Quando Super Mario foi de férias para a ilha Delfino
E acabou a limpar a sujidade daquele paraíso. Em tempo de sol, mar e praia, o clássico Super Mario Sunshine.
Quem diria que seis anos após o lançamento do superlativo Mario 64 em 1996, encontraríamos o mesmo protagonista a caminho de umas merecidas férias na ilha Delfino, a mesma ilha que conta hoje com um aeroporto de dimensão internacional, bem identificado pela quantidade de jumbos a levantar voo durante as corridas de Mario Kart 8. Sinais de progresso na ilha habitada pelos piantas, talvez a expensas do turismo e do sucesso mundial desta aventura de plataformas. Quando Super Mario Sunshine saiu para a GameCube, em 2002, o aeroporto era pouco mais do que uma porção de betão em forma de L capaz de receber um aparelho equiparável a uma avioneta, na qual não faltavam cortinas como se equipassem janelas de uma casa. Suficiente para transportar a comitiva do Mushroom Kingdom, boa parte dos viajantes ficou de olhos postos nos menus tropicais deliciosos e nas praias paradisíacas a perder de vista. O cenário não podia ser melhor.
Contudo, após a aterragem, Mario enfrenta o primeiro incidente. Alguém parecido com Mario sujou a ilha com óleo e tinta, e rapidamente proliferaram criaturas imensas e aterradoras, desafiando a pacatez daquele pedaço de terra que visto de cima tem a forma de um golfinho. Delfino está à beira do desastre, com pouca luz e o herói canalizador é considerado o criador de tamanha desfaçatez, pelo que acaba por ser detido, levado a julgamento e considerado culpado e condenado a limpar toda a sujidade que ofuscou o equilíbrio da ilha. Uma nova demanda principia, naquele espaço paradisíaco.
E no entanto Super Mario Sunshine não escapou a alguma controvérsia, como sucedeu com Wind Waker. De facto, Sunshine ainda hoje é um jogo único no plano das aventuras centrais do canalizador. Com comentários e diálogos proporcionados pelos piantas, e uma série de sequências animadas, desde cedo se percebe que os moldes desta aventura diferem sobremaneira do clássico de Miyamoto. É compreensível, se atendermos às nuances introduzidas pela Nintendo nas suas séries centrais. Mas ao leme desde jogo esteve Yoshiaki Koizumi, depois do magnífico mas nem por isso menos especial Majora's Mask, antes de passar o saco da ferramenta a Eiji Aonuma, que não mais largou a série depois de Wind Waker.
Pese embora as dificuldades na manobra da câmara, dos ambientes diferentes de Mushroom Kingdom, com muito sol praia e mar, um hotel e uma montanha russa, a substituição do castelo da princesa pela Delfino Plaza rendeu uma maior abertura e alinhamento dos portais. Tal como os quadros em Mario 64 transportam Mario para uma sucessão de níveis, aqui partimos à procura das "shine sprites", os fragmentos luminosos desaparecidos à custa de Shadow Mario. No essencial e em termos estruturais, a espinha do jogo não sofreu grandes alterações. É sobretudo um Super Mario 3D que concretiza um avanço relativamente a Mario 64. Uma observação mais atenta à água, ondas de calor e uma sensação de profundidade, atestam o compromisso em termos criativos, destacando-se sobretudo a criação dos novos níveis tendo por base as temáticas ligadas a uma ilha paradisíaca, como se pudéssemos antever o Wii Sports Resort que sairia anos depois para a Wii, mas num modelo Super Mario.
Contudo, a grande alteração em termos de mecânicas, chega por intermédio do aparelho denominado FLUDD, mais uma invenção do professor E. Gadd, conhecido dos jogadores da GameCube por ter sido ele o inventor do Poltergeist 3000, o "aspirador" usado por Luigi na sua aventura a solo em Luigi's Mansion com o qual aprisiona as criaturas fantasmagóricas. Esta instrumentalização do "power up" é quase tão natural como necessária, ajustada aos níveis, mais abertos, amplos e a requererem um contacto maior mas também mais espaços para atravessar.
Com o Fludd, Mario pode atirar um jacto de água e assim limpar as pinturas de óleo e tinta mas também lançar jactos de água numa posição vertical criando um efeito de levantamento do solo e sobrevoo temporário. Mais à frente o equipamento recebe melhoramentos, como o propulsor, capaz de projectar o canalizador a grande altura, o "dash", num efeito que aumenta exponencialmente a velocidade de Mario. Disponível desde os instantes iniciais, como uma mochila às costas, este peculiar equipamento é a chave para o sucesso neste jogo, embora, nalguns níveis, Mario fique impedido de o utilizar. Acaba também por ser mais do que um elemento do jogo, é um prolongamento original e inédito nas mecânicas da série. Algumas dificuldades ao nível da câmara podem causar desorientações, mas sobra sempre uma sombra da personagem quando o ângulo está tapado.
O grande protagonista e vilão desta aventura é Bowser Jr., que se transforma em "Shadow Mario" ludibriando por completo os piantas e motivando o erro sobre quem é o verdadeiro malfeitor da sujidade na ilha. Leva o tempo de uma aventura regular do herói a desmascarar o vilão, mas à medida que vamos reunindo as "shine sprites", Delfino Plaza fica mais bonita, e quase que sentimos os raios solares e a temperatura a convidar um banho retemperador. Visualmente, Super Mario Sunshine é um jogo marcante, um dos melhores da GameCube, exuberante, luxurioso e fortemente ancorado em tons contrastantes, muito típicos das águas quentes paradisíacas mas também naquelas conjugações de cores a que o jogo da N64 nos habituou.
Ainda que a Delfino Plaza não esteja tão bem moldada à execução dos novos movimentos como esteve o castelo em Mario 64, não tarda até levarem Super Mario a pontos que julgavam inicialmente inacessíveis e com isso ganham também em avanços até zonas secretas, itens e power ups escondidos. Tanto para descobrir. Algumas áreas são mais abertas e propícias a isso, enquanto que certos níveis revelam também testes e experiências em segmentos fechados que haveriam de ser centrais em Mario Galaxy.
Mesmo sem o mesmo grau de decisão de Mario 64 no contexto dos jogos de plataformas em 3D, Super Mario Sunshine é uma aventura especial que se joga e descobre muito bem nestes dias de verão. Não só por se posicionar como sucessor de um dos jogos mais relevantes de sempre mas também por se afastar significativamente. Na tentativa de criar uma alternativa a Mario 64, a Nintendo explorou uma base mais instrumental a partir do Fludd mas também alterou o design de certos níveis, que nalguns casos se tornaram marcantes, noutros talvez nem tanto. Entre afastamentos e aproximações, este é talvez o jogo mais arrojado da série e talvez por isso o mais aberto a reacções mistas. Mas como espaço de atracção e turismo, a ilha Delfino é um destino tentador.