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Resident Evil 2 - Análise - A gloriosa cidade dos mortos

Transição no estatuto de clássico.

Eurogamer.pt - Obrigatório crachá
Faz por RE2 o que o REmake fez pelo primeiro. Ergue-o para um novo patamar e torna-se na nova referência no género survival horror.

Resident Evil 2 é uma inigualável referência para uma geração de jogadores, cujo maior sonho era ver a indústria dos videojogos respeitada. No final da década de 90, os videojogos ainda eram vistos como coisa de criança, um desperdício de tempo e algo inferior a outras indústrias de entretenimento, como a música ou o cinema. A luta por um lugar ao sol foi longa e dura.

Na perseguição de um maior envolvimento cinematográfico através da criação de experiências envolventes e intensas, repletas de profundidade e mistérios capazes de manter os jogadores a falar deles como se fossem mitos urbanos, a Capcom foi uma rainha e senhora. A inspiração em Hollywood marcaria a génese de uma nova propriedade intelectual, que no segundo título se tornaria num dos clássicos incontestáveis desta indústria.

Leon S. Kennedy e Claire Redfield são dois dos mais importantes nomes para uma geração de adeptos do entretenimento interactivo, que sonhavam um dia ter algo capaz de rivalizar com o cinema, pelo menos no seu coração. Leon e Claire são os protagonistas de Resident Evil 2 que entram numa luta pela sobrevivência num brilhante survival horror cujo impacto perdura há décadas.

Passados 21 anos, aqui estamos nós - perante um magnífico remake em que os propósitos são simples, mas incrivelmente ambiciosos. Neste remake de um dos mais aclamados títulos da história, a Capcom propõe-se a glorificar a sua cidade dos mortos (um cenário cujo impacto ainda hoje não tem rival) e a fazer pelo jogo o que o REmake fez por Resident Evil 1 - substituí-lo como referência.

O mais fascinante é constatar que a Capcom conseguiu repetir a façanha que realizou em 2002 (com o REmake do original) e também as formas como o conseguiu - um respeitável bailado onde constantemente equilibra respeito pelo material original com a coragem de expandir ou alterar.

Essa temível dança foi conduzida por Kazunori Kadoi, um veterano da Capcom que no mais importante cargo da sua carreira liderou uma equipa da Capcom disposta a actualizar a magistral obra de Hideki Kamiya, uma das mais brilhantes mentes japonesas. Os resultados prometem dar que falar durante muito tempo e a melhor sensação que terás é verificar que este remake foi feito por quem percebe disto.

É muito difícil escrever uma análise para Resident Evil 2 remake sem falar em spoilers, especialmente porque as novidades incluídas pela Capcom são de grande qualidade, mas mereces começar o jogo envolto em todo o mistério que intensifica a sua atmosfera. Se jogaste o original e percorreste os corredores desta desolada esquadra, sabes o que te espera, mas as novidades e alterações são uma bela forma de o expandir e actualizar. Se não jogaste o original, prepara-te para um dos mais marcantes jogos da geração.

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"Tal como no original, existem os Cenários A e B - apenas terminando os dois terás acesso ao final verdadeiro.

Resident Evil 2 transporta-te para Racoon City, uma cidade que de um momento para o outro perdeu a sua vida e foi mergulhada no caos. Incêndios espalham-se pela cidade, os carros amontoam-se nas estradas, não existe electricidade em diversos quarteirões e o inquietante silêncio é perfurado pelos perturbadores lamentos de corpos sem vida que vagueiam à procura de saciar a sua interminável sede de sangue. Os mitos de uma cidade onde os mortos caminham pelas ruas já se espalharam pelos arredores, mas nada te consegue preparar para o impacto de ver a cena à tua frente.

É através de Leon e Claire que entrarás nesta cidade inspirada nos grandes filmes de mortos-vivos, tão populares na década de 90, para descobrir os seus horrores. O próprio cenário revela bem a ambição da Capcom que, de uma mansão no primeiro jogo, passa para uma cidade na sequela. Leon e Claire têm como objectivo a esquadra da polícia de Racoon City - Leon é o novato no seu primeiro dia no serviço, enquanto Claire procura o seu irmão Chris, protagonista do primeiro jogo, ao lado de Jill "Sandwich" Valentine.

Assim que chegam à esquadra, Leon e Claire iniciam uma luta pela sobrevivência e até assistirem ao nascer do sol, terão de enfrentar uma noite de horrores. É um survival horror puro e digno do termo, ao estilo que temeste ficar perdido. Isto resulta num jogo de acção onde estarás constantemente a gerir recursos e a solucionar quebra-cabeças para seguir em frente.

Para os veteranos da série, posso dizer que existem alguns quebra-cabeças engenhosos, mas poucos. Na sua grande maioria, a Capcom tornou o jogo mais acessível e intuitivo, especialmente nos puzzles. Existem imensas pistas fáceis de descobrir e ao encontrar obstáculos, até no próprio mapa fica assinalado o ícone do objecto que precisarás para esse local - seja uma porta trancada, um dispositivo que precisa ser desligado ou correntes para cortar. Não terás de puxar pela memória ou a explorar aleatoriamente (agora até tens uma identificação visual que indica quando um item não é mais necessário).

No entanto, posso dizer-te que existem alguns puzzles onde vais pensar que com papel e caneta poderás ter maior probabilidade de o solucionar. São apenas dois ou três, mas quando dei por mim a pensar nisso, foi desde logo uma vitória.

