Realidade alternativa ou futuro virtual?
Project Morpheus e a realidade virtual no centro da E3 2015.
Embora com uma passagem breve na conferência da Sony na E3 2015, o Project Morpheus ocupou um espaço central na maior feira de videojogos, proporcionando a muitos dos presentes um importante primeiro contacto com a realidade virtual, cada vez mais a próxima paragem da indústria dos videojogos. No entanto, a realidade virtual na E3 esteve longe de se confinar à experiência proporcionada pelo projecto liderado pela Sony CE e construído para a PS4. A realidade virtual entrou nesta E3 com uma dimensão nunca antes vista, fruto de uma adesão cada vez maior de empresas e companhias apostadas neste rumo. A Microsoft exibiu o HoloLens durante o seu evento e mostrou como a sua experiência, partindo em moldes similares, ganha uma diferente concretização.
A Oculus trouxe mais uma vez o Oculus Rift para o centro do PC e outras companhias, menos conhecidas do grande público, revelaram os seus produtos em desenvolvimento, também eles conexos com a realidade virtual, como a Merge Labs, Inc, que já para este ano aposta no Merge VR para smartphones, com Android e iOS. Já o Universal Virtual Reality da ANTVR, como o nome sugere, vai oferecer compatibilidade com múltiplas plataformas como o PC, as consolas PlayStation e as máquinas da Microsoft. E para sustentar a adesão muito significativa de mais companhias ao formato da realidade virtual, acrescem os auscultadores e visor da Vuzi's Corporation, o iWear 720, uma fusão de áudio e video capaz de oferecer uma resolução de 720p para cada olho.
Apesar da oferta cada vez maior de protótipos e aparelhos voltados para a realidade virtual, estaremos diante do que pode ser uma transformação ou revolução na forma como jogamos ou será esta apenas uma realidade alternativa, que tal como outras formas de interagir, terá também o seu começo, uma fase de alguma progressão, sustentação, seguindo-se uma queda até desaparecer por completo? Como sempre, será o mercado a ditar o sucesso dos sistemas que acolhem a realidade virtual. Será o jogador, com o seu voto, a justificar a massificação ou não desta tecnologia.
No passado, outras companhias e fabricantes de consolas apostaram na realidade virtual, com diferentes produtos e periféricos. Apesar dos esforços e da tecnologia então emergente, nenhum vingou. Talvez pelo estado rudimentar da tecnologia ou pelo tempo, hoje a situação é diferente e a indústria parece mais disposta do que nunca em fazer vingar a sua visão sobre o que é uma experiência completamente imersiva, na qual o jogador habita e, mais do que isso, interage dentro do mundo virtual, na primeira pessoa, confundindo-se facilmente com uma outra personagem. Mas será este o momento certo e será que os jogadores estão dispostos a entrar para uma realidade mais impactante?
"estaremos diante do que pode ser uma transformação ou revolução na forma como jogamos ou será esta apenas uma realidade alternativa, que tal como outras formas de interagir, terá também o seu começo, uma fase de alguma progressão, sustentação, seguindo-se uma queda até desaparecer por completo?"
Ao GamesIndustry, Shuhei Yoshida, presidente da Sony Worldwide Studios, fala em 20 jogos disponíveis na E3, aliás o número só não é maior porque tiveram necessidade de restringir as admissões. Pela mão dos fabricantes e produtoras, sim. Se alguém passeasse pela E3 sem conhecer a indústria, não levaria muito tempo até descobrir que o futuro pode ser virtual. Um dos estúdios que carrega a tecnologia é precisamente a Maximum Games, com Loading Human, um jogo criado para o Project Morpheus, capaz de oferecer um ambiente rico em exploração, no qual o jogador, através do sistema Move, manipula uma série de objectos. Assente em 2185, o jogo oferece uma perspectiva de um mundo distante. O jogador é enviado para o espaço e deverá recuperar uma misteriosa fonte de energia. A aventura terá três partes, estando prevista a primeira parte já para a Primavera de 2016.
O aparelho desenhado pela Sony para esta E3 é a mais recente evolução do Project Morpheus, melhorado em vários aspectos de modo a transmitir uma experiência mais avançada e segura, visando a eliminação de alguns efeitos negativos, como tonturas e cansaço, pensando numa percentagem de utilizadores que diz sofrer desses problemas ao usar a tecnologia e ao fim de alguns minutos. Em termos de especificações o aparelho inclui um visor de 5.7 polegadas a 1080p, formato OLED, oferece uma cadência de 120 fotogramas por segundo, proporcionando uma imagem limpa e cristalina. A Sony desenvolveu ainda um sistema 3D áudio, com som surround virtual capaz de corresponder aos visuais, para uma melhor imersão. Ao mesmo tempo, nove pontos luminosos (LED's) permitem à PlayStation Camera acompanhar os movimentos da cabeça do jogador, num sistema de 360º. Entre as opções de partilha, está previsto o uso da função "social screen".
