Ready Player One - O futuro é retro e cheio de nostalgia
Spielberg ergue-se acima dos videojogos.
Não é a primeira vez que o mundo do cinema decide olhar para o universo dos videojogos para se inspirar e originar uma produção. Nem sequer é a primeira vez que tenta utilizar a cultura Geek para servir como a sua fundação. Não falo das adaptações directas de videojogos, que tornam reais os teus adorados personagens de uma série de videojogos, como o mais recente Tomb Raider, falo da forma como toda uma incrível quantidade de figuras, nomes, imagens e sons são incorporados em novos mundos para celebrar o entretenimento apresentado na realidade. Filmes como Wreck-It Ralph da Disney são um exemplo disso. Um filme de animação em que uma personagem de um videojogo quer escapar ao destino que lhe foi traçado e vive num mundo onde conhece personagens da Nintendo, Capcom ou SEGA e dá origem a um filme repleto de imagens e significados que os geeks em especial vão entender.
Provavelmente nem gostas da palavra geek, provavelmente preferes ser considerado um apreciador de entretenimento virtual disperso por diferentes tipos de media, mas foi assim que a sociedade nos decidiu considerar, geeks. Como diz o filme, talvez sejas somente uma pessoa que tenta escapar ao banal real entrando em mundos entusiasmantes e descobrindo histórias que te inspiram a ser o melhor que poderás ser. Ready Player One é um filme que celebra toda a cultura geek, os mundos e formatos pelos quais és apaixonado, mas com um toque muito especial e que provavelmente o torna inesperadamente interessante. Ready Player One começou como um livro, que pega em conceitos altamente familiares aos fãs dos videojogos e os combina com uma incrível sensação de estilo. A adaptação chega-nos através da mente do génio Steven Spielberg e, tendo em conta quem ele é ou o que já fez, talvez não seja inesperado que Ready Player One tenha um encanto muito específico que ascende acima da sua temática.
"Ready Player One é um filme que celebra toda a cultura geek"
Spielberg já nos apresentou mundos futuristas em que a tecnologia colocava pertinentes questões sobre a moralidade e valores do ser humano, e já explorou o fascínio de imaginar como a tecnologia nos poderia levar mais longe, mas ao mesmo tempo, desafiar os nossos conceitos. Spielberg também é o mestre da aventura e ajudou a dar vida a clássicos como Os Goonies, Micro-Herói ou a trilogia Regresso ao Futuro, onde a sensação de aventura, camaradagem e ambição tecnológica no caso de dois deles, se tornaram exemplos de como os anos 80 são especiais e capazes de influenciar o imaginário de várias gerações. Ready Player One é um filme que me capturou pelo toque de Spielberg, algo que não esperava pois entrei na sala para ver um filme sobre videojogos. No entanto, foi a forma como Spielberg trata as personagens, as emoções humanas e a tecnologia, ou a sua influência na sociedade, que me fascinaram. Aliás, diria até que em Ready Player One, Spielberg tenta imaginar como seriam os Goonies no futuro.
Ready Player One é todo ele uma forma de celebrar uma indústria que por mais avanços faça, jamais deixará de celebrar o seu passado e na qual muitos mergulham na nostalgia. Nos dias de hoje, muitos dos casos de sucesso que vês são homenagens a clássicos de outrora. A premissa de Ready Player One é ligeiramente similar a isso, mostrar que o nosso legado é demasiado valioso para ser esquecido. Em 2044, Wade Watts é um adolescente que vive no mais pobre dos bairros de Oklahoma nos Estados Unidos da América. Num mundo onde a economia estagnou perante uma crise energética relacionada com o aquecimento global, a humanidade escapa para OASIS, um simulador de realidade virtual que te dá acesso a um universo praticamente infinito. As pessoas escapam à infeliz realidade através do OASIS e tendo em conta as suas possibilidades, é no mundo virtual que passam a maioria do tempo.
