Red Dead Redemption 2 - Análise - Foras de série
Classe e gabarito com o selo Rockstar.
A Rockstar Games é conhecida como "A Rainha dos Mundos Abertos", uma companhia que através do seu talento e irreverência conquistou ao longo dos anos um estatuto de excelência que garante automaticamente aos seus jogo um entusiasmo pré-lançamento sem rival. Benefícios de quem desenvolveu jogos incrivelmente divertidos que frequentemente nem precisam fazer sentido.
Incrivelmente cinematográficos, repletos de alusões à vida real e com uma atenção incrível ao detalhe, mesmo os mais pequenos que provavelmente nem sequer irás notar, os jogos da Rockstar Games viveram sempre numa espécie de "bolha", à parte do resto, seja pela já referida qualidade ou pela capacidade dos jogadores em perdoar as falhas, como controlos desajeitados, alguns deles ao estilo "tanque", que se mantêm fiéis ao ADN da companhia e não implementam as melhorias na fluidez e suavidade vistas por outros estúdios de grande pedigree.
Essas falhas existem, estão lá, muitas delas fruto da incansável vontade em tornar os seus trabalhos em triunfantes expressões cinematográficas obcecadas com o detalhe, ocasionalmente acima da diversão, mas a qualidade do que faz bem é tanta que te faz esquecer facilmente que existem pontos menos bons, faz-te sentir que são uma parte do ADN e que provavelmente nem conseguirias viver sem elas.
Desta forma, acredito que a introdução já te disse tudo o que precisavas saber sobre Red Dead Redemption 2 - o primeiro título original da Rockstar Games em 5 anos, o primeiro nesta geração e que chega 8 anos depois do primeiro Red Dead Redemption. Neste período de tempo, a indústria já assistiu a fenomenais lançamentos como The Witcher 3 e Zelda: Breath of the Wild, que marcaram para sempre os jogos em mundo aberto, sejam na profundidade, imersão, liberdade ou até com mecânicas e detalhes que fazem as horas passar a voar.
Podemos então presumir que após 5 anos sem apresentar nada, mantendo-se fiel às suas próprias regras e revelando-se quase desatenta aos avanços que outros estúdios fizeram, a Rockstar Games consegue entregar com Red Dead Redemption 2 o inevitável e natural colosso que esperavas? A resposta é provavelmente um "nim" - um jogo que apesar de todas as suas glórias e singularidades poderá surpreender-te por desafiar as expectativas do que esperarias de um clássico instantâneo.
"O próprio início de Red Dead Redemption 2 mostra a Rockstar novamente num campeonato só seu - seguindo o seu ritmo e estrutura.
Digo isto porque Red Dead Redemption 2 consegue ser um jogo inesperadamente enervante, um jogo com tanto de bom, com tanto que te deixará simplesmente arrebatado e a pensar que passaste por momentos que engrandecem o significado de videojogo, mas ainda assim com pequenas falhas aqui e ali que te vão ocasionalmente testar.
Terás de decidir se os seus pequenos incómodos têm mais valor que a já referida atenção ao detalhe que faz-te ficar parado durante minutos a observar os cenários, a escutar o mundo, a saborear o nevoeiro matinal enquanto o sol nasce no local perfeito. Quando um jogo te leva ao ponto de quase sentires o cheiro a relva fresca é porque faz algo de muito bom, mas depois tens o lado que não faz parte dessa obsessão cinematográfica, tens o gameplay, as mecânicas, a interface, o vínculo de ligação com o jogador.
O Bom
O ADN da Rockstar Games significa uma coisa acima de tudo - diversão em mundos abertos que nascem de uma obsessiva paixão pelo tom cinematográfico. A série Grand Theft Auto sempre misturou tontice e excentricidade com gameplay cujo enquadramento te lembra a todo o tempo um filme. Red Dead Redemption 2 aposta nessas mesmas bases, o que se traduz num jogo simplesmente singular, cujo carisma e personalidade não têm qualquer rival nesta indústria. A Rockstar é conhecida por criar mundos repletos de surpresas, fascinantes espaços virtuais nos quais gostarias de viver.
