais rápido dos objectos e o salto esmagador, ideal para quebrar determinadas plataformas. Ao mesmo tempo, as Calibrus vão-se tornando mais especiais e eficientes, especialmente nos combates contra os generais. Não há uma evolução ou melhoria da capacidade do nosso herói que não seja imediatamente testada num destes confrontos épicos contra os generais. Por norma, são batalhas que ocupam o ecrã quase por inteiro, semeando algum caos e destruição, mas o formato é o mesmo: atingir o adversário ao longo de três sequências idênticas. Na última fase, o confronto dá lugar a uma série de quick time events que exigem precisão e rapidez. Se falharem um botão regressam ao ponto anterior, tendo que repetir novamente o segmento. É pena que os produtores não tenham perdido mais algum tempo de modo a permitir uma abordagem diferente aos adversários. Assim, é só uma questão de descobrir o padrão de ataque e produzir essa táctica até que o adversário tombe.
Ainda dentro da jogabilidade, temos então as tão famosas cabeças. Por cada capítulo há 5 ou 6 novas cabeças disponíveis. Encontrá-las a todas é um desafio complexo, já que ao todo são mais de cem que poderão coleccionar. Ao colocar uma nova cabeça, Kutaro adquire um movimento especial que poderá executar em pontos específicos. Normalmente uma luz reflecte sobre o ponto onde deverão interagir, usando a cabeça solicitada (se tiverem dúvidas têm de premir o botão R2 da personagem secundária). Tendo sucesso, podem entrar num nível bónus, alcançar um prémio, ou então sofrer danos. A roleta traça o destino.
Contudo, é uma função que se torna muito escassa para o potencial que esperávamos ver concretizado a partir do uso de uma nova cabeça. Ora, como nem sempre se verificam essas condições de utilização especial, fica a sensação de que o objectivo passa unicamente por coleccionar as cabeças existentes (existe uma espécie de museu onde podem observar os efeitos especiais de cada uma) e que estas servem apenas de medidor de saúde, quando o alcance final podia ter ser sido outro. No fundo, os movimentos e acções especiais de Kutaro, com reflexo na jogabilidade, nem sequer derivam da cabeça usada num dado momento. São acções que lhe são disponibilizadas a título definitivo, o que conduz a que seja quase sempre irrelevante, para efeitos de combate, por exemplo, a cabeça que Kutaro transporta num dado momento.
No que respeita à definição dos níveis, os sete actos que compõem a história de Puppeteer transportam-nos por uma grande variedade de cenários, onde há sempre novas personagens. É um dos pontos fortes do jogo, ir ao encontro da magnífica direcção artística que cobre esta aventura. Cada acto possui uma temática muito própria e uma definição que nos deixa impressionados. Em lugar de apresentar níveis sob a forma mais tradicional, como scroll horizontal ou vertical, o Japan Studios injectou uma série de sobreposições dentro do mesmo nível, ora em profundidade, ora um cenário sobre o outro. Alguns capítulos obedecem ao formato de scroll, como acontece numa secção marítima, mas quase sempre a tendência é para sobrepor e fazer cair cenários, uns sobre os outros, numa tentativa de imitar as peças de teatro, quando se puxa mais uma cortina que abre uma área então escondida. Outras vezes, parece que os cenários se desenrolam através de um movimento cilíndrico. É interessante também verificar a entrada dos grandes generais nos confrontos de fim de capítulo, dando a impressão de que a qualquer momento vai sobrar para a audiência.
Por norma, os capítulos são longos e demorados, numa espécie de segmentos múltiplos que acrescentam grande diversidade e um regalo para os olhos. Aliás, é um dos pontos mais fortes do jogo, a pouca repetição dos cenários, mostrando-se forte em termos de produção artística, acentuada por atmosferas típicas dos filmes de Tim Burton ou contos dos irmãos Grimm. Acresce a isso os bons efeitos de luzes, proporcionando mais definição, cores mais vivas e contrastes acentuados. Embora seja por vezes notória alguma repetição de formas de transição e alguns níveis ofereçam pouco desafio em termos de pura acção de plataformas, Puppeteer não é um jogo fácil. Aqui e acolá são evidentes algumas influências de Little Big Planet, especialmente no salto e locomoção de Kutaro, mas Puppeteer dá claros sinais de autonomia e personalidade que lhe reserva um lugar especial nas experiências de plataformas.
A banda sonora promove certos capítulos, sobretudo em função da estrutura típica de um musical, mas também ela entra nessa atmosfera especial dos contos de fantasia. As vozes das personagens, demasiado salientes, sobretudo a do narrador e a voz da nossa parceira de viagem, colocam o jogador rapidamente sobre os eixos narrativos. É certo que nalguns momentos de forma demasiado intrusiva e persistente, ao ponto de perder algum sentido de oportunidade. Porém e enquanto elemento teatral, raramente nos deixa inertes.
É bom ver que ainda há produtoras apostadas em dar caixa aos jogos de plataformas. Para um género que parece cada vez mais ver a sua margem de progresso relegada para o formato digital, Puppetter é a resposta do Japan Studio aos fãs que não querem perder de vista um bom desafio clássico de plataformas. Mais do que isso; é também a definição muito segura de uma aventura plena de interactividade e notável sentido artístico. Com as tesouras voadoras, o jovem Kutaro não imaginava poder voar alto e ir tão longe, atravessando florestas, desertos e mares, e qual não será a sua surpresa, para gáudio da plateia, descobrir como a lua é vasta e mágica.