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Resident Evil Zero HD - Análise

Um bilhete para o expresso da meia-noite.

Mesmo sendo um clássico, não tem o brilho e equilíbrio do remaster original, revelando inconsistências no teste à passagem do tempo.

Até parece que ainda foi ontem. A 22 de Março de 1996 a Capcom publicou Resident Evil, a obra inaugural de "survival horror", dirigida pelo mestre de terror: Shinji Mikami. 20 anos num estalar de dedos. A caminhar para o vigésimo aniversário da série, é com alguns momentos da primeira parte da série, que muito mudou desde então, que recordamos a origem e a prequela de Resident Evil, com o subtítulo Zero, apontado aos televisores de alta definição e recentes consolas. Não deixa de ser curioso o regresso à velha fórmula inicial.

Depois do excelente e memorável Resident Evil 4, os capítulos seguintes não mais abrandaram na componente acção pura e dura, transformando um jogo de terror e combate na terceira pessoa, num verdadeiro festim de balas, bombas, triceps e bíceps: um shooter com esteróides. O resultado, ilustrado em potência em Resident Evil 6, está longe de agradar aos fãs veteranos que regozijaram com a iniciativa dos primeiros episódios. Só que estes foram perdendo a maioria dos votos perante uma nova audiência, mais interessada na acção fácil e gatilho directo em movimento. Imposições do mercado levaram a Capcom a mudar as agulhas depois do quinto episódio. A questão é se este repentino saudosismo, marcado pela edição de uma colecção em alta definição e disponível nas consolas da actual geração, poderá materializar mais do que uma iniciativa ancorada na nostalgia? Uma inversão no rumo da série?

O que quer que possa deste lançamento advir, dificilmente desviará a marcha de Resident Evil 7, o próximo jogo da linha principal da série a entrar em cena. Sem quebrar o rumo do episódio anterior, talvez a Capcom esteja mais interessada em apurar a sensibilidade do seu público, testando-o perante os clássicos, podendo acomodar alguns elementos, em vez de fabricar um novo modelo.

"Resident Evil Zero foi lançado para a GameCube em 2002, muito próximo do original remasterizado, um dos jogos de lançamento da icónica consola da Nintendo."

Resident Evil Zero é o último jogo da série a respeitar o modelo original. Shinji Mikami e Hiroyuke Kobayashi regressaram em Resident Evil 4.

Resident Evil Zero foi lançado para a GameCube em 2002, muito próximo do original remasterizado, um dos jogos de lançamento da icónica consola da Nintendo. Todavia, começou por ser desenvolvido como um jogo para a Nintendo 64, capaz de tirar partido da tecnologia dos cartuchos, que permitiam uma operação fácil de dados, evitando os "pesados" loadings. Desenvolvido por uma equipa diferente da que trabalhara na edição remasterizada, um dos pontos relevantes neste episódio que pretendia explicar a "crise dos zombis" é a ligação entre duas personagens e a sua desenvolvida mecânica de controlo, ao permitir a passagem de testemunho entre duas personagens. Factores posteriores de desenvolvimento ditaram a mudança de plataforma. O jogo coube na GameCube e foi concluído para a plataforma.

O resultado é um título que segue os cânones do original e que precede o desenvolvimento de Resident Evil 4. Para lá do ambiente tenso, estão lá as perspectivas fixas, os cenários pré-renderizados, puzzles uns atrás dos outros, muitos zombis, bosses grotescos, mas também constantes loadings, uma exploração quase que feita por turnos, vagarosa e um sistema de pontaria algo arcaico. Nele está o melhor e o pior da série. Continua a mancar, de resto, uma narrativa que desde o primeiro momento não nos convence. É verdade que as narrativas nunca foram o forte dos primeiros jogos da série, mas o argumento de RE Zero está entre os piores.

No segmento inicial vemos um comboio expresso (da meia noite?), em marcha pela floresta Raccoon, quando é subitamente atacado pelo que parece ser uma espécie parasitária que num ápice espalha o caos a bordo das carruagens. Num instante as pessoas são atacadas e transformadas em zombies. A equipa Bravo, na qual milita Rebecca Chambers, é enviada para o local, com um dado agravante. Há um prisioneiro perigoso evadido: Billy Coen.

Não faltam explosões.