Enquanto "Cowboy Sim", Red Dead Redemption 2 não desilude e a Rockstar Games vai ao ponto de pensar no que tu nem sequer conseguirias pensar. Este variado, enorme e apaixonante mundo aberto é do melhor que já vi num videojogo, a minha vontade neste momento é largar o teclado e ir cavalgar para os arredores de Rhodes e sentir o nevoeiro matinal a tocar na minha cara enquanto cumprimento um estranho que passa por mim. Perderia aqui uma via a descrever inesperados pequenos momentos que surgem do nada ao vaguear por este mundo ou a falar do potencial para viver a vida de cowboy.
É precisamente este o incomparável valor da Rockstar Games, saber garantidamente que vão mais além, saber que passado cinco anos a sua metodologia ainda continua dotada de qualidade. Munido de visuais incríveis (dos melhores desta geração) que revelam um uso totalmente fenomenal da luz e cor, frequentemente até para esconder pontos negativos e assim os transformar em elementos positivos de uma inspiradora cena geral (acredita que a Rockstar é incrivelmente inteligente na forma como manipula os efeitos de iluminação, sombra e nevoeiro), Red Dead Redemption 2 apresenta-te um mundo que vais adorar explorar.
A estrutura de Red Dead Redemption 2 mantém-se fiel ao que conheces da Rockstar Games, chegas a um local, cumpres algumas missões em torno desse local, onde conheces algumas personagens estranhas e partes para outro local. Pelo caminho, percorrerás locais onde te vais querer perder. A Rockstar glorificou os seus sistemas, os seus valores, o que significa imensas actividades secundárias, como pesca ou caça de animais lendários, caçar recompensas dadas por um Xerife de uma cidade onde tu próprio és procurado "Vivo ou Morto" e também encontros aleatórios que realmente definem o carácter do jogo.
É fácil passar horas aqui a tentar ir a um local e descobrir algo, procurar um criminoso, aceitar o desafio de um estranho que está algures no monte a tirar fotos da vida selvagem. É fácil jogar Red Dead Redemption 2 e sentir que a qualquer momento serás surpreendido por um mundo que faz o possível e impossível para se manter orgânico, dinâmico, vivo e envolto numa profundidade raramente vista. Mundos visualmente impressionantes não faltam, mas mundos que se sentem vivos são cada vez mais raros pois a crescente qualidade visual gera um crescimento exponencial nos possíveis "imersion breakers". Como referi, perderia dias a falar dos pequenos detalhes que te fazem esquecer que estás num mundo virtual.
A Rockstar Games não aposta na quantidade, aposta na qualidade. Isso é feito através de um equilíbrio impressionante entre os diversos elementos usados na criação dos seus mundos abertos, que colaboram em total harmonia para glorificar o efeito cinematográfico e, consequentemente, a tua imersão. Inigualável, diria eu. O factor aleatório foi elevado a novos expoentes, para sentires que estás num mundo vivo que reage aos teus actos de forma natural e orgânica, existe agora um acampamento onde podes gerir a tua vida e um grupo de personagens que transforma por completo a personalidade da sequela comparada com a jornada de John Marston no primeiro Red Dead Redemption.
O Vilão
Este grupo de personagens é apresentado da forma que a Rockstar Games adora, com um formato do qual parece não prescindir. Ao invés de te introduzir ao protagonista de forma directa ou perder tempo com origens, a companhia coloca-te a meio de eventos intensos, contando-te a história e traçando a personalidade do protagonista através dos diálogos. Red Dead Redemption 2 começa após um roubo que correu horrivelmente mal e forçou Dutch van der Linde a levar o seu gang de cowboys presos às velhas ideias para as montanhas cobertas de neve. Poderás ficar inicialmente assoberbado com a quantidade de personagens em fuga do governo e das autoridades locais que terás de conhecer.
A história é uma das melhores formas de ver como a Rockstar ainda se rege pelas suas próprias ideias, que realça as suas filosofias e trabalha a sua expressão artística ao seu estilo. Sempre à procura de paralelismos com a actualidade, mesmo quando tem um jogo que decorre em 1899 (12 anos antes do primeiro jogo). As constantes alfinetadas à sociedade dos Estados Unidos da América podem ser vistas nas missões de história, nos encontros aleatórios com desconhecidos espalhados por todo o mapa e até nos criminosos que podes caçar. A combinação de um mundo orgânico e vivo com a irreverente postura da Rockstar dá origem a momentos verdadeiramente curiosos que despertam a tua curiosidade para investigar o desconhecido.
