Remember Me - Antevisão
Para quê viver se podemos recordar?
O tema da perda de privacidade tem tanto de polémico como de atual, numa era em que vivemos com a nossa existência prolongada nas redes sociais, muito se discute se estamos a ir longe demais e qual será o limite. De momento ainda temos o poder de escolher o que manter na esfera privada e o que partilhar com o mundo, mas a verdade é que estes anos têm mostrado que as pessoas estão disponíveis para mostrar ao mundo muito mais sobre si, do admitiriam inicialmente.
Outra questão diretamente relacionada com o fim da era da privacidade é o desenvolvimento tecnológico, que tem sido exponencial desde a explosão da Internet, até aos microprocessadores que carregamos agora nos nossos telefones, passando para o futuro não muito distante quando toda gente andar com uns óculos ligados à rede (Google glass ou similar). A semana passada estava a ter uma conversa com um amigo sobre este "tema", ele é um pouco resistente a esta transfiguração das relações humanas, e por isso deixei-o com uma questão que coloco aqui para enquadrar também o "setting" deste Remember Me. Imaginem que surge uma tecnologia capaz de ler os pensamentos das pessoas, ou aceder de algum modo ao cérebro humano, modificando ou acrescentando informação?
Imaginem como tudo teria obrigatoriamente que mudar, então se este tipo de tecnologia fosse disponível para todos, seria o caos. É a partir desta premissa que iniciamos a aventura em Remember Me, estamos no ano de 2084 em Neo Paris, uma reminiscência do que outrora foi a capital Francesa e que de familiar apenas tem a torre Eiffel e o arco do triunfo. Esteticamente, este cenário futurista é idealizado pelo contraste entre tecnologia avançada, como hologramas ou drones voadores, e áreas abandonadas onde os pobres e esquecidos sobrevivem sem qualquer motivo aparente que justifique a sua existência.
Tanto a escrita, o tom e os cenários remontam imenso para a ficção cyberpunk, que é tradicionalmente marcada pelo contraste entre o foco na alta tecnologia, e as mudanças radicais que esta provoca na ordem social. Através da tecnologia Sensen, as memórias são em 2084 um bem transacionável, podem-nos ser retiradas, acrescentadas e até modificadas, o que altera de imediato a nossa perceção da realidade, afinal, nós somos muito aquilo que nos lembramos.
Uma narração introdutória apresenta-nos a protagonista e suas motivações, e levanta um pouco do véu sobre as ameaças que vamos enfrentar no jogo. Vestimos a pele de Nilin, uma caçadora de memórias Nilin, a melhor segundo dizem, que acaba de ter a sua própria memória apagada numa "linha de montagem", ao serviço de uma grande corporação conhecida por Memorize. Este é o ponto de partida dramático, uma rapariga de memória aparentemente resistente, enviada para apagar a réstia de identidade que lhe resta.
"Imaginem que surge uma tecnologia capaz de ler os pensamentos das pessoas, ou aceder de algum modo ao cérebro humano, modificando ou acrescentando informação?"
A amnésia é um método um pouco preguiçoso de justificar as limitações iniciais de um protagonista, mas neste caso a condição liga bem com o trama global, e é declarado, sou um protagonista que não precisa treinar para ficar mais forte, basta esperar até me lembrar. Ainda dentro das instalações da Memorize, Nilin é contatada por uma voz familiar (Edge), que a assiste na fuga daquele local e serve de orientação sobre quem Nilin realmente é e o que deve fazer.
Assim que nos encontramos livres pelas ruas de Neo Paris, vemos exatamente os efeitos nefastos que a manipulação de memória pode provocar. Por vezes os sujeitos não aceitam bem a tecnologia Sensen, e tornam-se criaturas que de humano apenas guardam os impulsos mais básicos (Leapers), sendo descartados para os subúrbios, ou até os esgotos. As suas figuras assemelham-se à que conhecerão de Gollum do senhor dos anéis, privados das lembranças de quem foram outrora.
