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RiME - Análise

Poesia interactiva.

Eurogamer.pt - Obrigatório crachá
RiME bebe da mesma fonte de Journey e ABZÛ, conseguindo ser melhor em muitos dos elementos que caracterizam um jogo.

Depois do anúncio em 2013 e dum longo período de mistério, em que o seu lançamento foi colocado em causa, RiME, o aguardado indie da Espanhola Tequila Works, está a meras horas das tuas mãos. Se te apaixonaste por experiências como Journey ou ABZÛ, terás todo encanto em descobrir que RiME é mais um nome de referência. Falar deste novo indie é falar de um título que promete deixar a sua marca neste actual ano de 2017, um jogo que é um verdadeiro exemplo desta era moderna dos videojogos em que vivemos. Não apenas por ser um indie, conceito relativamente recente, mas também por ser o reflexo de uma indústria que está a vibrar com talento novo. Pessoas influenciadas pelos mesmos mestres que te encantaram e te fizeram ficar neste meio de entretenimento, de tal forma incentivados que estão agora a apresentar as suas propostas.

RiME é um daqueles jogos que desafia conceitos, um título que procura caminhar naquela linha extremamente fina que separa uma experiência interactiva de um videojogo. Que é um jogo não há dúvida. Um jogo que procura comunicar com o coração do jogador, que procura despertar os seus sentimentos. Talvez seja até possível ser descrito como um mergulho numa sessão de poesia interactiva, com um saudável apelo à interpretação para que cada um forme a sua identidade e comece a saborear um mundo virtual. RiME segue na veia de marcantes experiências como Journey e talvez possa acusar alguma familiaridade no conceito, mas o produto Espanhol é muito mais jogo do que a obra de Jenova Chen e da Thatgamecompany. Não o digo porque dura mais tempo, digo-o porque consegue um equilíbrio muito melhor entre as mecânicas e funcionalidades que caracterizam um jogo convencional e os tons de uma experiência interactiva.

É complicado falar de RiME sem falar da sua narrativa, dos eventos, especialmente porque é do mais impactante que tem para oferecer. Cada local, cada plano de câmara, cada horizonte ou cada situação é uma forma de aprofundar esta narrativa visual e de conferir um inegável carisma ao rapaz cuja jornada seguimos. É uma viagem tocante e emocional, com lições para dar, lições que merecem ser aprendidas e que serão individualizadas por cada pessoa que aceitar a responsabilidade de conduzir aquele jovem rapaz a bom porto. Quando o rapaz sem nome acorda naquela praia sem saber onde se encontra, inicia uma jornada pela procura de respostas, pela procura de chaves que possam abrir as portas para grandes mistérios. RiME poderá eventualmente ser descrito como uma narrativa visual interactiva sobre a necessidade de encontrarmos respostas.

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"RiME é uma fascinante narrativa visual que te emociona ao longo de quase 6 horas marcantes."

Quando digo que RiME é uma espécie de poesia em movimento cuja narrativa é contada sem palavras, não estou a dizer que este é um jogo no qual apenas seguras o analógico para caminhar em frente e vais movimentando a câmara para constatar que cada plano poderia ser transformado num quadro. Não, RiME, como já referido, consegue um melhor equilíbrio do que outros jogos de tom similar no que diz respeito a assumir-se como um jogo com o qual interages. Especialmente porque a ilha permite alguma liberdade de exploração e existem diversos quebra-cabeças a resolver para prosseguir. Alguns deles são muito simples mas outros são mais abrangentes e dos melhores momentos que terás nesta misteriosa mas mágica ilha.

