Resident Evil HD Remaster - Análise
O cubo mágico de Mikami.
Resident Evil estrou-se no longínquo ano de 1996 mas foi somente em 1997, com a Director's Cut e a sua demo exclusiva de Resident Evil 2, que joguei pela primeira vez o jogo. Resident Evil é um daqueles clássicos, um daqueles jogões que ficam connosco e dos quais nos lembramos a qualquer momento. Tenho imenso gosto em poder dizer que o joguei. No entanto, o REmake para a GameCube, lançado originalmente em 2002, foi um daqueles casos em que o produto original foi completamente transformado e a experiência elevada imenso para nos dar aquele que é até hoje um dos meus jogos favoritos de todos os tempos. REmake foi sem quaisquer dúvidas um autêntico impacto, um jogo de deixar cair os queixos, um jogo que espantava pois elevava todo um aclamado gameplay a patamares impensáveis ao apresentar visuais inacreditáveis que quase tornavam real toda aquela experiência brutal e precisa.
REmake deu a devida e merecida intensidade gráfica a uma das melhores obras de entretenimento que a indústria dos videojogos alguma vez ousou criar. Shinki Mikami criou aqui o seu cubo mágico, um jogo que inicialmente parece desconexo, estranho e completamente surreal (especialmente no voice acting que de tão péssimo se torna bom e nos movimentos dos aterrorizados membros de uma força de elite da polícia) mas que quanto mais avançamos mais sentimos que tudo está ligado e que uma acção terá a sua devida consequência. Tudo tem o seu destino e origem, o nosso papel é estabelecer a ligação. Tal como num autêntico cubo mágico, inicialmente todas as cores misturadas vão dando lugar a um painel colorido que se vai encaixando a cada movimento. Também aqui o jogador vai alinhando tudo consoante apanha itens que terá que descobrir o destino, descobre quebra-cabeças que o vão deixar a pensar e enfrenta situações francamente surreais.
Tudo isto há 20 anos atrás, altura em que a internet não existia da forma actual e que descobrir truques ou dicas era tarefa executada no recreio da escola. Uma ou outra revista poderia apresentar um guia mas ainda assim poderíamos ser forçados a comprar revistas Espanholas sempre com o peso intenso do valor do jogo a questionar se o queríamos estragar. Um jogo tinha que durar meses e quem jogou REmake ou o original sabe que este jogo faz render o seu valor. Agora, a questão perante esta HD Remaster não é sobre a qualidade do material original, indiscutivelmente um produto de génio, a questão está sobre a qualidade do processo de conversão de um produto lançado em 2002 e que já em 2009 havia sido alvo de tratamento idêntico na Wii. Será que temos motivos para regozijar ou estamos perante a procura de dinheiro fácil por parte da Capcom que se aproveita da nostalgia de alguns?
Enquanto uns vão poder reviver um dos seus maiores clássicos de sempre, outros vão poder conhecer pela primeira vez o jogo que começou tudo. Não vão jogar o original mas vão jogar REmake que é o mesmo jogo mas com visuais incrível e que deu início a uma nova era na série. Mikami confessou na altura que esta nova versão era 70% diferente do original, os fundos continham camadas de FMV para intensificar a sua qualidade e realismo, foram usadas sombras em tempo real e um novo tom mais sério nos diálogos. Por outro lado, um dos mais belos jogos da era 128-bits, foi também o pontapé de partida para Mikami enveredar por uma nova direcção na série. Aclamado pela crítica e pelos fãs, falhou comercialmente e em seguida vieram os pontapés e os saltos portanto este é o primeiro e o último da sua espécie.
Como referi, isto é um cubo mágico cujos movimentos do jogador devem ser precisos e encadeados em precisa sequência. Quase como se fosse parte de uma orquestra afinada até ao mais ínfimo detalhe, aqui o jogador terá que cuidadosamente seguir os passos mais indicados para tornar a experiência mais fluída e acessível caso contrário perderá muito tempo e estará facilmente perante a morte ou ficará mesmo bloqueado sem saber o que fazer. O desespero de que os nossos erros podem ser caros é um dos maiores prazeres em REmake e o mais delicioso desta nova HD Remaster é descobrir passados todos estes anos que, por motivos que de forma quase caricata já sabemos, continua algo único e cujo gameplay continua a cativar.
Este jogo de acção na terceira pessoa recorre a ângulos de câmara fixos, a movimentos restringidos no uso das armas de fogo, bloqueia os movimentos do personagem quando este dispara, limita os ataques físicos e impede-nos de transportar muitos itens ao mesmo tempo. Mais perigoso de tudo, obriga o jogador a tornar-se quase num estratega extremo quando nos diz que apenas podemos gravar o jogo em locais específicos e num número limitado de vezes. Basicamente tudo o que Resident Evil deixou de ser depois dele. Já no original assim o era mais graficamente a intensidade foi a limites impensáveis na altura, aqui todos os ângulos de câmara têm um propósito: incutir medo e sede do misterioso que está além do limite da nossa visão. Cada som, cada elemento visual conta para nos colocar um estado constante de pânico pois rapidamente aprendemos as regras dos nossos movimentos limitados, o que podemos fazer ou não é assombroso tendo em conta a nossa "realidade", estamos presos numa mansão perante ameaças que facilmente ultrapassam os nossos recursos.