Esta maior acessibilidade é muito bem-vinda. Não interfere com a experiência nem com o design deste imenso puzzle, que mais parece um novelo que terás de ir puxando através da incursão por diferentes zonas da esquadra, apenas remove uma dificuldade artificial que se poderia tornar num incómodo. Especialmente porque o remake mantém-se fiel à essência do survival horror do original - constante debate interno entre o uso de munição, ervas, sprays e se é melhor disparar dois tiros na cabeça, ou fugir e nem disparar, ou tentar escapar às garras do zombie e usar uma mistura de ervas se falharmos.

O inventário é reduzido e isso força-te a gerir os itens que levas contigo. É certo que os ícones que vais descobrindo no mapa tornam mais fácil perceber alguns itens que precisarás, mas nem isso te simplifica a gestão do inventário. Frequentemente transportarás itens caso precises deles numa área ainda não descoberta, correndo o risco de não apanhar alguns que encontras.

"Personagens incrivelmente detalhados, iluminação de espantar e uma atmosfera sensacional. A Capcom acertou em cheio."

Esta gestão do inventário e a constante pressão para não desperdiçar munição ou itens é do mais brilhante que uma experiência survival horror pode ter e a Capcom acertou em cheio. A munição é preciosa, as ervas ainda mais, mas terás de te aventurar nos arrepiantes e temíveis corredores escuros para obter mais armas e aumentar as probabilidades de sobreviver.

Um dos maiores prazeres e uma das sensações mais gratificantes foi constatar com Resident Evil 2 permaneceu estruturado como um enorme puzzle, no qual aos poucos e poucos vais expandindo as áreas acessíveis. Inicialmente, apenas podes ir para o lado Oeste, mas o novelo desenrola a cada item que descobres. O teu papel é esse, além de sobreviver, terás de descobrir onde é que um determinado item pode ser usado e o que obtens a partir desse novo item, que consequentemente te levará a outro ponto da esquadra.

As histórias de Leon e Claire são diferentes, apesar de várias cenas em comum. O que torna ainda mais importante jogar com os dois é que em alguns momentos até parece que tens dois jogos num só. Existe uma constante pressão para não cometer erros, mas apenas descobrirás os mistérios ao cometer erros e arriscar. Esta sensação de constante luta entre o medo de não errar e a necessidade de explorar é do mais recompensador que a experiência Resident Evil 2 tem para te oferecer. Além disso, existem ainda as boss fights, a perseguição de figuras temíveis, como o Licker e o Tyrant.

Existem aqui momentos que são verdadeiramente brilhantes e quando dás por ti a pedir uma pausa para respirar das emoções, apenas para te aperceberes que não consegues parar de jogar, é quando entendes o quão marcante este trabalho consegue ser. Resident Evil 2 é um jogo de 2019 com o coração de um jogo de 1998, o que resulta num espírito absolutamente rebelde para os dias de hoje. É uma mistura de posturas que o tornam igual aos aclamados clássicos da Capcom, mas totalmente diferente do resto nos dias de hoje.

À semelhança do que acontece no original, existem diversos desbloqueáveis e segredos que poderás obter através da tua performance no jogo. Desde novos modos, como The 4th Survivor onde jogas com o HUNK na sua corrida contra o tempo, armas e fatos, a Capcom tentou respeitar ao máximo o original e a forma como és recompensado pelo que fazes no Story Mode. Seja pelo número de saves, tempo para terminar, uso de itens ou eficácia, tudo é contabilizado para obter possíveis extras.

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"O termo surival horror voltou a ter impacto."

Tal como no original, para ver o final verdadeiro e completo, terás de terminar o Cenário A com Claire ou Leon para depois continuar no Cenário B com a outra personagem. Isto permitirá ir além dos eventos vistos no final do primeiro cenário e desbloquear mais extras. Conseguir terminar os dois cenários na dificuldade Normal poderá durar até 16 horas, mas a vontade de o repetir e tentar descobrir mais segredos é imensa. Neste aspecto, sinto que a Capcom conseguiu injectar no remake o mesmo fascínio existente no original - quanto mais jogas, mais queres jogar, nem que seja para melhorar registares melhores resultados.

Enquanto devoto de Resident Evil 2, foi fascinante constatar o trabalho da Capcom na actualização de tão imponente clássico. Senti que estava a jogar um jogo familiar, mas ao mesmo tempo senti que tinha tanto de novo e melhorado que poderá merecer a ambição de ser considerado um novo jogo. Os incríveis visuais, que mais uma vez revelam a elevada qualidade do REengine, dão-te personagem altamente detalhados, cenários assustadores e inquietantes onde o jogo de luz e sombra é rei, sem esquecer os pormenores que tornam mais envolventes as cenas repletas de gore.

A Capcom merece todo o respeito pelo resultado que alcançou, mas também pela coragem em abordar um projecto tão ambicioso. Existe outra coisa igualmente importante em torno de Resident Evil 2 remake - dá-te uma visão do futuro da série. A Capcom conseguiu recuperar o respeito dos fãs com RE7 ao regressar ao terror, ao survival horror. Este remake mostra-te que é possível dignificar este género, preservando a sua essência, numa perspectiva na terceira pessoa.

O remake de Resident Evil 2 tornou-se num dos meus jogos favoritos de todos os tempos e sinto que fez pelo clássico o que o REmake fez pelo primeiro Resident Evil - ultrapassou-o e levou-o para um novo patamar ao ponto de se tornar na referência. É intenso, assustador, frenético, violento e feito com uma qualidade louvável. A Capcom soube gerir bem o equilíbrio entre nostalgia e novidade, entregando-te um verdadeiro survival horror que te fará vibrar e te impressionará com a forma como respeitaram o original. Graficamente é deslumbrante e é constante a sensação que estás a jogar um jogo com a alma e metodologia que celebrizou os clássicos dos anos 90, mas feito com tecnologia actual - isso apenas glorifica esta cidade dos mortos.

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