Desde o primeiro momento que pegas no comando que tens toda a liberdade para explorar a ilha, pelo menos os pontos que estão ao teu dispor. Existem vários segredos e itens escondidos pelos cantos da ilha, o que incentiva a exploração e prolonga a longevidade do jogo. Interpretar os sinais visuais que te indicam por onde podes seguir é uma das maiores belezas em RiME e a tranquilidade da ilha convida a momentos relaxantes. Na verdade, existem diferentes tons associados a diferentes locais mas não quero estragar a surpresa. Além da interpretação do que te rodeia, o progresso é feito através de vários quebra-cabeças, como interagir com objectos, encontrar forma de aceder a locais, combinar itens ou simples secções de plataformas. A estrutura de RiME está desenhada para desbloquear o acesso a novos locais através da resolução de quebra-cabeças. Isto significa progresso na narrativa mas também significa que estás a aumentar o espaço que podes explorar para encontrar mais itens.

O maior deslumbre que senti ao jogar RiME foi mesmo a forma como o jogo me ensinou a interpretar as pistas visuais e quando dei por mim, sem esforço ou sequer pensar nisso, já procurava pelos cenários encantadores e coloridos os elementos que indicassem possíveis pontos de interesse. Os quebra-cabeças são na sua maioria simples, apesar de um ou dois forçar uma maior exploração, mas cumprem muito bem a sua parte para se tornarem num elemento respeitável desta narrativa. RiME não é um jogo que se importa se estás a ser o mais rápido ou o mais inteligente, é um jogo que se preocupa em transmitir a sua mensagem e se está a cumprir bem o seu dever, que é transportar-te para a ilha.

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"Existem várias mensagens para entregar e a interpretação visual como forma de progredir é usada de forma inteligente."

RiME é um fascinante exemplo de uma narrativa visual em formato de videojogo. Um título capaz de te levar até ao seu final sem uma única palavra surgir no ecrã. Para tal acontecer com sucesso é preciso implementar um design e estrutura que por mais simples possam parecer, devem ser altamente cuidadosos e inteligentes. Ao contrário do que muitos podem pensar, a simplicidade é por si só uma arte, um estado de graça que exige muito para ser aperfeiçoada. O grande mérito de RiME será a forma como os visuais dançam graciosamente com a estrutura de forma a servir uma narrativa e ainda assim não se esquecer que é um videojogo. RiME sente-se como um jogo a todos os momentos, mas também se sente como uma experiência poderosa.

O aspecto estilizado, quase a lembrar Zelda: Breath of the Wild (ou talvez seja melhor dizer Wind Waker?), conquistou muitas atenções e o design artístico de RiME é mesmo um dos seus melhores aspectos. A Tequila Works tinha uma história para contar, uma história que será interpretada de formas diferentes por cada navegador deste mundo interactivo. Para demonstrar o quão envolvente e até apaixonante consegue ser o seu mundo, o estúdio Espanhol recorreu a pistas visuais, ao jogo de cores, e acima de tudo à vontade de embelezar de uma forma quase mágica esta misteriosa ilha. É muito complicado elogiar os encantos de RiME sem os associar ao peso que a narrativa tem no jogo. Em termos visuais, o que posso dizer é que RiME é uma espécie de desenho animado que controlas e o engenho artístico dos Espanhóis merece o respeito da indústria.

Ao longo das minhas quase 6 horas para chegar ao final da emocionante jornada, apenas senti que a performance em alguns momentos precisa ser melhorada. Em alguns locais de maior escala ou ao transitar entre diferentes pontos, o rácio de fotogramas pode cair a pique. São momentos curtos e raros, mas quando acontecem, sentes a valer.

RiME é a magnífica e gloriosa prova viva da moderna era dos videojogos. Um título impensável há 10/15 anos atrás e que agora desfruta de uma nova mentalidade, madura o suficiente para se render a propostas que quebram os moldes e preconceitos de uma indústria que quer ser mais. São casos como os de RiME que dignificam os videojogos e nos fazem sentir alegria quando dizemos que "é por isto que eu jogo videojogos". É um jogo que sabe o que quer ser, que valoriza a mensagem que tem para entregar, mas ao mesmo tempo desafia o jogador como este merece ser desafiado. RiME é uma fascinante narrativa visual com uma mensagem forte para entregar e apesar de traçar território já conhecido, consegue-o frequentemente fazer de forma melhor.

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