New Hanover, Ambarino e Lemoyne são os três principais locais onde estas personagens vão viver o seu conflito interno que as leva a perceber que o estilo de vida que levaram até agora não mais é compatível com o mundo em evolução. Existem diversos temas que são explorados em Red Dead Redemption 2 e o tornam muito diferente do primeiro, especialmente porque o grupo de personagens é muito grande. Isto, quase inevitavelmente, transporta-te para um contexto onde temas como lealdade, família e amizade serão explorados.
Perante o cerco das forças da lei, Dutch terá de liderar o seu grupo até uma última missão perfeita capaz de gerar o dinheiro suficiente para largarem esta vida. Missão essa que teima em não se proporcionar nas perfeitas condições. Enquanto moves o acampamento para diversos locais para fugir às autoridades de um local onde uma missão correu mal, descobrirás um crescente conflito entre as diversas personagens - o desejo de um melhor futuro poderá não ser o suficiente para calar o coração rebelde que ainda deseja viver como no Velho Oeste.
Isto desde logo te dá uma noção do método da Rockstar Games - não tens personagens boas, o grande herói das fábulas que tudo o que faz é bom e cheira a arco íris. Arthur Morgan, o protagonista e a tua perspectiva sobre o grupo de Dutch, é um fora da lei, um criminoso que mata impiedosamente para proteger os membros da única família que alguma vez teve. Em Red Dead Redemption 2 tu pertences aos maus, mas num mundo repleto de falsidade e mesquinhice, um mundo ainda tão selvagem, ladrão que rouba ladrão poderá merecer o teu perdão. A Rockstar Games explora estes conceitos básicos para a sua narrativa e consegue alguns momentos chocantes, mas outros nem tanto.
Não é propriamente um vilão para as pretensões de Red Dead Redemption 2, mas não sinto que a história, o fio condutor que apaixona os adeptos dos jogos singleplayer narrativos, seja um dos seus melhores valores. Pelo contrário, diria que a narrativa principal do novo jogo da Rockstar, o conto de Dutch e do seu grupo, é um pouco confusa, previsível e ocasionalmente nem se importa em ser tonta, desde que sirva para justificar uma missão que inevitavelmente acabará aos tiros.
Red Dead Redemption 2 começa com um ritmo narrativo e exploração de personagens um pouco lenta. Muitos dos acontecimentos servem para explorar a forma como Dutch geriu o seu grupo e como surgiram os conflitos internos que acabariam em desgraça. Parte disto já sabes desde o primeiro jogo, através de Marston que também está aqui - uma das personagens no acampamento e um membro do grande elenco através do qual a Rockstar Games tenta tornar a estrutura mais dinâmica.
Apesar de alguns belos momentos, a narrativa de Red Dead Redemption 2 não ficará para a memória e frequentemente poderás sentir que nem sequer faz sentido ou que a Rockstar força demasiado apenas para levar a sua avante. No entanto, terás outros momentos "à lá Rockstar" que alcançam uma incrível imersão e impacto.
O Mau
Tudo o que está relacionado com a inigualável perseguição de enquadramentos cinematográficos na qual a Rockstar Games investe torna Red Dead Redemption 2 num jogo deslumbrante, mas, como referido em cima, existem outros elementos que podem testar a tua paciência e dificilmente vão gerar consenso. Falo de elementos relacionados com o gameplay, com os menus e até com o ritmo de algumas tarefas. Tendo em conta a multiplicidade de coisas que podes fazer, desde tarefas como cortar cabelo e barba, tomar banho, comprar e alimentar cavalos, caçar, pescar, comprar roupa, limpar armas e até escovar cavalos, desde logo seria complicado gerir menus e botões, mas outros elementos simplesmente parecem exibir falta de polimento.
O pensamento que a Rockstar faz tudo bem por natureza e dom divino poderá ser perigoso, especialmente perante um jogo como Red Dead Redemption 2 que será exibido entre as referências desta geração. Como referi no início, o ADN da Rockstar Games está visível em tudo o que forma esta jornada inglória de Arthur Morgan (personagem não tão carismático ou atractivo como esperarias da Rockstar), mas se isso é uma marca incontestável de qualidade cinematográfica e detalhes incríveis, também significa que o gameplay "clunky" está de volta.