Numa altura em que a realidade virtual está a dar os primeiros passos, Ready Player One transporta-te para um futuro onde é de tal forma banal que existe um visor e luvas em qualquer casa (basta apenas isso para aceder ao OASIS, mas existem equipamentos mais completos e avançados claro). Sejam crianças ou adultos, todos escapam à realidade através do OASIS. No entanto, Watts procura algo mais, procura encontrar um Easter Egg deixado por James Halliday, o criador de OASIS, que dará toda a sua fortuna e a sua empresa a quem o encontrar. Através de Parzival, o seu avatar em OASIS, Watts tentará encontrar esse Easter Egg e tornar melhor a sua miserável vida.
O OASIS é provavelmente o expoente máximo da visão que qualquer adepto da realidade virtual imagina um dia alcançar. Um universo inteiro de mundos, onde podes entrar com incrível facilidade e jogar sem qualquer atraso ou sintomas indesejados no mundo físico. No OASIS, podes entrar em diversos tipos de experiência - seja ir ao cinema, participar numa corrida, num glorioso confronto entre exércitos - tu decides como passar o tempo e gastar moedas. De diversas formas, Ready Player One é a glorificação de todos os conceitos e sonhos que muitos adeptos de videojogos sentem. Especialmente no que diz respeito à socialização. A adaptação faz alguns cortes ao livro, que provavelmente vão deixar alguns fãs irritados, mas as cenas e ideias que te apresentam são verdadeiramente interessantes (especialmente quando entram num filme para o "viverem").
É fácil olhar para Ready Player One e ver o porquê de Spielberg ter participado no projecto. É um filme que, apesar de toda a tecnologia e imagens relacionadas aos videojogos (desde Tracer de Overwatch, a Chun-Li de Street Fighter ou Master Chief de Halo), celebra o espírito de aventura dos anos 80 do qual Spielberg se tornou numa das referências. É um filme que fala da gestão da imersão no mundo virtual para escapar ao real, temática com a qual muitos pais se debatem actualmente, que tenta mostrar o lado fixe e explicar de alguma forma o que sentem os "desajustados" que não conseguem explicar o seu fascínio por videojogos, comics ou cinema. Como prova do seu estilo, a banda sonora é toda ela composta por célebres temas dos anos 80, demonstrando que o legado jamais poderá ser esquecido e que por mais avançado seja, o futuro é retro, a nostalgia faz parte de nós.
Ready Player One é um filme que funciona quando humaniza os videojogos, que expõe as emoções que existem na hora de criar um produto para entretenimento. A empresa gananciosa está lá, o confronto entre valores e ideologias está lá, e também está o Spielberg que explora a sede de aventura e como a tecnologia é um meio para o alcançar. Dificilmente reunirá consenso, mas para muitos será uma janela para o seu mundo, explicada e exposta de uma forma que jamais conseguiram apresentar. Ready Player One não tenta demonstrar o lado bom ou negativo dos videojogos ou da realidade virtual, apenas tenta traçar uma homenagem a toda uma cultura, ou forma de estar, sem esquecer que existe uma aventura a ser contada.
Quando os créditos começaram a rolar, fiquei com a clara sensação que Ready Player One prevalece devido à mente do génio que o adaptou para o grande ecrã. Consegues ver ali o toque de quem te deu filmes como E.T., A.I. ou Minority Report, entre outros tantos, onde Steven Spielberg olha para um futuro que nas suas alturas pareciam demasiado rebuscados, mas que agora estão cada mais perto de se tornarem realidade. A mente de um realizador que sabe combinar aventura, mistério e acção, com mundos tecnologicamente avançados que são quase todos eles testes à essência humana. Ready Player One não conseguirá reunir consenso, mas qualquer um sentirá o toque de Spielberg e foi isso que prevaleceu quando saí da sala de cinema: contente por ter assistido a mais um filme deste realizador. Especialmente um filme que celebra todo um legado que apaixonou gerações e não propriamente por ter assistido a um filme sobre videojogos.