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E tudo o fogo levou!

4 anos em desenvolvimento, 4 versões: Resident Evil 4

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A violência verbal com que o agente Leon Kennedy é recebido por um aldeão de meia idade, sujo, a remexer carvão diante de uma lareira acesa, enquanto tentava obter informações sobre a filha do presidente norte-americano, desaparecida num aldeia algures no sul da Europa, é só o prelúdio de uma campanha aterradora que a partir desse instante extravasa as fronteiras do género "survival-horror", lançado em 1996 com o seminal Resident Evil, de Shinji Mikami. Interessante que quase dez anos depois da criação de um género seja o autor dessa criação, o próprio Mikami, a dar sequência à primeira grande evolução da série Resident Evil, depois de várias prequelas, segmentos laterais e updates aos originais.

Para muitos, Resident Evil 4 foi um ponto de partida, um claro corte com o passado da série, mas sem nunca perder a identidade e a herança da série. Por ocasião dos primeiros anos do novo milénio, a série de culto da Capcom enfrentava uma concorrência mais visível e forte, com a quarta evolução da série Silent Hill e um terceiro Fatal Frame a caminho. Coube por isso ao Production Studio 4, da Capcom, dar forma a um novo jogo que haveria de completar a trilogia de jogos Resident Evil para a GameCube. No princípio de 2005 já tinham sido publicados no "cubo mágico" da Nintendo Resident Evil Remake e Resident Evil Zero, dois jogos sustentados na jogabilidade e sistemas de jogo dos originais, que ao possibilitarem aos membros da Capcom uma nova fasquia em termos técnicos permitiu também à equipa solidificar o conhecimento sobre as bases da série e perceber melhor o futuro.

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Por isso, o quarto jogo da série principal teria de ser algo diferente mas ao mesmo tempo não se desviar drasticamente dos originais. A revolução teria que respeitar certos limites O que o estúdio da Capcom não esperava, com Hiroyuke Kobaiashi como produtor e Shinji Mikami como director, era as dificuldades em materializar essa nova direcção. Quando foi lançado no mercado norte-americano no dia 11 de Janeiro de 2005, tinham passado quatro anos de atribulada produção, tendo o estúdio experimentado em protótipo quatro diferentes versões do jogo. Contou Kobayashi à revista britânica EDGE nº 146 de Fevereiro de 2005 que só depois da E3 de 2003 é que a equipa se convenceu sobre as ideias e conceitos que haveriam de dar forma ao jogo e só em Janeiro de 2004 foi anunciado o conceito e design do jogo, com Mikami como director, estando o jogo apontado como exclusivo da GameCube. Porém e pouco após o lançamento de Resident Evil 4 no mercado europeu, a Capcom anunciou a produção do jogo para a PS2, contrariando a intenção de Mikami, que acordara com a Nintendo a trilogia em exclusivo para a GameCube.

Os Ganados proporcionaram uma nova ameaça.

Independentemente disso, era o conteúdo de Resident Evil 4 que fazia a diferença. Num novo cenário, ambiente aterrador (ao ver os aldeões empalarem um polícia dos dois que o transportaram até aquela estranha vila) e com uma temática completamente diferente, quase tudo era novidade para Leon Kennedy mas sobretudo para o jogador. Cenários pré-renderizados e zombies eram coisas do passado. Agora os aldeões aproximam-se vindos de qualquer ponto do cenário, mais aberto, propiciando rápidos ataques desta estranha gente que não se confunde com zombies mas que agem por instinto malévolo, erguendo forquilhas, machados, ancinhos e moto-serras, tudo utensílios agrícolas (até galinhas andam à solta no centro da vila) num alvoroço constante assim que se escuta o trabalhar do motor nas redondezas, ampliado pelas temíveis aceleradelas.

As transições entre cenários operadas através de sequências cinematográficas, algumas in-game.

Depois da cinemática introdutória, os 10 primeiros minutos de jogo comprovam a excelência em design e conceito de Resident Evil 4, que de forma sustentada e gradual se prolonga por seis capítulos em 3 actos e aproximadamente entre 16 a 18 emocionantes horas de jogo. Desaparecendo os sempre constantes corredores, espaços exíguos e transições entre espaços intervaladas com ecrãs de loading, os novos cenários em 3D e a sua extensão injectaram uma nova dinâmica e ritmo, geradora de muitos perigos, especialmente quando avistamos ao longe (através dos binóculos) os inimigos em movimento, reconhecendo já a nossa presença e preparados para atacar. Por isso, Leon vê-se inúmeras vezes cercado e preso naquela teia, soltando-se através de um pontapé lateral capaz de afastar temporariamente estas estranhas criaturas.

Ao mesmo tempo, Resident Evil 4 revela uma cadência e dose de acção deliberada, por vezes forte e agressiva, justificando o empenho do jogador na recolha das poucas munições e armamento disponível para enfrentar as vagas de inimigos, outras vezes solicitando atenção na resolução dos puzzles e passo mais vagaroso, antes de finalizar o acto com uma batalha contra um boss de grande intensidade, esforço físico e carga emocional. Exemplo disso é o primeiro confronto com El Gigante, uma criatura enorme e poderosa, como um Golias, e toda a estratégia montada para o derrotar, superando pelo meio uma série de "quick time events" que encaixam quase naturalmente nos processos de ataque e defesa ao mutante. Todos os cenários em tempo real criam um efeito avassalador, potenciando medo e tensão no confronto. Não é por acaso que mesmo depois deste tempo, este jogo possa ombrear com produções mais recentes como Last of Us e sobretudo Gears of War, a série que mais influências recebeu de Resident Evil 4.

Capa europeia (na Europa o jogo saiu em Março de 2005) e americana de Resident Evil 4. Ambas ilustram bem o homem do moto serra.

E por falar em batalhas contra os bosses, o que dizer do confronto que opõe Leon a Salazar, mas também Bitores Mendez, El Lago (a seguir à cena onde vemos os aldeões lançarem um polícia na água) o táctico Krauser ou Lord Saddler. E os capítulos finais, depois de várias mudanças de ambiente, passagem pelo castelo dos Los Iluminados, enquadrados num laboratório com os seus corredores e recantos de onde emergem ataques surpresa. A grande variedade dos inimigos impressiona, sobretudo pelo aspecto humano de uma grande maioria deles e seus golpes ameaçadores e inesperados, implicando diferentes abordagens e estratégias de defesa e ataque. A possibilidade de alvejarmos pontos específicos com mais facilidade torna os ataques mais rápidos, mas é difícil esquecer o inimigo que dá capa ao jogo o "chainsaw man: altamente perigoso, muito rápido a avançar, difícil de matar, sendo o nosso alvo constante até cair por terra, caso contrário "you are dead" da pior forma possível.

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A correr a 480p na GameCube, Resident Evil 4 foi uma referência em termos gráficos para os jogos de acção e survival da época. Os visuais são riquíssimos e os efeitos impressionantes, ao nível da iluminação, texturas e palete de cores, com alguns efeitos de fita de vídeo a contribuírem para a atmosfera densa. 10 anos depois, Resident Evil 4 continua a ser um marco, um ponto de referência na série, um jogo altamente jogável e fascinante. Uma produção de viragem e uma obra de mestre do mestre Shinji Mikami, o pai dos "survival games".

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