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Race the Sun - Análise

Ser mais rápido do que a sombra.

No seguimento dos clássicos de corrida, uma proposta conceptualmente sólida e visualmente arrojada mas com um grau de transfomação acomodado

No jogo Forza Horizon 2, lançado no final do ano passado para a Xbox One, existe um desafio intitulado Out Run the Sun. Nele pilotamos o Ferrari F40 pelas estradas montanhosas e serpenteantes do sul de França. O desafio passa por chegarmos à meta antes que o sol se ponha. Avançamos furiosamente pelo asfalto, cortando cruvas e contra curvas, enquanto nos desviamos dos veículos que circulam na outra faixa de rodagem. A admirável sensação de velocidade e sonoridade motora aguçam a adrenalina e, naqueles minutos, enquanto avançamos imparáveis, como que revisitámos lugares do antigamente: o inesquecível Out Run da Sega, bestialmente produzido por Yu Suzuki e, ainda mais longe, os primeiros jogos de corridas, nos quais nos limitávamos a desviar de automóveis que seguiam na mesma direcção mas a ritmo lento.

Race the Sun pretende ser também uma homenagem desses jogos e ao jogarmos a versão para a Wii U foi quase inevitável o reencontro com as mais recentes memórias e experiências mas também as mais longínquas. Race the Sun é uma produção da "indie" Flippfly, inaugurada em 2012 por dois irmãos: Forest San Filippo e Aaron San Filippo, que decidiram doar o seu apelido à nova produtora voadora, quando a partir do seu grau elevado de experiência na produção de videojogos (Aaron trabalhou em Call of Duty: Modern Warfare 3) decidiram seguir um diferente rumo, focado nas experiências pequenas mas altamente criativas.

Race the Sun é um bom espelho do desafio que os irmãos abraçaram. O jogo possui um aspecto minimalista e é quase todo dotado de formas geométricas, o que lhe empresta um aspecto altamente invulgar e simultaneamente cativante, a fazer lembrar títulos como Vib Ribbon ou Rez. Nele, o jogador tripula uma aeronave movida a energia solar, deixando desde logo uma mensagem para a utilização de energias renováveis e não poluentes mas também, e sobretudo, a base conceptual do jogo, pois a aeronave só se mantém operacional e a boa velocidade enquanto receber a energia do sol. Desviem-se para as sombras, túneis ou para lá do pôr-do-sol e a vossa viagem chega ao fim.

Em Race the Sun as áreas são designadas por regiões.

Lançado em 2013 para o PC, Mac e Linux, no ano seguinte ou quase há um ano, saiu para a PS3, PS4 e Vita. Há não muitos dias, a Wii U ganhou uma versão, que assim possibilita, em primeira instância, a utilização de um segundo ecrã para jogar. A jogabilidade é bastante simples, por vezes com alguma ligeireza, mas dentro de uma estrutura conceptual bem desenvolvida e sólida. A entrada é quase automática. A aeronave está em pleno voo, em velocidade cruzeiro e a única coisa que fazemos é deslocar o aparelho para a direita ou para a esquerda, sem "do a barrel rol". Voando muito perto do solo, como se estivéssemos a jogar a Wipeout. Não controlamos a elevação do aparelho, pelo que a única tarefa que temos passa por nos desviarmos a tempo dos obstáculos que se aproximam vertiginosamente. Pelo meio podemos coleccionar pontos e outros itens que retardam a redução da luminosidade solar à custa de um incremento da velocidade do nosso aparelho.

Nada de confrontos e disparos. Não existem aviões inimigos nem alvos a destruir. Tão só velocidade pura, automática e passagem por entre locais apertados. O embate numa esquina de um objecto ou simplesmente um raspão não é grave. A nave permanece em voo. Mas se esbarrarmos em cheio numa parede ou num obstáculo, a nossa campanha termina nesse preciso instante. Felizmente, o percurso não é tão fechado. Pensamos em Wipeout e verificamos uma orientação de tipo cano. Aqui o plano é mais alargado e contempla algumas hipóteses de fuga mas também de aproveitamento de "power ups", identificados através de colunas verticais brilhantes. Existem percursos mais apertados, como túneis, nos quais a navegação é mais estreita e o risco de colisão é maior.

Os "power ups" fragmentam-se em cores. Os azuis contam para a pontuação e para as tabelas de liderança, enquanto que os verdes possibilitam a realização de um salto, uma opção em conta para um momento apertado ou inesperado, especialmente quando os objectos tendem a estreitar a margem de manobra. Os amarelos são os melhores, porque retardam o desaparecimento da luz solar, o que dará mais tempo de voo ao vosso aparelho e assim a possibilidade para uma pontuação mais elevada.

A viagem torna-se por isso num risco duplo. Por um lado queremos escolher o caminho mais rápido e fácil, fugindo aos obstáculos que detectamos à distância. Mas por outro lado temos que ir ao encontro dos "power ups", o que implica correr mais riscos, expor a nave a mais perigos e eventualmente terminar a nossa campanha muito cedo.

As regiões mudam de aspecto ao fim de 24 horas.

Ao contrário de Out Run que apresenta múltiplos percursos consoante o desvio seleccionado, embora sempre os mesmos, em Race the Sun todos os dias existem áreas novas, aliviando um pouco a saturação causada pelas passagens sucessivas sobre os mesmos percursos. Além disso, existem áreas intermédias, fases de transição de uma área para outra onde podem recolher mais "power ups", libertados por uma espécie de pássaro gigante que sobrevoa à nossa frente.

Talvez numa tentativa de colmatar as poucas opções ao nível do controlo da aeronave os produtores incluíram alguns acessórios que melhoram a "performance", como o íman que, depois de desbloqueado, permite que os "power ups" se colem mais facilmente ao aparelho. Isto não afecta sobremaneira a jogabilidade e esse é talvez um dos pontos que limita a experiência, demasiado simples e assente permanentemente no mesmo critério, o desvio perante os obstáculos. Ao começo tem o seu encanto. Findas algumas horas continuamos a fazer o mesmo, só que com mais obstáculos. Ao depositar constantemente adrenalina e precisão, a frustração que advém dos embates e choques inevitáveis quando os obstáculos se avolumam é uma denuncia de uma certa circunscrição conceptual e de um modelo que embora bem alimentado não parece talhado para grandes voos. Às vezes as coisas simples são as melhores, basta pensar na fórmula Tetris, mas enquanto que Pajinov contemplou uma abordagem fortemente interactiva e uma surpresa constante fruto da incerteza das peças que arrumamos, em Race the Sun só temos que manter a velocidade, guinando para um lado ou para o outro. Gostamos de pensar no movimento de antecipação ao sol, mas esta é uma luta terrestre que se prolonga pelo horizonte enquanto houver luz.

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