Em termos de design e utilização prática a Sony está a fazer os possíveis para alcançar um desenho não muito complexo, amigável e de fácil ajuste à cabeça. A colocação é simples, com o apoio dado na parte posterior da cabeça através de uma corrente, e repouso do monitor à frente do rosto, cobrindo por inteiro a região ocular, tapando a entrada de luminosidade exterior de modo a mergulhar o jogador completamente na realidade virtual assim que o jogo começa. Convém ter o aparelho bem fixo à cabeça por causa das rotações, embora não muito apertado. Ao princípio e como em tudo o que é novidade, causa alguma estranheza, mas em pouco tempo é como se acordássemos para uma nova realidade, com novas coisas à nossa volta. A primeira sensação é de total imersão. Para onde quer que rodemos a cabeça temos sempre um ambiente tridimensional, tal como observamos o mundo à nossa volta. Com um par de auscultadores, comando ou sistema Move, estamos prontos para a experiência.
O primeiro jogo que experimentei num espaço reservado da Sony CE unicamente para o Project Morpheus, com salas divididas de modo a acomodar dois jogos, foi Battlezone, um clássico da Atari criado para as arcadas no princípio dos anos oitenta, com gráficos vectoriais e um sistema de combate bastante imersivo para a sua época. Agora, pela mão da Rebellion, temos uma "tech demo" muito clara sob o potencial do jogo, assim como da tecnologia que o suporta. Instalados num tanque, à nossa volta encontramos uma série de manómetros e indicadores de funcionamento do aparelho.
Com um sistema de comandos baseado no DualShock, os analógicos são utilizados para operar o controlo do tanque e o canhão, independentemente dos movimentos efectuados pela cabeça. Pese embora alguma dificuldade inicial de adaptação, rapidamente nos acostumamos ao sistema e não tarda até nos sentirmos confiantes sobre o controlo do tanque, usando a artilharia com eficácia sobre os alvos, desfeitos em pequenas partículas, um pouco à semelhança do original. Partindo de tons neon, gráficos mais trabalhados e um conceito futurista, destaco a fluidez e sensação de velocidade. Manobras como círculos com o nosso tanque podem causar alguma desorientação e tontura mas só se exagerarmos no pedal. O controlo do aparelho pareceu-nos bastante seguro e o combate, com alguns efeitos visuais encostados ao clássico, deixou boas impressões. Uma "tech demo" bastante avançada e uma surpresa pelo factor imersão.
De seguida passamos para uma experiência completamente diferente. Trata-se de "Kitchen", uma produção oriunda da Capcom, integrada no género que poderia classificar-se de "survival". Embora despida de elementos como combate e acção, o ambiente aterrador resultou em cheio com a palavra que melhor ajuda a definir o conceito de realidade virtual nesta altura, imersão. Muitas pessoas gritavam enquanto experimentavam a demonstração, outros encolhiam-se, outras balbuciavam palavras imperceptíveis. Chega a ser tão curioso e divertido observar alguém jogar com o Project Morpheus como estar por dentro. Com o Move nas mãos e já com o "headset" montado, despertamos numa cozinha escura, coberta de manchas de sangue, com uma pessoa morta à nossa frente enquanto que outra, um homem seco e espadaúdo, fato amassado, desdobra-se para ficar aterrorizado com o que vê à sua volta. Mexemos a cabeça e a pouca luminosidade mantém a maioria das coisas mergulhadas num escuro quase impenetrável, horrendo, numa desconsertação tremenda.
A sensação de imersão é completa, como se estivéssemos não a jogar um título de horror mas acordássemos dentro dele. Tenho os pulsos atados e estou sentado numa cadeira de madeira. O homem já se levantou e ainda aturdido pega uma faca. Por momentos fico mais assustado. Irá desferir uma facada sobre mim ou irá libertar-me? Entre palavras que não entendo e sobressaltos emocionais, conduz a arma até às minhas mãos e procura libertar-me. Olho para os lados e não vejo ninguém, quando quase sem dar por isso, reparo numa criatura prestes a lançar um ataque sobre o pobre homem. Em segundos cai sobre ele a força do mal, arrastando-o para um corredor próximo.
"a realidade virtual pode produzir efeitos assombrosos na tentativa de infligir medo e receio no jogador"
A sensação de pânico adensa-se e por momentos parece que podemos tocar em tudo o que vemos, sentir o medo, como se acordássemos a meio de um pesadelo e tudo fosse real. Ouço gritos, berros e risos jocosos. Alguém aproxima-se, não vejo por onde. Atrás não está ninguém. Olho para cima e vejo a mesma criatura horrenda. A demonstração acaba. Apesar da inexistente interacção com o ambiente, parece-nos claro que dentro do universo dos "survival horror", a realidade virtual pode produzir efeitos assombrosos na tentativa de infligir medo e receio no jogador.