Ainda assim, Chris Redfield, Jill Valentine, Albert Wesker, Barry Burton, Rebecca Chambers e mais alguns membros da força S.T.A.R.S. ficam presos numa enorme mansão que estará na origem do maior momento das suas vidas. O grupo dos piores actores na história desta indústria era apresentado aos jogadores em conversas envoltas em pânico e aos poucos e poucos quando se cruzavam apenas nascia mais mistério. Ao longo de cerca de 12 horas, se jogarem pela primeira vez, vamos conhecer como a acção se pode tornar num jogo de estratégia e planeamento que pede tanta astúcia à vossa mente como aos vossos músculos. Os bons quebra-cabeças que estão presentes ao longo do jogo assim como a fórmula de encontrar itens, descobrir a sua utilidade e local de uso, para gerir com cuidado a sua presença no nosso inventário são factores que se combinam para elevar a experiência. Aqui um dos maiores gostos é fazer tudo direito, disparar o mínimo possível e sentir constante progressão.
As incríveis lutas contra os bosses numa altura em que eram momentos icónicos, a sintonia entre performance visual e gameplay, a sensação que cada acção nossa poderia ter consequências e que vaguear pela mansão era um perigo constante, REmake irá dar a possibilidade que toda uma nova geração viva esta gloriosa jornada que age como um relógio na medida em que cada peça tem o seu local e nós temos que descobrir essa ligação para os "ponteiros" continuarem a sua inevitável jornada. Provavelmente, e sentindo isto com mais força agora que olho para trás no tempo desta forma, o maior elogio que posso tecer à obra de Mikami é que vai ensinando o jogador, conquista o seu respeito até chegar ao ponto que cada segundo, cada perspectiva de câmara, cada inimigo, cada movimento e cada sala daquela mansão merecem ser conhecidas, merecem ser vistas e que tudo tem valor.
Apenas posso tecer os melhores elogios ao trabalho de Mikami agora o mesmo não poderei dizer à equipa que trabalhou nesta HD Remaster pois rapidamente nos apercebemos que pouco foi feito para melhorar a sua qualidade. Mesmo que o pouco até contenha algumas coisas boas, acredito que a Capcom partiu à procura de dinheiro relativamente fácil, investimento sem qualquer risco, apostando na nostalgia dos jogadores como principal argumento de venda. Afinal de contas, este é um dos poucos jogos que ainda fugia a muitos jogadores graças à sua exclusividade Nintendo. Enquanto os cenários beneficiam de pequenos retoques e melhorias na iluminação, a qualidade dos fundos pré-renderizados chega a ser quase insultuosa nos dias de hoje. Mostrando pouco trabalho na adaptação para 1080p, ao ponto de sugerir que a imagem apenas foi esticada.
A incrível e singular qualidade do material fonte contrasta com uma qualidade técnica que em nada esconde a idade do produto. Apesar dos personagens em 3D terem sido alvo de algumas, mínimas, melhorias, na realidade esta é uma HD Remaster que frequentemente vos irá chocar pela forma como vos expõe à fraca qualidade de alguns cenários. Seria de pensar que a Capcom melhorasse tudo na adaptação mas vamos acreditar que a idade dos materiais originais não permitiu grandes voos. De uma forma fria poderíamos pensar que a Capcom pegou no trabalho executado na adaptação Wii, retocou os personagens e alguns elementos da iluminação para depois esticar a imagem. Pronto.
Não estraga o jogo mas deixa-nos a pensar como seria se tivesse sido feito em toda a sua plenitude, se a adaptação para a nova era de consolas tivesse sido feita a 100%. Com algumas opções alternativas, implementação de controlos alternativos para permitir diferentes sensações e não se sentir tão restrito, REmake HD Remaster poderia ter sido um produto simplesmente obrigatório pois se houvesse uma aula de Videojogos na escola, seria uma matéria imprescindível em qualquer sala de aula. Como está, é apenas direccionado para os saudosistas que se lembram de como ficaram incrédulos em 2002.
Resident Evil REmake HD Remaster apresenta a possibilidade de jogarem um dos maiores clássicos de todos os tempos, provavelmente um dos maiores clássicos da vossa adolescência de forma cómoda e relativamente acessível. Brilha enquanto portão para a terra da nostalgia e como ferramenta de aprendizagem para os que desconheciam um bom survival horror (um dos melhores ou o melhor) mas se na escola formos para a aula de Técnicas de Desenvolvimento então facilmente percebemos que o investimento da Capcom foi mínimo e surge aqui um forte contraste entre a brilhante qualidade do material original e a não tão brilhante execução técnica. De qualquer das formas, é apenas uma pequena mancha que se conseguirem irá passar, na sua maioria, despercebida e vão poder conhecer uma experiência brutal e incrível.