Os condenados são outro exemplo da falta de humanidade deste tempo. O procedimento com as condenações à prisão passa por retirar a identidade dos presos apagando a sua memória, para a devolver apenas depois de cumprida a totalidade da pena. A tecnologia Sensen é neste momento amplamente utilizada, a humanidade é viciada nela, é como a internet do futuro. Mas voltando à pobre Nilin, um contacto com um grupo de indigentes introduz-nos à ação propriamente dita, que alternou sempre entre navegação, combate e as infiltrações para alterar a memória de certos sujeitos.
Apesar da profundidade dos cenários, que quase parece uma nova cidade sobreposta sobre a envelhecida Paris que conhecerão, a navegação não oferece grande liberdade. Mesmo ao utilizar as capacidades acrobáticas de Nilin a percorrer telhados e trepar edifícios não temos grande escolha sobre para onde ir. Digamos que a navegação é menos como Assassin's Creed e mais como God of War, onde apesar dos grandes planos e dos eventos automáticos, somos obrigados a trepar numa direção pré-determinada enquanto o jogo faz o "show-off" visual e estético à nossa volta.
O combate é parte essencial da ação, num estilo Hack and Slash que coloca a ênfase na temporização dos golpes para executar combos que nós próprios personalizamos no "Combo Lab". Com o passar do tempo e à medida que Nilin vai reaprendendo as suas capacidades, desbloqueamos combos (exemplo A, B, A) e pressens que podem ser designados a um dos comandos dentro do combo. Adicionalmente, temos também ataques especiais conhecidos por S-pressens, que apesar das capacidades destruidoras, estão limitados por uma barra de focus e um cooldown correspondente ao seu poder.
O interessante deste sistema é que cada pressen tem uma característica específica, colocando-nos numa situação de escolha entre o favorável, o agradável e o bom. A melhor escolha que se pode ter. Por exemplo, um dos pressens adiciona um poder curativo ao golpe, outro permite reduzir o cooldown dos S-pressen para que fiquem disponíveis depressa. Existem combos mais complexos do que outros como seria de esperar, sendo que quanto mais avançado no combo um determinado pressen estiver, maior será o seu efeito. Este é sem dúvida um dos elementos mais originais do jogo, mas o juízo sobre a profundidade do sistema vai ter que esperar pelo momento da análise.
"“…imaginem que são apanhados com cábulas durante um teste, facto que certamente pesará na nota final do professor."
Como caçadora de memórias, Nilin é capaz de simplesmente roubar a memória de outros, algo que faz com alguma frequência aliás. Mais interessante que isso, é quando tem que invadir um cérebro alheio para modificar as memórias do sujeito de forma a satisfazer os seus próprios objetivos. Sem spoiler, imaginem que são apanhados com cábulas durante um teste, facto que certamente pesará na nota final do professor. Agora imaginem invadir a memória deste e colocar um banco à sua frente momentos antes de vos apanhar, ou abrir uma janela para convidá-lo a ir lá fechá-la. Deste modo, o momento em que são apanhados nunca aconteceu na memória de quem importa, vocês foram apanhados na mesma, mas não para o professor, que agora questiona a sua própria decisão de vos dar negativa.
Durante estes segmentos em que revivemos as memórias de outros, existem vários elementos com que podemos interagir, assim como vários resultados para as combinações de mudanças que tentamos. Podemos retroceder e avançar na memória à vontade, é quase como um puzzle, mas que apela à originalidade e previsão de comportamentos. Podem ser ultrapassados com uma boa dose de tentativa-erro, mas foram francamente divertidos e sem dúvida que memoráveis.
Adorei a estética e tom nesta primeira impressão, o jogo parece ter uma forte inspiração cyberpunk com um ambiente muito virado para a ficção científica, mas que ao mesmo tempo parece familiar. É sim bastante original, valor cada vez mais prezado nos dias de hoje, e por isso damos por nós a desejar que seja bom, que seja cada vez melhor. Cá estaremos quando chegar a versão final.