De seguida, experimentámos The London Heist, outra das demonstrações mais completas e plenas de interactividade que encontramos. O destaque vai naturalmente para o sistema de comandos através do Move, bem implementados, ao ponto caber numa mão uma arma e na outra algum objecto como uma chave ou um carregador de balas da nossa pistola. Colocados sob interrogatório diante de um carrasco careca e forte, quiçá mandatário de um grupo mafioso, escapamos a um pequeno segmento de tortura, antes de nos escondermos atrás de uma secretária, que nos serve de protecção dos disparos dos inimigos oriundos de múltiplas direcções. Numa dessas gavetas encontramos a arma. A tendência é olhar apenas em frente, mas se olharmos para trás, vemos mais coisas. A batalha prolonga-se por alguns minutos e de um momento para o outro deixamos de estar sentados na cadeira e agachamo-nos (ainda bem que não havia grandes objectos à minha volta) por forma a obter protecção de uma mesa no mundo real. Carregando a arma, acabei por me levantar e abater os adversários que restavam. Não fui alvejado e a minha saúde não foi beliscada neste tiroteio. Talvez a demonstração tivesse calibrada para nos deixar chegar ao fim e perceber melhor as mecânicas através do Move. Foi isso, aliás o que mais me impressionou, a progressão existente em termos de interactividade. Uma demonstração com potencial mas que ainda requer alguns ajustes.
Por fim, ainda corremos a tempo de experimentar uma sessão multiplayer de Rigs, o futurístico jogo de "robô mechs" que põe frente a frente duas equipas de três jogadores, lutando numa arena pela melhor pontuação. Os produtores estavam visivelmente animados com o jogo que trouxeram até à E3, num espaço lateral ao stand da Sony, a ocupar uma significativa porção. Com esta demonstração, totalmente orientada para o multiplayer, a Sony quer mostrar que o Project Morpheus pode servir para toda a família e para os nossos amigos ligados por via online.
Neste jogo a mecânica é um pouco diferente dos anteriores. Continuamos a usar o DualShock para movimentar o nosso mech, mas com uma grande diferença, é que ao deslocarmos a cabeça para a direita é nessa direcção que prosseguimos, do mesmo modo que ao deslocarmos para a esquerda dirigimos o mech nessa direcção, sempre na primeira pessoa. A isto acresce um sistema de disparos que nos permite atacar os adversários. Com uma barra de saúde escassa, uma breve exposição ao ataque inimigo é suficiente para nos empurrar para um ponto do cenário onde ocorre a reentrada em jogo. No final, ganha a equipa que fizer mais pontos. Para tal, os jogadores têm que progredir por um caminho ascendente, entre curvas apertadas, até encontrarem uma espécie de cesto (tipo basquetebol). Se saltarem e passarem por ele fazem ponto.
Finda a fase de adaptação sentimo-nos mais capazes e confiantes no domínio deste sistema de comandos. Ocorre algum aperto no estômago quando somos atirados para a arena desde o alto, como se fossemos lançados a partir do topo de uma montanha e entrassemos em queda livre. Vertiginoso! Na arena, as irregularidades do cenário originam verdadeiros pontos de confronto. Os colegas são poucos e o espaço ainda é significativo, pelo que no final acaba por ser cada um por si a tentar concretizar o mesmo objectivo. A partida ainda é demorada, sendo inevitável algum cansaço, por força do ritmo mais acelerado dos jogos. As impressões desta "tech demo" são muito positivas, oferecendo uma alternativa dentro do sistema de interacção, ao permitir a mudança de direcção através de movimentos com a cabeça.
Pese embora a boa evolução do Project Morpheus, com um "headset" melhorado e capaz de ser utilizado por qualquer pessoa, mesmo assim subsistem algumas dúvidas. Será esta uma experiência compatível com sessões prolongadas? A maior parte das demonstrações completava-se em menos de 5 minutos. Quanto tempo aguentará o nosso corpo sob os efeitos da realidade virtual? Será que possíveis efeitos como náuseas e dores de cabeça sentidas por algumas pessoas poderão surtir uma onda negativa de comentários e afectar a penetração do sistema no mercado? E depois ainda existe a questão do preço. A Sony CE ainda não anunciou valores e provavelmente, à semelhança do que fez com a PS4, só o fará a poucos meses do lançamento do aparelho, mas provavelmente chegará a um valor ainda significativo, que somado a outros factores já referidos poderá redundar num desinteresse relativamente à plataforma.
Apesar das questões e dúvidas que ainda se avolumam, o Project Morpheus está já ao virar da esquina e nunca vimos uma indústria tão animada com a realidade virtual, empenhada em oferecer diferentes alternativas como agora. O potencial do Project Morpheus, assim como de outros sistemas disponíveis nesta E3 é elevado, e as impressões dos momentos passados com diferentes jogos apontam para uma imersão que não é possível obter diante de um televisor. Facilmente imaginamos o que os produtores podem fazer com esta tecnologia, desde corridas em Gran Turismo até aos shooters. As possibilidades são enormes. Mas trocar um comando por um "headset", é uma questão para a qual o mercado dará a resposta, conferindo ou não sucesso às plataformas que operam a realidade virtual.