A Rockstar Games optou por manter-se fiel a si mesma e isso não tem qualquer problema, mas teve cinco anos para aplicar melhorias e não o fez. Os controlos de Arthur Morgan são muito similares ao que viste nos jogos da Rockstar, isso significa que frequentemente parece um tanque - lento e irritante, enquanto noutros momentos os controlos e animações são simplesmente desajeitadas, trapalhonas. Sim, faz parte do ADN da companhia, é uma característica sua e ocasionalmente serve para engrandecer o efeito cinematográfico, mas frequentemente é irritante. Mesmo os controlos do cavalo, com o vínculo no máximo, podem ser inconsistentes e trapalhões.
No meio de um tiroteio, poderás encontrar inesperadas dificuldades em usar a roda de armas e itens para trocar entre armas, poderás ter dificuldade em agachar-te ou poderás sentir dificuldades em "colar" Arthur a uma parede com o efeito que desejas. A lentidão de alguns movimentos, alguns defeitos nas animações e até ocasionais bugs são uma pequena mancha numa experiência que no seu geral merecia mais atenção neste departamento. Os tiroteios vibram com o sistema "Dead Eye" - que tal como outros atributos vão evoluindo conforme os usas ou quando comes alguns alimentos, podes até ajustar alguns parâmetros para personalizar o gunplay típico da Rockstar Games, mas é pena não ver melhorias significativas.
Será fácil contra-argumentar que "é o estilo Rockstar e não tem problemas", mas é um problema quando não existem melhorias e até permitem que cause desconforto em alguns momentos. Frequentemente, senti que os comandos e controlos podiam ser mais suaves, mais leves, mais fluídos. Ao invés disso, fiquei com o que é característico da Rockstar Games - mesmo que isso não signifique uma evolução. Em nome do detalhe e do tom cinematográfico, a Rockstar Games vai mais longe e mostra animações detalhadas para todo o tipo de movimentos e actos, mas nem sempre isso é bom - frequentemente sacrifica a própria diversão do gameplay (especialmente no acto de saquear inimigos).
Isto é especialmente perceptível no Acampamento, uma das melhores novidades de Red Dead Redemption 2, mas que é afectado pelo movimento incrivelmente lento de Morgan e pela infindável quantidade de botões nos quais podes pressionar. A atenção ao detalhe e o aumento da profundidade do mundo virtual através de uma impressionante quantidade de tarefas que podes realizar é louvável, mas o preço podia ser menor.
No acampamento podes adquirir melhorias para diversos membros, na verdade estás a ajudar o próprio Arthur pois ganhas acesso a itens, munição e comida, podes receber novas missões, escovar o cavalo, jogar cartas, combinar assaltos a casas de ricos, conversar com os teus aliados, dormir, trocar de roupa, fazer a barba ou simplesmente ficar sentado à fogueira. Isto é o impressionante valor do nome Rockstar Games - atenção ao detalhe que vai a patamares onde os outros nem sequer pensam em ir, não se dão ao trabalho de ir. A Rockstar Games leva todo o detalhe ao pormenor, mas ajustes significativos no gameplay e mecânicas tornariam isto mais grandioso.
Conclusão
Ainda assim, mesmo com estes pequenos elementos menos positivos, Red Dead Redemption 2 é mais um colosso que expressa bem o pedigree da Rockstar - uma companhia que está associada a alguns dos melhores momentos desta nossa indústria. Momentos esses frequentemente associados a ambição e ao desejo de ir além do banal. Foi preciso esperar oito anos para obter Red Dead Redemption 2 e a Rockstar Games já não habita sozinha nesse panteão de excelência no Olimpo dos videojogos em mundo aberto - especialmente numa era pós The Witcher 3. Ainda assim, Red Dead Redemption 2 é um monstro de uma categoria só sua.
Não é um jogo perfeito e terás de lidar com alguns elementos que não ostentam a qualidade dos seus melhores valores, talvez até gostes da história e sintas que é tudo o que a Rockstar quer que penses que é. No entanto, são os seus encantos que prevalecem com uma força rara de ver na indústria. Os seus visuais patrocinam momentos em que quase pensas estar a jogar já um jogo de nova geração, a imersão neste mundo repleto de charme e personalidade é incrível, a atenção aos detalhes impressionante e a quantidade de elementos inesperados que tornam dinâmicos estes locais que percorres não têm rival nesta indústria.
Red Dead Redemption 2 é um daqueles jogos que fica na memória, um daqueles jogos no qual não te importas de perdoar as pequenas falhas pois preferes respeitar o bom que te dá. É um daqueles jogos que te faz ficar grato por gostares de videojogos.