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Ride - Análise

Moto mundo.

Uma experiência abrangente, com destaque para o detalhe das motas. Só lhe falta aquela explosão de deslumbre e uma condução mais apurada.

Após vários anos a desenvolver a franquia MotoGP, numa ligação ao desporto motorizado que vem desde o final dos anos noventa e que ganhou consolidação antes e ao longo da geração passada, com as Superbikes, os Superstars e depois o WRC, os italianos da Milestone quiseram refrescar o segmento das duas rodas, fora do espartilho das licenças oficiais, apresentando Ride, um jogo capaz de transmitir a sensação de condução de uma mota desportiva, em circuito ou fora dele, das clássicas italianas Ducati até às japonesas, plenas de adrenalina, Kawasaki e Honda. Ride visa um público diverso do MotoGP. Embora possa concentrar as atenções dos fãs das duas rodas, pisca o olho aos amantes dos jogos de carros, como Gran Turismo e Forza, grupo para o qual Ride se candidata, mas que em vez de carros, introduz o jogador às mais belas motas criadas. Conseguirá o estúdio lidar com tamanho desafio?

Há quase nove anos, a Polyphony Digital, então dona e senhora de uma das mais importantes franquias de automóveis - Gran Turismo -, responsável pelo desenvolvimento deste género nas consolas, com Gran Turismo em 1996, arriscou fazer com as motas o mesmo que tinha feito com os carros. Tourist Trophy pretendia ser outro simulador, o jogo capaz de transmitir a sensação de condução de uma mota, das mais potentes e técnicas, aos modelos vulgares e de condução tipicamente citadina como as scooters. Mostrando uma boa identidade e significativos conteúdos não foi aquela experiência marcante que Kazunori esperava obter, pelo menos ao nível da série Gran Turismo. A moderada recepção do público e da crítica levou a Polyphony Digital a concentrar-se em Gran Turismo.

A física das motas merece mais desenvolvimento. Debatemo-nos constantemente com o ângulo de viragem adequado para superar uma curva mais lenta.

Daí que passados nove anos, Tourist Trophy seja um competidor distante, mas que sempre ajuda a descortinar a necessidade de fazer mais do que uma mera captura do universo motorizado em duas rodas. Observando bem o novo jogo da Milestone, parece-nos que a produtora italiana se deixou influenciar mais pelo trabalho da Turn 10 em Forza 5, com resultados diferentes. Se por um lado nos agrada imenso a descrição realista e muito bem trabalhada das motas, com bons efeitos e forte renderização numa significativa proximidade aos bólides de Forza, por outro lado parece-nos que o modelo de jogabilidade logrado, algures entre a simulação e a condução arcade carece de mais desenvolvimento e desafio. O mesmo sucede com os cenários e pistas, demasiado vazias e com um grafismo aquém do que podemos seguir noutros jogos.

O jogo entrega mais de uma centena de motas e um extenso périplo mundial, ainda assim algo condicionado, alternando entre circuitos autênticos e reinvenções nem sempre pujantes, como Milão ou Miami, passando pela Riviera francesa ou as ruas de uma cidade japonesa. A condução das motas, ajustável em três parâmetros de dificuldade, da mais assistida à profissional e desprovida de elementos que facilitem a condução, raramente inscreve aquela sensação de adrenalina e perigo vivida aos comandos destas máquinas. Por vezes parece uma condução demasiado automática, estável, ainda que nas acelerações a roda traseira deslize um pouco mais se não formos cautelosos.

Na dificuldade profissional é obrigatório respeitar a zona de travagem, normalmente delimitada pelo asfalto escurecido pelas derrapagens, onde é nítida a concentração de borracha, funcionando como um óptimo ponto de travagem. A condução é claramente melhor na dificuldade "pro", os riscos e excessos não são tolerados, mas também persistem situações pouco tolerantes como algumas quedas forçadas, quando o grupo vai mais compacto. Outras vezes o piloto parece projectar-se da mota mas suavemente volta ao posto de condução. A física é um ponto relevante neste ponto e merecia mais dedicação, com animações por vezes pouco reais, especialmente ao nível dos toques em muros e embates mais violentos. Por outro lado, as motas não se danificam após os embates. Permanecem como se nada se tivesse passado.