A aproximação ao comboio, entretanto misteriosamente retido, leva a heroína Rebecca no encalço de Billy Coen, não sem antes ser surpreendida pelas estranhas criaturas oscilantes, cobertas de sangue putrefacto, roncando solenemente antes de as encontrarmos sob perspectiva. E assim começa o ponto mais serôdio da história. Ambos entendem-se de forma célere e decidem conjugar esforços. Duas cinemáticas chegam para tornar o zapping possível. Aliás, parece ter sido esse o desiderato, ao existir uma tão grande despreocupação em termos narrativos em prol do jogo cooperativo. O que se perde aqui em consistência e equilíbrio narrativo é irreversível sobre às motivações das personagens e tentativa de estabelecer uma base sólida como prequela, uma justificação para o sucedido.

"A interacção entre os dois é mais forte do ponto de vista prático"

A interacção entre os dois é mais forte do ponto de vista prático, podendo ambos realizar acções concertadas. Passando o controlo para a outra personagem e tendo acesso ao mapa, podemos avançar até determinado ponto e em posse de certos elementos, transferi-los para a outra personagem, de modo a que esta prossiga. Do ponto de vista das habilidades, existem algumas diferenças. Billy resiste melhor aos ataques dos inimigos, é mais forte, possui um espaço maior para o transporte de itens (aloja mais facilmente uma espingarda e respectivas munições), enquanto que Rebecca tira partido das ervas medicinais para conseguir antídotos mais eficazes. A partilha dos itens vai de encontro ao sistema de aproximação entre as personagens, nem que seja através de elementos instalados como elevadores de pequena carga.

Apesar da funcionalidade, não se evitam constantes avanços e recuos, antes pelo contrário, estes são potenciados. Se com um jogador o "bactracking" é assinalável, com dois passamos muito tempo a tentar e errar, até descobrir a chave certa para a resolução do puzzle. Temos sempre um loading quando abrimos uma porta ou acedemos a um piso superior, pelo que é conveniente gravarem o jogo com regularidade, não vá surgir uma surpresa ao virar da esquina. RE Zero é um clássico puro e duro, o que significa exploração mais lenta, por vezes num estado quase contemplativo. Os puzzles são bons, nunca se tornam frustrantes, mas se não tiverem cuidado na gestão dos dados correm o risco de repetir várias secções.

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"As munições são escassas, os itens de sobrevivência disponíveis quase que se contam pelos dedos da mão, como se cada caixa de munições fosse ali deixada propositadamente para ser utilizada naquele alvo concreto"

Do ponto de vista do combate, idem. As munições são escassas, os itens de sobrevivência disponíveis quase que se contam pelos dedos da mão, como se cada caixa de munições fosse ali deixada propositadamente para ser utilizada naquele alvo concreto. Se atirarem ao lado, o mais certo é acusarem a falta das balas mais à frente, acabando encurralados e mortos. O sistema de movimentação é similar ao clássico, o que significa que a personagem movimenta-se na direcção imprimida consoante a perspectiva. Isso pode causar algum alvoroço, sobretudo quando somos atacados, e ficamos a pressionar o botão na mesma direcção, mas por via da alteração da perspectiva a personagem pode seguir para o lado oposto, resultando numa situação algo cómica. Com algum hábito dá-se a volta a isto, como também se dá ao sistema de pontaria. Na época não incomodava, mas mesmo sendo clássico e um desafio, revela-se menos prestável perante o teste da passagem do tempo.

Em termos gráficos, o tratamento de alta definição incidiu sobre os cenários e personagens em tempo real. Estamos perante um trabalho de restauro significativo, embora as passagens animadas não tenham sido alvo de alteração. Embora à sua época fossem bastante aceitáveis, para o actual estado da indústria acusam algum desgaste, mas vale a pena sublinhar a luminosidade, as texturas adicionais e os pormenores nos objectos e cenários quando percorridos em tempo real. Infelizmente alguns bosses e zombies não receberam o melhor tratamento. Nalguns momentos as oscilações são mais visíveis.

Quando a Capcom publicou RE Zero, em 2002, muitos dos elementos da jogabilidade eram aceitáveis e, no geral, a experiência não ficava distante do original remasterizado. Quase quinze anos depois, as suas fragilidades tornaram-se mais evidentes. O constante "backtracking" torna mais saturante a experiência, assim como o foco adicional nos puzzles regulados para o comando alternado entre duas personagens retira aquela aura de "survival" que The Evil Within, como veículo mais recente do género, tão bem evidencia. Quando se quer transmitir mais pânico e receio no jogador, pausar o jogo constantemente para alternar entre personagens equivale a um aliviar do pedal da carga dramática. O clássico de 1996, remasterizado a partir do remaster para a GameCube ainda é uma boa e memorável experiência, mas já não ficamos convencidos, em igual medida, com esta prequela.

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