Os circuitos citadinos não oferecem escapatórias e acusam alguma falta de gravitas.

Nota para a funcionalidade que permite recuar no tempo por alguns segundos. Por corrida dispõem de um conjunto de créditos para emendar as falhas, mas quase sempre em número mais do que suficiente para as eventuais desconcentrações. Também é possível ajustar o grau de dificuldade dos oponentes controlados pela inteligência artificial. Normalmente as suas reacções aceitam-se e neste tópico há que relevar a rapidez dos pilotos da frente. Para chegarem até eles terão de possuir uma mota bem capaz e descrever as curvas na trajectória correcta.

Um dos trunfos de Ride reside na grande quantidade de motas, das clássicas às desportivas e exóticas, encontram aqui um verdadeiro moto mundo, composto pelos modelos emblemáticos, alguns mais populares que outros, mas todos umas referências, independentemente das categorias escolhidas. Estas dividem-se pela cilindrada, categoria como as Superbikes, as Supersports e as naked, uma categoria para principiantes. Chegando às vossas favoritas, poderão até tirar fotografias do vosso modelo favorito enquanto se deliciam com a atenção posta nos pequenos pormenores. Nisso Ride sobressai.

Nalguns modos de jogo poderão passar directamente para as motas mais potentes e desportivas como as Honda ou Kawasaki, através do aluguer. Mas para singrarem no circuito mundial, terão de acumular créditos, por via das vossas pontuações positivas nas corridas (três medalhas), beneficiando da pontuação para subirem no ranking mundial, desafiando cada vez mais pilotos experientes. O modo carreira é a opção central nas corridas individuais, mas é constituído por um sistema de progressão demasiado formatado e esquemático. Há liberdade para transitarem entre categorias, só que dentro de cada uma terão cinco ou seis provas constituídas por diferentes desafios, como alcance de um tempo rápido, superar certos rivais, vencer uma corrida, etc. Obter todas as medalhas de ouro e a posição cimeira no ranking levará imenso tempo, deixando compensados os mais audazes.

Não faltam os track days: a pista por conta dos motards.

Ao grande número de motas disponíveis não responderam os produtores com circuitos na mesma medida. 15 pistas no total sabem a pouco (um MotoGP tem-nas em número superior) e rapidamente esmorecem o nosso interesse quando passamos a percorrê-las demasiadas vezes. Uma boa parte dos traçados são oficiais e outros ganham pela originalidade. Na Serra Nevada e em Riviera encontram localizações díspares com ambientes únicos mas o design não é tão grande e pormenorizado como a atenção dada às motas.

Além disso, o jogo peca também pelos elevados loadings. A transição entre menus é algo lenta mas assim que entram numa corrida terão que passar pelo menos por três quadros de loadings, todos bem demorados. A pensar nisso os produtores inseriram uma série de imagens da mota escolhida assim como informações relevantes sobre a sua origem e prestações. A ideia até é boa mas esvazia-se de interesse quando escolhemos a mesma bike para correr.

Quanto às opções de jogo online, Ride oferece um apreciável nível de personalização, com opções por categorias, provas, cilindradas, passando por todos os circuitos através de competições mais tradicionais, do género MotoGP. As corridas online oferecem um desafio mais genuíno e propenso a corridas empolgantes. Sabemos que não pulamos por um ranking fictício mas por uma classificação composta por outros jogadores, a mais valia ao modo carreira, muito dependente das nossas vitórias e obtenção de fundos necessários para comprarmos a mota que nos faz chegar à frente sem passar por grandes obstáculos.

Ride tem os seus momentos, uma lista impressionante de motas e uma exibição das mesmas bastante consistente, mas nem a condução nem os modos de jogo conseguem gerar matéria suficiente para levar um aficionado de Gran Turismo ou Forza a descobrir todos os segredos e desafios com deslumbramento. Ride entretém e nalguns momentos dá ares da sua identidade, mostrando-se como uma boa alternativa a MotoGP, sem conseguir no entanto atingir uma condução emocionante e um ambiente mais quente, dinâmico, capaz de envolver e sugar o jogador para o centro do jogo. Ainda assim, os fãs das duas rodas e motas em geral encontram aqui uma produção que lhes dará algum significado.

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